sexta-feira, 24 de outubro de 2008

SEINFELD E O DISCURSO SOBRE O NADA


Considerada uma das mais populares e inteligentes séries da Tv norte americana nos anos 90, SEINFELD ainda expressa com precisão nosso caótico imaginário contemporâneo. Afinal, trata-se de uma comédia sobre o nada e ao mesmo tempo sobre o confuso “tudo” de nossos risonhos cotidianos, certezas, incertezas buscas.
Seinfeld é a pedagogia perfeita do aprendizado do riso, do ridículo do dia a dia e alguma coisa além disso...
Por tudo isso, deixo aqui um fragmento do “Melhor Livro sobre o Nada” do comediante Jerry Senfeld:


SAIR E VOLTAR

“Você pode dividir toda a sua vida em duas categorias básicas. Ou você sai ou fica em casa. O resto todo é detalhe irrelevante. A vontade de sair e depois voltar é muito forte. Olha o que acontece com gente que não quer ficar em casa, mas tem que ficar. Ficam deprimidos . Ou então, alguém que saiu, está sem a chave e não pode voltar. Fica doido. Temos que sair. Temos que voltar. Quando você sai, tudo fica um pouco fora do controle e excitante. Algo pode acontecer. Você pode ver alguma coisa. Você pode achar alguma coisa. Você pode até ser parte de alguma coisa. Temos que sair! Quando estamos de volta em casa, ficamos como o maestro de uma orquestra: a gente sabe que onde está qualquer coisa e como fazer funcionar qualquer coisa. Podemos ir de uma parte da casa para outra. Sabemos exatamente onde estamos indo e o que vai acontecer quando a gente chegar ali. Somos um maestro vestido de cueca e meias. E é exatamente porque sabemos tudo que temos de sair.”


(Jerry Seinfeld. O Melhor Livro sobre o nada. RJ: Frente, 2000.)

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

TRANS-INFÂNCIA

Devoro o passado
Digerindo o presente
Em fomes de futuros.

Mas tudo passa...
E minha alma não cabe
em qualquer lugar
de tempo.

Sou ainda uma criança
a sonhar seguranças
ao sabor do vento.

Mas tudo passa...
Como passam
todas as infâncias.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

BARUCH ESPINOSA E A RADICALIDADE DA RAZÃO


“Os supersticiosos, que sabem mais censurar os vícios que ensinar as virtudes e que não procuram conduzir os homens pela Razão mas contê-los pelo medo de tal maneira que evitem mais o mal que amem as virtudes, não pretendem outra coisas que tornar os outros tão infelizes como eles; e, por conseguinte, não é de admirar que eles sejam, a maior parte das vezes, insuportáveis e odiosos aos homens.”


Baruch Espinosa in Ética- Parte IV- Da servidão Humana ou Das forças das afecções
Excomungado em 1656 pela comunidade judaica de Amsterdan, Baruch Espinosa está entre as grandes referências filosóficas da modernidade.
Combatendo o “irracionalismo” e o “obscurantismo” de seus contemporâneos produziu obras originais como o Tratado da correção do Intelecto, o Tratado Teológico Político e uma Ética cujo conteúdo constitui um radical questionamento as representações do Estado e a Religião hegemônicas no século XVII.
Sua filosofia pode ser muito sumariamente definida como uma critica a escolástica então decadente, tanto quanto a filosofia de Decartes, assentada na formulação e aplicação de dois métodos: O histórico/critico, que destinou a uma leitura racional e secular da Bíblia, e o genético, segundo o qual, o conhecimento de determinada coisa é o conhecimento de suas causas, premissa por exemplo de seu Tratado da Correção do Intelecto.
Espinosa em seu racionalismo radical acreditava que a verdade é imanente ao próprio conhecimento, não condicionando-se a qualquer adequação entre a idéia e a coisa dado que uma coisa só pode ser conhecida através da causa que a produz e não pelos seus efeitos.
É esse primado do intelecto e da razão, a ênfase na “auto-produção” do real que desafia a tese em sua época em voga da criação das coisas por Deus que constitui um dos mais interessantes legados da sua filosofia.

Reproduzo em seguida uma pequena e significativa epistola do autor escrita erm Rijnsburg em março de 1663:

Ao jovem mui sábio Simon de Vries
“Caro amigo,

Tu me perguntas se precisamos da experiência para saber se a definição de um atributo é verdadeira. Respondo que nunca precisamos da experiência, a não ser para aquilo que não podemos concluir da definição da coisa. Como, por exemplo, a existência dos modos, pois esta não podemos concluir da definição da coisa.Mas nunca precisamos da experiência para aquelas coisas cuja existência não se distingue da essência e que, portanto, se conclui de sua definição. Mais ainda, nenhuma experiência pode ensinar-nos isto, pois a experiência nunca nos ensina a essência das coisas- o máximo que pode fazer é determinar nossa mente a pensar apenas acerca de certas essências das coisas. E assim como a existência dos atributos não difere de sua essência, nenhuma experiência poderá fazer com que a aprendamos.
Perguntas, ainda, se as coisas reais e suas afecções são verdades eternas. Digo que o são sob todos os aspectos. Se retrucares: por que, então, não as chamas de verdades eternas? Respondo: para distingui-las, como todos costumam fazê-lo, daquelas que não explicam coisas e afecções das coisas, como por exemplo, “nada vem do nada”. Tais proposições, e outras semelhantes, são chamadas verdades eternas num sentido absoluto, e com isto o que se quer dizer é que só tem morada no intelecto.”
Baruch de Espinosa

(Benedictus de Espinosa. Os Pensadores/ seleção de textos de Marilena de Souza Chauí; tradução de Marilena de Souza Chauí... (et al.). SP: Editora Abril Cultural, 1983, p. 372)

TEMPO PSICODELICO


Todos os dias somados
Explodem em um segundo
De presente
Revelando imaginações ébrias
Sem tempo e espaço.
Indiferente
Colho ânsias e desejos
Em um jardim pintado
Sobre um mar aberto
Em céu.

Pois entre o vagar de nuvens
Surpreendo-me deitado no vento
Em busca de mim mesmo
No difuso de todas as coisas.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

THE BEATLES, YELLOW SUBMARINE E O PSICODELISMO


1968 não foi apenas o ano de Stg. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, mas também do lançamento da animação em longa metragem Yellow Submarine com seus diálogos mordazes, referências artísticas e estéticas, brilhante trilha sonora e uma imagética, paisagem visual sem paralelos trans- lúcidos. O fato é que essas duas referências Beatles para uma não marco da história do século XX são muito significativas para exemplificar a singularidade daquela que foi até hoje a maior banda de rock de todos os tempos.
No que diz respeito à adoção de uma linguagem psicodélica de musica e arte, o fab four distancia-se muito de seus contemporâneos, desde Rolling Stones, The Who, Crean, Leon Butterfly, etc...
No caso dos Beatles, o psicodelismo era um estado de espírito, uma sensibilidade nova que transcendia os lugares comuns da rebeldia e identidade juvenil então em voga, afirmava-se tão somente como o lúdico exercício artístico e anímico de quatro jovens que faziam e vivam sua musica enquanto o mundo a sua volta simplesmente enlouquecia e inventava “o novo”...
Se os Beatles se tornaram a mais profunda expressão da transmutação de valores dos anos 60 do séc. XX; deve-se atribuir o fato a sua absoluta espontaneidade e naturalidade.
A originalidade e atemporalidade de seu psicodelismo reside justamente nessa espontaneidade descompromissada, em sua introspecção como banda, sem a qual o psicodélico jamais seria uma genuína forma de expressão radicalmente indivuada, uma estratégia de recosntrução da vida através da arte mediante o afrouxamento de um real convencionalmente estabelecido ou a apoteose do devaneio como modalidade lírica do pensamento dirigido e singular.
Em poucas palavras, os Beatles transmutaram o psicodelismo em SIMBOLO e MITO na mais profunda expressão de contemporaneidade... Fizeram dele muito mais do que um modismo de época.

SOBRE FELICIDADE...

Há coisas que permanecem Eternamente por fazer. Pois uma vida inteira não é suficiente Para realizá-las. Não falo de grandes sonhos ou projetos, mas do devaneio da mais perfeita existência, do mais simples sentir-se bem em atualizações de paraíso e infâncias. 
 
Trata-se aqui da felicidade impossível, da realização de todas as vontades na absoluta perfeição dos dias meta impossíveis que nos consomem no sem nome de desejos e fantasias. 
 
O que chamamos felicidade é apenas o que ficou por fazer, o que abandonamos, ou nos abandonou no precipício e sombra do doce pesadelo do mundo real... 
 
NADA É MAIS PERFEITO DO QUE A PRÓPRIA IMPERFEIÇÃO.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

LITERATUITA INGLESA XXXVII


Aldous Huxley (1894-1963), pelo seu profundo pessimismo e visionária leitura da realidade de seu próprio tempo, tornou-se mais do que um mero escritor de literatura, afirmou-se como brilhante ensaísta. Sua obra, apesar dos condicionamentos de seu próprio tempo, tende a ser uma referência indispensável ao pensamento critico de todas as épocas possíveis do futuro humano mais imediato pelça sua problematização do autoritarismo, da democracia e da própria natureza humana.
Afinal, Huxley foi, além do autor do tão famoso romance futurista "Brave New World" (Admirável Mundo Novo), que até os dias de hoje lhe garante a fama, o criador do conceito de agnosticismo. Muito significativamente teve como interlocutores e amigos nomes como o de Lytton Strachey e Bertrand Russel.
Em sua vasta obra destacam-se alem do já citado e consagrado romance, a coletânea de ensaios The Doors of Perception / Heaven and Hell (As Portas da Perceção / Céu e Inferno), os romances Ape and Essence (O Macaco e a Essência), Island e os derradeiros ensaios de The Human Situation (A Situação Humana).
Pode-se , de modo muito genérico, sustentar que, bom leitor do cerebre Charles Darwin, Huxley jamais foi condencendente ou ingênuo com relação a fenomenologia da vida e existência humana...
Dentre todas as coletâneas de ensaios por mim conhecidas, a que me parece mais provocativa e atual, são os reunidos em Do What you Will ( traduzido para o portugues como Satânicos e Visionários).
Creio que um fragmento desta obra é mais do que apropriado para aqui dizer seu autor, mesmo que seja impossivel traduzir em um fragmento de momento a riqueza de seus escritos:

O ENIGMA


“Na forma em que os homens o têm colocado, o enigma do universo exige uma resposta teológica. Sofrendo ou gozando, os homens querem saber por que gozam e com que finalidade sofrem. Vêem coisas boas e coisas más, coisas bonitas e coisas feias, e querem descobrir uma razão- uma razão definitiva e absoluta- porque essas coisas devam ser como são. É extremamente significativo, entretanto, que só com respeito a questões que lhes tocam de perto é que os homens buscam razões teológicas- e não apenas buscam como as encontram, e em que qualidade! Com relação a questões que não lhes tocam tão diretamente, questões que estão, por assim dizer, a certa distância psicológica deles próprios, mostram-se relativamente indiferentes. Não fazem esforço algum para lhes encontrar uma explicação teológica; percebem o absurdo e a inutilidade de sequer procurar uma explicação. Qual a razão final e teológica, por exemplo, de ser verde a grama e de serem amarelos os girassois? Tem-se apenas que levantar a questão para logo se perceber que é de todo irrespondível. Podemos falar sobre ondas luminosas, eletrons vibratórios, de moléculas de clorofila e coisas que tais. Mas qualquer explicação que possamos oferecer em termos dessas entidades não passará de uma explicação de como a grama é verde, e não porque ela é verde. Não existe “porque” algum- absolutamente nenhum, cuja descoberta possamos conceber. A grama é verde porque é assim que a vemos; em outras palavras, é verdade porque é verde. Ora, não há diferença em espécie entre um fato verde e um fato doloroso ou bonito, entre um fato que é da cor dos girassois e fatos que sejam bons ou infernais: uma categoria de fatos é psicologicamente mais remota que a outra, nada mais. As coisas são nobres ou angustiantes porque são assim. Qualquer tentativa de explicar porque elas são assim será inevitavelmente fadada ao fracasso, como a tentativa de explicar porque a grama é verde. No que tange a condição de ser verde e outros fenômenos psicologicamente distantes os homens tem reconhecido a inutilidade da tarefa e não cuidam de propor explicações teológicas. Mas ainda continuam a torturar o cérebro com os enigmas do universo moral e estético, prosseguindo na invenção de respostas e até mesmo acreditando nelas.”
(Aldous Leonard Huxley. Satânicos e visionários/tradução de J L Dantas. RJ: Ed. Americana, 1975, p. 153-154).

REVOLUTION 69

Me basta um sonho vivo
Em delirante realidade
Para explodir verdades
Em cores, gritos,
Raios
E ventos antigos.

Um estranho futuro
Chegaria, então, sorrateiro
De mãos dadas a passados
À muito esquecidos,
Trazendo a infância do infinito
Ao cotidiano tédio
De mais um dia
Entre pessoas, famílias,
Cidades, países e absurdos
Que não cabem
Na poesia de um céu estrelado
Ou no mundo de uma folha de papel.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

APRENDIZ DE SATURNO

Sofro o tempo que passa
Nos silêncios de cada momento.

Meus passados reinventam
O presente
No involuntário acontecer
De uma discreta biografia.

Não sou desses
Que viveram impérios
Amores sempiternos
Ou as aventuras de um Ulisses.

Tive apenas na vida,
Noites de luas, estrelas
E tédios
A espera de algum vento bravo,
De alguma manhã entre aberta,
Adivinhada em qualquer musica muda
No fundo de um céu profundo.

Em todos os tempos de mim
Nunca fui mais
Do que um aprendiz de futuros
A colher sonhos em madrugadas.

MEMÓRIA E DEVANEIO SEGUNDO BACHELARD


Em sua Poética do Devaneio, ao invocar as “cânticos de ilusões”, que nos conduzem a mais profunda experiência da relação existente entre imaginação e memória, Gaston Bachelard nos sugere uma reflexão sobre a experiência poética como uma espécie de “não lugar do tempo vivido”, como um "não factual da memória" que define nossas leituras e sentimentos biográficos tão profundamente quanto os acontecimentos concretos.
O que está em jogo aqui, não é a objetividade de qualquer lembrança possível de um dado momento ou situação vivida, mais a impessoalidade de certas lembranças, uma espécie de sentimento virtual de mundo que nos transcende em um irracional apreensão passional das coisas; como se fosse possível contemplar a aura mágica que envolve as configurações mais autênticas de nossas imagens de realidade .
Uma das principais funções da imaginação, afinal, é constantemente nos reapresentar o próprio mundo como significado vivido, como uma invenção ontológica... constantemente renovada, recriada...

Quando mais mergulhamos no passado, mais aparece como indissolúvel o misto psicológico memória-imaginação. Se quisermos participar do existencialismo do poético, devemos reforçar a união da imaginação com a memória. Para isso é necessário desembaraçar-nos da memória historiadora, que impõe os seus privilégios ideativos. Não é uma memória viva aquela que corre pela escala de datas sem demorar-se o suficiente nos sítios da lembrança. A memória-imaginação faz-nos viver situações não factuais, num existencialismo do poético que se livra dos acidentes. Melhor dizendo, vivemos um essencialismo poético. No devaneio que imagina-se lembrando-se, nosso passado redescobre a substância. Para lá do pitoresco , os vínculos da alma humana e do mundo são fortes. Vive então em nós não uma memória de história, mas uma memória de cosmos.”

(Gaston Bachelard. A poética do Devaneio/ tradução de Antônio de Pádua Danesi. SP: Martins Fontes, 1996, p.114)