sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Emily Dickinson e o lirismo popular da nova Inglaterra...



Já comentei escrevi anteriormente aqui sobre a poética de Emily Dickinson. Mas é inevitável voltar ao assunto após uma descompromissada visita ao encantador universo de sua poesia. Talvez, o que mais me atraia nela seja seu peculiar lirismo definido por um misto de ingenuidade infantil, subjetividade feminina, magoa de mulher e profundidade de poetisa que traduz como ninguém a simplicidade do canto popular da Nova Inglaterra em palavras aladas a correr ao vento de nossas próprias e contemporâneas almas.


Compartilho aqui alguns de seus versos:


I’ll tell you how the Sun rose-
A Ribbon at a time-
The Steeples swam in Amethyst-
The news, like Squirrels, ran-
The Hills unidet their Bonnets-
The Bobolinks- begun-
Then I said softly to myself-
“That must have been the Sun”!
But how he set- I know not-
There seemed a purple stile
That litlle Yellow boys and girls
Were climbing all the while-
Till when they reached the other side,
A Dominie in Gray-
Put gently up the evering Bars-
And led the flock away-


Tradução de Aila de Oliveira Gomes:


Vou-te contar como é que o sol nasceu:
De repente uma fita apareceu,
Campanários nadaram em ametista
E noticias correram como esquilos;
Colinas desataram seus toucados,
Os passarinhos romperam em trinados.
Então disse baixinho p’ra mim mesma,
‘Deve sido o sol’!
Mas como foi que ele se pôs, não sei dizer.
No céu, um torniquete avermelhado-
Meninos e meninas de amarelo
Pulavam por ali em atropelo,
Na pressa de alcançar o outro lado-
Quando um clérigo de hábito cinzento
Fez o gradil da noite subir manso-
E dispersou o bando.
Love-is anterior to Life-
Posterior- to Death-
Initial of Creation, and
The Exponent of Earth-
Tradução de Aila de Oliveira Gomes:
O amor é à vida anterior,
À morte posterior,
Da criação o nascente, e
Do respirar, expoente.
The Rat is the concisest Tenant.
He pays no Rent.
Repudiates the Obligation-
On schemes intent
Balking our Wit
To sound or circumvent
Hate cannot harm
A foe so reticent-
Neither Decree prohibit him-
Lawfut as Equilibrium.
Tradução de Aila de Oliveira Gomes:
O rato é o inquilino mais conciso.
Não paga aluguel-
Repudia o compromisso;
Atento e ardil.
Frustra nossa astúcia
De alarme ou laço rente-
Nem ódio traz prejuízo
A inimigo tão reticente.
Love-is anterior to Life-
Posterior- to Death-
Initial of Creation, and
The Exponent of Earth-

Tradução de Aila de Oliveira Gomes:


O amor é à vida anterior,
À morte posterior,
Da criação o nascente, e
Do respirar, expoente.


The Rat is the concisest Tenant.
He pays no Rent.
Repudiates the Obligation-
On schemes intent
Balking our Wit
To sound or circumvent
Hate cannot harm
A foe so reticent-
Neither Decree prohibit him-
Lawfut as Equilibrium.


Tradução de Aila de Oliveira Gomes:


O rato é o inquilino mais conciso.
Não paga aluguel-
Repudia o compromisso;
Atento e ardil.
Frustra nossa astúcia
De alarme ou laço rente-
Nem ódio traz prejuízo
A inimigo tão reticente.
Nenhum decreto
Inibe-o-
Legal como
O equilíbrio.

Nenhum decreto
Inibe-o-
Legal como
O equilíbrio.



MEDOS



Guardo muitos medos em silêncio
No desenho dos atos
E apostas tolas de pensamento.


Cada passo de mundo
É como um pisar de abismos
Sobre hiatos que rasgam vontades
Construindo fronteiras
Entre sonhos e realidades.


Entre o real e o fantástico
Afinal
O medo é tudo que existe.
No jogo da existência
a regra é aprender limites...

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

NOSTALGIA

Desbotados passados
Pendurados nas paredes
D’alma
Ainda me dizem
Algum amanhã possível
Enquanto sombras passeiam pelo vazio
Do provisório de cada dia.

Guardo a nostalgia
Dos coloridos jardins
De quintais de infância.

Aguardo-me na porta dos fundos
Da memória
Para reinventar o futuro
Em resgates de sonhos perdidos.

NOSTALGIA DE FUTURO

Procuro
No fundo das horas
Um pedaço aberto de céu
Para guardar medos e sonhos,
Esquecê-los em degredos
E descobrir em meus passos
Toda liberdade de ser.

Quero caminhar
Sobre um chão transparente
E incerto
Que me conduza a paisagem
De um feminino rosto escrito
Na alma dos meus sentidos.

Talvez, então,
Eu finalmente me veja
Do outro lado do pensamento,
Na realidade do outro,
buscando um delírio de acaso
que conduza a vida
A própria Vida
Até o infinito dos sentimentos...

Procuro
No fundo do tempo futuro
A perdida metade do meu ser
Sofrendo sonhos e nostalgias
De amanhãs quase perdidos.

A ARTE DE NAOTTO HATTORI: Um exemplo de "pos cultura"








As “psicodélicas” ou "surreralistas" imagens de Naotto Hattori ( 1975- ...) , ilustrador e artista gráfico japonês contemporâneo, nos conduzem a aventura de subversão das representações tradicionais da vida e do mundo através da fantasia como linguagem, como forma de des-leitura do real que nos leva ao avesso de uma narrativa do mundo. É articulada a tal orientação que sua obra personifica a desconstrução da própria idéia de arte e estética tradicionalmente estabelecidas. Podemos considerá-lo demasiadamente “pop”... demasiadamente distante de nossas sensibilidades a ponto de representar algo como uma "pos cultura". Mas o que poderia ser mais contemporâneo no plano das artes do que esse deslocamento absoluto de nossas sensibilidades compostas por retalhos de “classicismos” e “modernismos”?


terça-feira, 12 de agosto de 2008

CRONICA RELÂMPAGO XXXIII


Há dias que merecem apenas a saudação de um bocejo; dias previsíveis e definidos pela fatalidade serena do acontecer das rotinas; dias que nada nos dizem e contra os quais nos debatemos evadindo em devaneios para algum passado distante, alguma alegria inteiramente perdida, mas que nos habita intensamente como o fantasma de possibilidades felizes em sonhos de futuro. De muitas maneiras somos moldados por essas ingênuas fantasias enquanto percorremos a contra gosto nossos desertos cotidiano.
Todo ato de pensamento é uma manifestação do porvir, do infinito movimento ou mutação permanente que nos faz de algum modo existir contra a inércia dos fatos.

RADIOHEAD: NO SURPRISES...



Formada no ano de 1988, em Oxford, por Thom Yorke (vocais, guitarra, piano), Jonny Greenwood (guitarra), Ed O'Brien (guitarra), Colin Greenwood (baixo, sintetizador) e Phil Selway (bateria, percussão), o Radiohead tornou-se uma das mais originais bandas inglesas de rock alternativo.
OK Computer, seu terceiro álbum, lançado em 1997, uma alegoria cinzenta para o mundo moderno, pode ser considerado um dos grandes ícones dos anos 90 do século passado. Considero uma das canções deste álbum, NO SURPRISES, singularmente interessante, uma espécie de anti utopia pós moderna que nos faz pensar sobre a condição do individuo singular envolto em um mundo de incertezas e ausências de significados...

SURPRISES
Compositor: Tom Yorke
A heart that's full up like a landfill

A job that slowly kills you

Bruises that won't heal

You look so tired and unhappy

Bring down the government

They don't, they don't speak for us

I'll take a quiet life

A handshake of carbon monoxide


No alarms and no surprises

No alarms and no surprises

No alarms and no surprises

Silent

silent


This is my final fit, my final bellyache with


No alarms and no surprises

No alarms and no surprises

No alarms and no surprises

please


Such a pretty house, such a pretty garden


No alarms and no surprises (let me out of here)

No alarms and no surprises (let me out of here)

No alarms and no surprises please (let me out of here)


Tradução:


Um coração que se encheu como um aterro
um trabalho que te mata lentamente,
feridas que não cicatrizam.

Você aparenta estar tão cansado-infeliz,


Derrube o governo,
eles não, eles não falam por nós.
Eu vou levar uma vida tranqüila,
Um aperto de mão de monóxido de carbono,


Sem nenhum susto e nenhuma surpresa,
sem sustos e sem surpresas,
sem sustos e sem surpresas.
Silêncio, silêncio.


Este é meu ajuste final
minha dor de barriga final.


Sem nenhum susto e nenhuma surpresa,
sem sustos e sem surpresas,
sem sustos e sem surpresas,

por favor.


Uma casa tão bonita
e um jardim tão bonito.


Sem nenhum susto e nenhuma surpresa,
sem sustos e sem surpresas,
sem sustos e sem surpresas

, por favor.

FANTASY

Soube o doce bailado
De uma fantasia
Sob a suave musica
De um outono em chuva.

Naquele instante
Não sofria o tempo,
Não sabia as agonias
Das rotinas e dos dias.

Abraçado a uma fantasia
Percorria jardins antigos,
Sentia o sumo
Do gosto do mundo
Saboreando a verdade viva
Da simplicidade
De todas as coisas vivas.

sábado, 9 de agosto de 2008

C G JUNG E O PROBLEMA PSICOLOGICO DA IMAGEM DO MAL



Comentei a poucos dias a obra de William Golding “O Senhor das Moscas” e me pareceu adequado agora aprofundar a imagem das dimensões sombrias da condição humana, sugeridas pela literatura do autor, através de um fragmento do ensaio Presente e Futuro de C G Jung, originalmente publicado em março de 1057 em Zurique. Se o grande tema aqui é o arquetipico da sombra, cabe lembrar que um dos desafios que conduzem a saúde psíquica e a um desenvolvimento da consciência não é a sua recusa moral, mas sua integração positiva a pluralidade de eus que nos compõe... Na reflexão de Jung, aqui exposta há ainda o espectro da então relativamente recente experiência da Segunda Guerra Mundial e das polêmicas surgidas em torno de especulações sobre sua posição frente ao nacional socialismo. O que importa, porém, é a critica do autor a idéia de que o mal corresponde a uma realidade metafísica da qual somos vitimas em lugar de algo humano, demasiadamente humano...
“Na opinião generalizada de que o homem é aquilo que sua consciência conhece de si mesmo, diz-se sub-repticiamente que o homem é inocente, o que na verdade, só acrescenta uma dose de ignorância a maldade dele presente. Não se pode negar que coisas terríveis aconteceram e ainda acontecem. Contudo, achamos que são sempre os outros, os responsáveis, e como esses acontecimentos pertencem sempre a um passado, seja mais próximo ou mais distante, eles rapidamente acabam mergulhando no mar do esquecimento, num estado de espírito completamente ausente e crônico que chamamos de “estado normal”. Na realidade, porém, nada desaparece definitivamente e nada pode ser reposto. O mal, a culpa, o medo profundo da consciência moral e as instituições sinistras estão ai para quem quiser ver. Forma homens que cometeram esses atos: eu sou um homem e, enquanto natureza humana, compartilho dessa culpa como também trago a em minha própria essência a capacidade e a tendência de fazer, a cada momento, algo semelhante. Do ponto de vista jurídico, mesmo não estando presentes no momento do ato, nós somos, enquanto seres humanos, criminosos em potencial. Na realidade só nos faltou a oportunidade adequada para nos lançarmos ao turbilhão infernal. Ninguém esta fora da negra sombra negra sombra coletiva da humanidade. Se o crime foi cometido por muitas gerações ou se é apenas hoje que se realiza, isso não altera o fato de que o crime é o sintoma de uma disposição preexistente em toda parte, de que realmente possuímos uma “imaginação para o mal”. Apenas o imbecil pode desconsiderar durante todo tempo as condições de sua própria natureza. Mas é justamente essa negligência que se revela o melhor meio para torná-lo um instrumento do mal. A inocuidade e a ingenuidade são atitudes tão inúteis quanto seria para um doente de cólera e s eus vizinhos permanecer inconscientes a respeito da natureza contagiosa da doença. Ao contrário, estas acabam levando a projeção do mal não percebido nos “outros”. Isso só fortalece enormemente a posição contrária, pois, com a projeção do mal, não percebido nos “outros”. Isso só fortalece enormemente a posição contrária, pois, com a projeção do mal, nós deslocamos o medo e a irritação que sem timos em relação ao nosso próprio mal para o opositor, aumentando ainda mais o peso da sua ameaça. Além disso, a perda da possibilidade de compreensão também nos retira a capacidade de lidarmos com o mal. Aqui nos vemos diante de um dos preconceitos básicos da tradição cristã e um grande obstáculo a nossa política. Segundo esse principio, é preciso evitar o mal a todo custo e, se possível, jamais falar dele nem mencioná-lo. O mal é também o “desfavorável”, o tabu e a instância de temor. O comportamento apotropético na relação com o mal e na forma de se lidar com ele ( mesmo que aparente) vem ao encontro da tendência característica do homem primitivo de evitar o mal, de não querer percebe-lo e de, se possível, afastá-lo para outras fronteiras, tal como o pode expiatório, no Na tigo Testamento, usado para afastar o mal para o deserto.
Se entendermos então que o mal habita a natureza humana independentemente da nossa vontade e que ele não pode ser evitado, o mal entra na cena psicológica como o lado oposto e inevitável do bem. Essa compreensão nos leva de imediato ao dualismo que, de maneira inconsciente, se encontra prefigurado na cisão política do mundo e na dissociação do homem moderno. O dualismo não advém da compreensão. Nós é que nos encontramos diante de um estado de dissociação. Todavia, seria extremamente difícil pensar que teríamos de assumir pessoalmente essa culpa. Assim, preferimos localizar o mal em alguns criminosos isolados ou em um grupo, lavando as próprias mãos e ignorando a propensão geral para o mal. A inocência, porém, a longo prazo, não será capaz de se manter porque, como nos mostra a experiência, a origem do mal está no próprio homem e não constitui um principio metafísico como supõe a visão cristã.”
( C G Jung. Presente e Futuro, in Obras Completas de C G Jung. Vol. X/1/ tradução: Márcia de Sá Cavalcante. Petrópolis: Vozes, 2ºed. 1989, p.44)

POEMA DO NADA

Nada que somos
E vivemos
É límpido e claro
Como uma certeza
Ingênua de pensamento.

Nada é pré desterminado,
Atávico,
Em nossas vidas
Explodindo no correr do tempo.

Nada é tudo que importa,
Nada é definitivo,
Como um grito perdido
Em uma paisagem morta...

A liberdade é um nada
Que nos faz buscar o impossível
E construir o possível
De nossas possibilidades
Entre casas e jardins
Fora do mundo.