terça-feira, 1 de julho de 2008

ROTINA


Não sei se queria da vida
Uma outra face de existência
Ou apenas descobrir em meu rosto
As possibilidades perdidas
De algum eu esquecido.
Melhor ocupar-me somente
Do previsível,
Do labor de semana
Que se impõe como fatalidade
No acontecer de um quase destino.
Pois minhas noites estão guardadas
Em algum canto sujo de tempo
Aguardando um dia perdido
Do calendário.

SEGUNDA FEIRA

Provo o sereno afago
De um sol morno e radiante
A banhar as pequenas rotinas
E cansaços de uma comum
Segunda feira.
Nada me diz meus futuros adiados
Ou passados perdidos
No desencontro dos atos vazios
De mero cotidiano.
Mas há preguiças em meus pensamentos
E uma vontade discreta
De saber urgentemente
Sobre qualquer outro dia...

sábado, 28 de junho de 2008

LEGADOS E PERMANENÇAS DO IMAGINARIO CELTICO



Em seu competente estudo sobre o druidismo e a cultura celta, W. Rutherford apresenta uma peculiaridade digna de nota: busca identificar as permanências e legados desta cultura no imaginário moderno, nos oferecendo elementos interessantes para a reflexão em torno de sua expressiva marca sobre o imaginário e a cultura ocidental. É neste sentido que julgo pertinente a reprodução aqui de um significativo fragmento de sua obra:

"Em determinado nível, as lendas devem ser tomadas como a sobrevivência de um aspecto do druidismo. Os druidas eram os guardiões da mitologia. As velhas divindades pagãs estão presentes até em versões tão modernas como a de Malory. O que é surpreendente é a facilidade com a qual elas conseguem subsistir com o cristianismo, mesmo da forma como era aceito e praticado no final da Idade Média. A resposta, na verdade, é que o cristianismo céltico era um tipo muito especial, pelo menos aproximado ao tipo original.
Sem duvida alguma, a Igreja céltica era muito diferente das demais. Talvez por ser mais fundamentalista e austero, sempre mais perto do povo e de suas necessidades, o clero se constituía de homens estudiosos e caridosos. E mesmo aqui, em uma religião tradicionalmente antifeminista; havia maior igualdade para as mulheres do que em outras partes. Uma carta ainda existente, datada do séc. VI, e que foi mandada a dois sacerdotes bretões chamados Locvocat e Catihern, adverte-os no sentido de pararem de celebrar a missa com a ajuda de mulheres. Essas mulheres sacerdotisas, chamadas conhospitae, serviam o vinho enquanto os homens sacerdotes distribuíam o pão da eucaristia. Só quando o cristianismo se tornou uma religião estatal, sob o comando de Constantino, passando a ser forçada ao resto do mundo ocidental com essa forma por Carlos Magno, foi que a figura do sacerdote sofreu completa modificação, tornando-se um servidor do estado secular- a propósito, uma situação desconhecida dos celtas, mesmo nos tempos pagãos. No que dizia respeito ao povo, esta imagem trouxe consigo aquele pluralismo por meio do qual os membros do corpo eclesiástico chegaram a possuir títulos de nobreza e até propriedades feudais.
É interessante observar que os celtas estiveram entre aqueles que primeiro aceitaram a Reforma, e foi no País de Gales, na Escócia, na Irlanda do Norte, na Ilha de Man e nas Ilhas do Canal que ela foi mais profunda.
Teria isso acontecido, pelo menos em parte, por causa de algum efeito residual das idéias druidicas sobre os celtas? Não existem duvidas de que as seitas protestantes mais fundamentalistas poderiam ser descritas como cultos de possessão e, de fato, sentir-se-iam orgulhosas por esta descrição. Nas cartas que mandou depois de uma visita à Ilha de Man, John Wesley é pródigo em elogios pelo zelo religioso de seu povo. Em Jersey, onde os sacerdotes huguenotes já eram nomeados para a reitoria de St. Helier desde meados do século XV e continuariam a exercer este cargo mesmo durante a Contra Reforma Mariana, ele encontrou tantos seguidores que logo teve de nomear um sacerdote que falava francês para pastorear o seu rebanho. Este aspecto xamanista deve ter sido notado de maneira especial nos primeiros tempos quando, proibidos de usar edifícios permanentes, eles realizaram suas reuniões a céu aberto, geralmente em lugares remotos onde estavam livres de perseguição.
E, por acaso não existe uma nota fatalista no druidismo, que poderíamos até chamar de calvinista? Ela por certo esta presente nas lendas de Cão Chulainn. John Steinbeck, que morreu no momento em que trabalhava em uma versão da Morte d’ Arthur para os leitores modernos, observa algo parecido ao espírito grego nas páginas desse livro. Quando Arthur sugere a Merlin que o conhecimento do futuro deve permitir ao homem tomar medidas evasivas, o velho mago usa seu próprio caso como exemplo. Apesar de saber muito bem a maneira como vai encontrar sua morte, também sabe que, quando o momento chegar, ele não terá condição de resistir a ela- como fica provado depois.
Se olharmos para o advento do protestantismo, vendo-o como uma das grandes linhas divisórias nas lutas pela liberdade, travadas pelo espírito humano, teremos que reconhecer que pelo menos algumas de suas raízes foram implantadas pelo druidismo. Colocando isso sobre o prato da balança, ao lado dos efeitos que a mitologia, conforme expresssa nas lendas de Arthur, exerce sobre a nossa civilização, teremos de reconhecer a enorme divida que temos para com o passado celta.
É claro que esses efeitos persistem. Uma prova disso está não apenas em sua permanente popularidade- é difícil passar um ano sem que eles reapareçam, de uma forma ou de outra, e nem sempre em “histórias infantis”- mas também na relevância dada a eles pelas sucessivas gerações, cuja maneira de vida é tão diferente daquela que impera nos tempos em que elas vêm a existência. Basta que lembremos-nos de que a Morte d’Arthur foi um dos primeiros livros saídos dos prelos de Caxton.
Quando procurava por um nome para aquela experiência pela qual, segundo seu modo de ver, cada criança do sexo masculino passava, Freud se lembrou do drama Édipo, de Sófocles. Hoje, todos reconhecemos que o profundo efeito exercido em nós pela obra resulta, em grande parte, de sua capacidade de tocar forças que se encontram no fundo de nosso inconsciente. Não podemos evitar a impressão de que existe algo parecido nas lendas arturianas, e de resto em todos os mitos célticos, apesar das distorções com as quais chegaram até nós.
É como se os druidas tocassem determinadas cordas na mente humana, cuja ressonância persiste. Nada exemplifica isso melhor do que as inúmeras histórias nas quais a potência sexual de um homem idoso é ameaçada quando um rapaz começa a cortejar sua filha ou enteada. Como é sabido, os pais de filhas nestas condições, em geral, enfrentam crises psicológicas em momentos assim.
Outro interessante insight céltico é dado por Eliade, em sua obra Imagens e Símbolos. O rei- Pescador cai doente e, à maneira típica dos celtas, sua enfermidade afeta todo o ambiente. As torres desmoronam, os jardins secam, os animais deixam de reproduzir, as águas das fontes deixa de correr e os frutos desaparecem das árvores. Todos os meios conhecidos são usados na tentativa de cura-lo. Mas tudo malogra, até que um jovem cavaleiro chamado Percival ( provavelmente o Peredur das antigas lendas do Pais de Gales) surge de repente entre os cortesões. Ele faz uma pergunta: “Onde esta a taça?” E a pergunta já é o bastante: o rei se levanta de sua cama, permitindo o reavivamento de todo o mundo que o circunda.
Segundo Eliade, “o mundo perece por causa da... indiferença metafísica”. A simples colocação da pergunta é o bastante para mostrar que a indiferença desapareceu.
E esta mesma noção é profundamente inerente às idéias druidicas. Conforme César nos diz, eles gostavam de se entregar à especulação metafísica. Assim, nós encontramos os cavaleiros de Arthur em aventuras nas quais correm perigo de morte, em expedições cujos objetivos declarados são sempre muito diferentes dos verdadeiros. Podemos fazer a pergunta, como é destino dos homens- onde esta a Taça. Mas a resposta ainda não é conhecida. Ou, quando menos, cada ser humano tem a escolha que lhe permite ignorá-la, colocando-se como um moribundo, a exemplo do Rei-Pescador, ou então sair à procura de sua resposta ou, mais provavelmente, apenas de alguma pista a respeito.”


(Ward Rutherford. Os Druidas. Tradução de Jose Antônio Ceschin. SP: Editora Mercuryo, 1994, p.180-182)

WAKING



No primeiro momento do despertar
Não lembro quem sou
Nem sei da vida que levo.
Mínima amnésia
Que quase passa despercebida
No espaço de um instante.
Pois logo visto meu rosto,
Acorda a consciência...
Deixando-me apenas
O abstrato e saudoso gosto
Do vazio do sono
E dos hábitos de sonhos
E outros mundos jamais pensados.

...AND A FLOWER IT TAKES A SUMMER

Invade-me a vontade inútil
De perpetuar o agradável
De um mero instante,
Como se toda a vida
Ganhasse pleno sentido
Na migalha
De uma gota de tempo.
Futuro algum faz sentido
Quando nos guardamos
No aconchego de algum agora,
Quando vislumbramos
A vida inteira plena e estática
Na alma de um perene momento
Em que o mundo quase não existe
Lá fora.
Somos contra o saber do tempo
Como flores
Que ignoram o jardim.

REENCONTRO INTIMO

Em alguma parte do horizonte
Espero encontrar a sombra
Dos meus eus perdidos,
Recuperar sonhos, gostos
E ilusões
Que sustentavam a emoção
De um sorriso.
Sei que em algum lugar de mim,
Fantasmagoricamente futuro,
Aguardam-me com um abraço
Meus rostos passados,
Todas as perdas sofridas
Ao longo da vida.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

TEOGONIA II



De um modo geral, na mitologia das origens surgida na Grécia arcaica, Eros apresenta-se como o grande principio motor e ordenador do cosmos, uma força que impele e que move. Na Teogonia de Hesíodo, podemos observa-lo como um impulso vital, uma espécie de “principio de ligação” capaz de imobilizar e despir de sua divindade o próprio Zeus levando-o a assumir a forma de animais como o cisne ( para seduzir Leda) ou de um touro ( rapto de Europa).
Segundo Diotima de Mantineia no Banquete de Platão, Eros não é propriamente um deus, mas um poderoso daimon, um gênio mediador entre a realidade dos deuses e dos mortais.
Essa imagem arcaica de Eros me parece ter inspirado Jung na definição do binário Anima/Animus, uma vez que é justamente como “principio de ligação” que o feminino é definido por ele enquanto grandeza psíquica. Em contrapartida, o principio masculino, identificado a Logos, parece remeter ao advento da Filosofia e a transcendência do mito.

DRUIDA


À sombra do velho carvalho
Aprendo as palavras do vento,
Descubro o profundo do verde
Que se espalha
Em todas as ditreções
Do dizer da terra.
Leio o céu de hoje
E do ontem
Vagando nas brumas
De algum perdido futuro.
Sou apenas um grão de pólen
Percorrendo vazios
E existências
Na suave canção eterna
Da natureza mãe.
No mais profundo dos ermos
Vislumbro mil liberdades.

TEOGONIA I



Originalmente composta na Grécia dos secs. VIII ou VII a C., a Teogonia de Hesíodo nos conduz a experiência viva da cultura arcaica grega, ou seja, anterior ao advento da polis, do alfabeto e da difusão da moeda. Produto, portanto, de uma tradição oral, os cantos de Hesíodo revelam todo o poder e riqueza simbólica da palavra ainda livre das amarras de um código lingüístico abstrato-conceitual. Predomina neste precioso texto a imagética, o mito e o símbolo personificados pela palavra cantada, receptáculo por excelência da anto-poetica do sagrado.
O nascimento dos deuses e do mundo dar-se a partir da coincidentia oppositorum, da integração dos opostos e do constante jogo dos contrários articulados por uma quaternidade primária em profunda enandiotromia: Eros, Khaos, Terra e Tártaro.
Tal quaternidade é o principio de toda descendência sagrada, do jogo mágico de uniões ( Eros) e dissociações ( Khaos) através do qual nascem as sucessivas gerações de deuses e o próprio cosmos.

domingo, 22 de junho de 2008

NEMETON


Para o homem ocidental deste inicio de milênio, condicionado aos padrões de uma cultura urbana e industrial, a imagem arcaica representada pela antiga cultura celta, que tantas marcas deixou no imaginário europeu ocidental, pode despertar um certo sentimento de evasão e encanto por sua enganosa simplicidade e surpreendente complexidade de significados e conteúdos.
Um dos exemplos disso, certamente não o mais significativo, é a geografia do sagrado personificada em bosques e florestas que traduziam a experiência de uma natureza encantada, de uma materialidade mágica povoada de “poderes” e grandezas” passiveis de interações com a dimensão propriamente humana da existência.
A imagem do “bosque encantado” como personificação do sagrado involuntariamente se contrapõe as diversas imagens de templos e monumentos erguidos pelas mais diversas civilizações urbanas, onde a experiência do irracional é domesticada por abstrações racionais e anti-naturais do sagrado...
Recorro aqui a um antigo trabalho do pesquisador britânico T. G. E. Powell para fornecer um resumido quadro sobre o tema do nemeton:

“... Passemos agora aos recintos de árvores sagradas, imagens e outros objetos de veneração. Com excepção de santuários, como o de Roquepertuse e Entremont, situados numa área particularmente aberta às aquisições de tipo mais refinado, os lugares santos dos Celtas, anteriores ou exteriores ao Império Romano, parecem ter sido do tipo mais singelo.
Uma forma muito generalizada parece ter sido a do bosque sagrado, ou extensão de terreno em que cresciam tufos de árvores. Parece ser esta a implicação geral do vocábulo nemeton, que está amplamente distribuído em topônimos por todas as terras onde passaram os celtas. Alguns exemplos são Drunemeton, o santuário e centro de reunião dos Gálatas da Ásia Menor, Nemetobriga, na Galiza espanhola, Nemetodurum, de que derivou o nome moderno de Nanterre. Na Grã Bretanha havia um lugar Veneraton, e no sul da Escócia um Medionemeton. Na Ilanda, fidnemed queria dizer um bosque sagrado, mas uma glosa latina para nemed dá sacellum, que indica um pequeno santuário ou recinto. Determinado glosário do século VIII contem uma palavra plural ( nimidas) evidentemente derivada de nemeton, e define-a em termos dos lugares sagrados dos bosques, e o cartulário do século XI da abadia de Quimperlé faz referência a um bosque chamado Nemet, mostrando assim a continuidade da tradição celta na Bretanha. Há, igualmente, as referências de autores clássicos aos bosques em que os druidas executavam os seus ritos e sacrifícios, mas a palavra cética em questão não é referida nessas passagens.
(...)
Parece, na verdade, que nemeton pode ter chegado a ter vastíssimas aplicações, e duas categorias há de locais, alem dos bosques, que assim podem ter sido designados. Na primeira contam-se aqueles em que tinham lugar as concentrações anuais do tuath, ou tribo. O centro de Drunemeton, na Gália, e as varias sedes reais da Irlanda, Emain Macha, Tara, Cruachain e outras são possíveis exemplos. Estes ajuntamentos populacionais não poderiam realizar-se convenientemente numa mata, porque corridas, jogos e reuniões públicas de vários gêneros constituíam elementos essenciais desses festivais. Na Irlanda verifica-se que os lugares tradicionais são de fato mais notáveis pelos seus monumentos funerários do que pelos sinais de habitação ou defesa, e na literatura são as elevações funerárias que são recordadas e apresentadas como razão de celebração naquele local.
Na segunda, porem, nemeton parece ter- se aplicado a santuários menores, ou locais, a julgar pela equiparação do termo sacellum, e a uma inscrição dos tempos romanos em Vaiso, Vaucluse, para comemorar o estabelecimento de um nemeton em honra de Belesama. Deve referir-se, certamente, a qualquer espécie de estrutura.”

(T G E Powel. Os Celtas. Portugal: Editora Verbo, 196 ( Coleção Historia Mundi , p. 144 et seq.),