sábado, 24 de maio de 2008

1968: 40 ANOS DEPOIS I



“Em 1968, os Beatles estavam na Índia. A América estava embrulhada em um cobertor de fúria. A guerra do Vietnã estava metendo o país em uma depressão profunda. As cidades estavam em chamas, os cassetetes estavam descendo. Os caras do sindicato da construção civil surravam garotos com bastões de beisebol. Um misterioso homem da medicina do México, o fictício Don Juan, era o novo modismo de consciência, havia trazido um novo nível de percepção ou força vital e o brandia como um machete. Os testes de ácido estavam a todo vapor. A nova visão de mundo estava mudando a sociedade, e tudo estava se movendo rápido – em ritmo acelerado. Estroboscópios, luz negra – maluquetes, a onda do futuro. Estudantes tentando apoderar-se das universidades nacionais, ativistas anti-guerra forçando barganhas amargas. Maoístas, marxistas, castristas – garotos de esquerda que leram os manuais de instruções de Che Guevara estavam lá fora para derrubar a economia. Kerouac havia se aposentado, a grande imprensa estava incitando coisas, atiçando as chamas da histeria. Se você visse as notícias, pensaria que a nação inteira estava em fogo. As coisas que costumavam ser no tradicional preto e branco agora explodiam em cores plenas, luminosas.”


Crônicas – Volume 1, de Bob Dylan.

PASSEIO ETÍLICO

Sombras passam
Pela rua
No anonimato
De cada pessoa.

Sou prisioneiro feliz
De mim mesmo
Na companhia das estrelas
Cujo brilho cria caminhos
No escuro céu e na alma.

Errante e noturno
Desmancho espaços
Na aventura de cada copo
De cerveja barata.

Avanço pelo mágico sentido
Revelado em embriaguez
Ou presença
De um deus antigo.

Cada corpo de palavra
Apaga o tempo,
Lugares e pessoas,
Até fazer de cada passo
Uma aventura de sonho
E sereno delírio

D H LAWRENCE: POESIA



D H Lawrence é mais conhecido pela sua obra em prosa, como bem exemplifica a popularidade, que goza até os dias de hoje, seu polêmico romance O Amante de Lady Chatterley . Mas não conheceríamos profundamente seu gênio criativo sem um contato, mesmo que superficial, com sua obra poética que, contrariando o desdenho do próprio autor por ela, constitui uma das mais belas páginas da moderna literatura britânica.
Se seus poemas de mocidade ainda encontram-se relativamente presos a métrica e a tradição formal, a fase iniciada pela coletânea Birds, Beasts and Flowers (1923), quando o autor já havia trocado a Inglaterra pelo Novo México, representa a sua maturidade como poeta através de uma linguagem ao mesmo tempo coloquial e profunda, flexível e fluida, alicerçada no verso livre, no ritmo e musicalidade das palavras, de uma forma absolutamente peculiar.
Quanto às imagens da poesia de Lawrence, ela transita desoncertadamente pela experiência do imediato e banal da existência humana e os mais profundos e metafísicos abismos da contemplação do mundo e da natureza física. Também não se deve ignorar a constante referência a morte, muito embora, mesmo ao abordá-la, o poeta revela intensamente seu interesse pela vida e sua celebração em um perfeito paradoxo onde finitude e eternidade entrelaçam-se em sua religiosidade.


PHOENIX


Are you willing to be sponged out, erased,cancelled,
made nothing?
Are you willing to be made nothing?
Dipped into oblivion?


If not, you will never really change.


The phoenix renews her youth
Only when she is burnt, burnt alive, burnt down
To hot and flocculent ash.


Then the small stirring of a new small bub in the nest
With strands of down like floating ash
Shows that she is renewing her youth like the eagle
Imortal bird.


Tradução de Aila de Oliveira Gomes:


A FENIX


Você está querendo ser extinto, apagado, excluído,
Feito nada?
Você esta querendo ser feito nada?
Mergulhado em oblivio?


Se não quer, você nunca mudará de verdade?


A fênix renova sua juventude
Somente quando é queimada viva, queimada até ser
Feita


Em flóculos de cálida cinza.

Então o leve agitar-se , no ninho, de um mínimo rebento
Recoberto de fina penugem, como cinza flutuando,
Revela que a fênix começa a renovar a sua juventude, como
A águia-
Pássaro imortal.


COMING AWAKE


When I woke, the lake-lights were quivering on the wall,
The sunshine swam in a shoal across and across,
And a hairy, big bee hung over the prímulas
In the window, his body black fur, and the sound of him cross.


There was something I ought to remember; and yet
I did not remember. Why should I ? The running lights
And the airy prímulas, oblivious
Of the impeding bee- they were fair enough sights.


Tradução de Aila de Oliveira Gomes:


DESPERTANDO


Quando acordei as luzes do lago tremiam na parede,
A luz do sol, num cardume, nadava de lado a lado,
E uma abelha graúda se pendurava em umas prímulas
Na janela, o corpo negro, peludo, e um zumbido zangado.


Eu tinha de lembrar-me de uma coisa, eu tinha, contudo
Não lembrava; mas para que? As luzes que deslizavam
E as prímulas aéreas, deslumbradas
Da ameaça da abelha, eram belezas que me bastavam.

UFOS E GRÃ BRETÂNHA



Recentemente o governo britânico começou a disponibilizar no seguinte site: ufos.nationalarchives.gov.uk informações curiosas sobre a ocorrência de aparições de UFOs na Grã Bretanha ao longo da segunda metade do último século. Por enquanto o arquivo de relatos e ocorrências compreende apenas o período de 1967 à 2002. 90% dos casos são descartados como equivocados e, quanto ao restante, há inúmeras duvidas até o presente quanto à inautênticidade. De um modo ou de outro, o acesso a tais arquivos nos permite alguma noção sobre a extensão e repercussão significativa dos boatos envolvendo OVNs na Grã Bretanha. Mais do que isso, nos permite traçar padrões e atribuir significações as representações coletivas e simbólicas expressas em tais relatos. Muito apropriadamente reproduzo aqui integralmente o prefácio elaborado por Jung para a primeira edição inglesa de seus ensaios sobre ÓVNs como uma pequena contribuição a fenomenologia destes boatos:


“ O boato mundial sobre os “discos voadores” coloca um problema que desafia o psicólogo por uma série de motivos. A primeira pergunta- e esta é obviamente a questão mais importante- é a seguinte: eles são reais ou simples produtos da fantasia? Esta questão não foi resolvida ainda, de forma alguma. Se não são reais, o que são, então? Se são fantasias, por que deveria existir, então, um boato desses?
Neste contexto, fiz uma descoberta muito interessante e inesperada. Em 1954, escrevi um artigo no jornal semanal suiço Die Weltwoche, em que me expressei de forma cética, apesar de mencionar, com o devido respeito, a opinião de um numero bastante grande de especialistas da Aeronáutica, que acreditam na realidade de ÓVNIS ( Objetos Voadores Não Identificados). Em 1958, esta entrevista foi descoberta, de repente, pela imprensa mundial, e a “novidade” espalhou-se com a rapidez de um raio, desde o Extremo Ocidente até o Extremo Oriente, mas- lamentavelmente- de forma dertupada. Fui citado como alguém que acreditava em ÓVNIS. Entreguei à United Press uma retificação, com a versão autêntica da minha opinião, mas, desta vez, a notícia ficou engavetada: ninguém, quanto eu sabia, tomou conhecimento disso, com exceção de um único jornal alemão.
A moral desta história é bastante interessante. Já que o comportamento da imprensa é uma espécie de teste de Gallup, em relação à opinião mundial, temos que concluir que notícias que afirmam a existência de OVINs são bem vindas, enquanto que o ceticismo parece ser indesejado. A opinião pública concorda que se acredite que os OVINs sejam, reais, enquanto a descrença deve ser desencorajada. Isto deixa a impressão de que, no mundo inteiro, há uma tendência em se acreditar nos OVINs, como também o desejo de que eles sejam reais, as duas coisas apoiadas por uma imprensa que, não demonstra nenhuma simpatia pelo fenômeno.
Apenas este fato curioso já merece, em si, o interesse do psicólogo. Por que deveria ser mais desejável que existam discos voadores do que o contrário? As páginas que se seguem são uma tentativa de responder a esta pergunta. Livrei o texto de notas complicadas de rodapé, com exceção de algumas poucas, que dão ao leitor interessado as indicações necessárias.”


Setembro de 1958


C. G. Jung


( C.G.Jung. Um Mito Moderno: Sobre coisas vistas no céu. Obras Completas, vol.X/4, Petrópolis: Vozes,1988, p.116 e 117 )

SEA

Nos segredos dos ermos recantos
De águas abertas
Passeiam pensamentos
Sem linguagem
Nos marinhos desertos
Da natureza;

Brumas antigas envolvem
Certezas,
Enquanto o mundo escapa
Na delicadeza mágica das águas
Mais fundas que o esquecido do tempo.

Tudo que existe
Guarda no abismo de si
Um pouco de oceano,
Do mar que se escreve
Na alma nua
à vagar pelo mundo
Em desejo aberto.

This sea will never die...
Pois eterno é o sentimento
E a busca
De si mesmo
Pelos caminhos azuis
De mares e liberdades
Despertas em ventos
E almas dispersas.
.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

C G JUNG E MITOLOGIA CONTEMPORÂNEA: O BOATO SOBRE OVNs


Em fins dos anos 50 do último século C. G. Jung produziu uma pesquisa pioneira sobre as sistemáticas aparições de OVNs que na época provocavam o imaginário coletivo mundial e povoavam não apenas a tela de cinema e romances, como também as páginas de periódicos e tablóides sérios de vários paises.
O interesse de Jung pelos boatos de discos voadores não pressupunha qualquer discussão sobre a veracidade de suas aparições ou a probabilidade da existência de vida extra terrestre, embora a existência da hipótese, por si só, já seja muito significativa e impactante sobre as nossas convenções e referências culturais. Sua pesquisa circunscreveu-se sobre o significado simbólico, ou psicológico, de sua ocorrência justamente em um mundo culturalmente dissociado e sob o fantasma de uma ecatombe nuclear, tal como apresentou-se no pós II grande guerra, ou, mais precisamente na perversa lógica dualista/ideológica representada pela cultura política inaugurada pela guerra fria.
Neste irracional e absurdo contexto planetário, os OVNs, não só pelo seu formado geralmente redondo ou fálico, parecem de fato associarem-se a uma projeção do self, ou da totalidade psíquica, e uma imagem compensatória para tensão estabelecida pela concreta ameaça de uma III guerra mundial, espectro sombrio que marcou decisivamente a segunda metade do séc. XX.
Mas não é exatamente isso que quero discutir aqui. O que me interessa é justamente o gigantesco “poder” deste boato na época a ponto de despertar algum nível de comoção ou perplexidade mesmo entre os mais céticos.
O que posso provisoriamente deduzir disso é que a ocorrência dos OVINs, enquanto objetos de projeções psíquicas, é um exemplo claro de mitologia moderna. Isso faz da linguagem e expressão mitológica, algo mais do que um fenômeno inerente a civilizações arcaicas, mas uma força viva no imaginário contemporâneo que, de outras maneiras, ainda constrói suas mitologias apesar de toda herança ilustrada. Nosso cérebro, afinal, não funciona de modo tão diferente daquele do homem arcaico, por mais que culturalmente tenhamos a pretensão de nos distanciarmos deles.
Mas, voltando a pesquisa de Jung, creio que o fragmento abaixo de um dos ensaios reunidos no volume X/4 ( Um mito Moderno: Sobre coisas vistas no céu) de suas obras completas, bem esclarece seu posicionamento sobre o assunto:

“As projeções têm um alcance que varia de acordo com a sua procedência: se apenas pessoais e íntimas, ou mais profundamente coletivas. Repressões e outros fatores inconscientes de caráter pessoal revelam-se no nosso meio mais próximo, no âmbito de nossa família e dos amigos. Os conteúdos coletivos, como por exemplo conflitos religiosos, filosóficos e políticos-sociais, selecionam os respectivos portadores de projeções, como os maçons, jesuítas, judeus, capitalistas, bolshevistas, imperialistas, etc. Na atual situação de ameaça no mundo, em que se começa a perceber que tudo pode estar em jogo,a fantasia produtora de projeções amplia seu espaço para além do âmbito das organizações e potências terrestres, para o céu, isto é, para o espaço cósmico dos astros, onde outrora os senhores do destino, os deuses, tinham sua sede nos planetas. Nosso mundo terrestre está dividido em duas partes e não pode ver de onde poderiam vir decisões e ajuda. Até mesmo pessoas que ainda há trinta anos jamais teriam pensado que um problema religioso poderia vir a se tornar um assunto sério, a atingi-los pessoalmente, começaram a levantar questões básicas. Nestas circunstâncias, não seria nenhum milagre que aquelas partes da população que nada questionam fossem assoladas por “aparições”, ou seja, por um mito propagado por toda a aparte, em que muitos seriamente acreditavam e que outros rejeitam como ridículo. Testemunhas oculares de notória honestidade e livres de qualquer suspeita anunciam os “sinais do céu” que viram “com seus próprios olhos”, e afirmam ter vivenciado fatos milagrosos que estão além da compreensão humana.”


(C.G Jung. Um Mito Moderno: Sobre coisas Vistas no Céu. Obras Completas. vol. X/4. Petropolis: Vozes, 1998, p.7)

OBLIVION

Ela percorre muda
Os antigos labirintos
De dias perdidos.
Não se esconde
Em um nome
E não revela origem.
Ela é apenas a senhora
Dos sonhos distantes,
Dos ocasos, noites
E mortes...
She is seeking her oblivion...

terça-feira, 20 de maio de 2008

SUSTO ONTOLOGICO

O dia termina lá fora
E algo impreciso
Tem inicio aqui dentro;

Um embaralhamento
Dos sentidos e afetos
Na imprecisão fria
De todos os sentimentos.

Talvez seja um medo
Ou um assombro
De saber o existir
E a perenidade de tudo
A sombra das eternidades.

SLEEPING

Apago um pouco o mundo
Bocejando o dia
No ato vago
De esquecer-me provisoriamente.

Vivo intensamente
O belo do outono
At peace,
In peace...
É quase inverno,
É quase silêncio,
E uma noite imensa
E fria
Desaba sobre tudo
Que sou e fui
impunimente.

domingo, 18 de maio de 2008

LITERATURA INGLESA XXIX


“We are the fools of time and terror


Lord Byron in Mnafred

Salman Rushdie (1947- ) é sem sombra de duvida um dos mais representativos autores contemporâneos da literatura inglesa. Nascido no seio de uma prospera família mulçumana em Bombaim, tornou-se súdito britânico após alguns anos de estudos na Inglaterra. Inicio a carreira de escritor em 1981 com a publicação do seu aclamado romance intitulado Os filhos da Meia Noite. Seu prestigio cresceu significativamente, entretanto, com a publicação de seu bombasticamente polêmico Versos Satânicos em 1988. Alem de reconhecimento e prêmios a obra lhe valeu uma sentença de morte promulgada pelo então aiatolá Khomeini, uma das mais bizarras personalidades publicas e globais do ultimo século. Cabe registrar, entretanto, que sua suposta ofensa ao islamismo é absolutamente fantasiosa e só se justifica pela miopia e irracionalidade do fundamentalismo islâmico.
O Ultimo suspiro do Mouro (1995), seu primeiro romance após a sentença de morte que lhe obriga até hoje a viver escondido e sobre proteção policial, nos apresenta um universo hibrido e plural onde a pluralidade e a diversidade apresenta-se como um traço essencial a nossas sensibilidades contemporâneas e uma alternativa fecunda aos fundamentalismos étnicos e políticos que ainda nos assombram no limiar deste novo milênio, apesar dos deslocamentos idenditários impostos pelo dinamismo vivo das gobalizações.
Surpreendentemente, a citada obra não possui qualquer referência direta ao absurdo episódio da condenação arbitraria do autor. Ela nos oferece apenas uma leitura saborosa, recheada de certo humor, perplexidade, crueldade, sofrimento, irracionalismos e todos os altos e baixos que compõe a aventura da vida humana sobre a terra.
Quanto ao apelo à pluralidade e ao hibridismo ou indeterminação identidária atualmente em pauta na experiência cultural ocidental, basta dizer que o herói narrador da narrativa é o filho de um judeu de ascendência espanhola e nome árabe com uma católica de ascendência portuguesa em uma India dividida pelo conflito entre hindus e mulçumanos.
Deixo aqui um significativo fragmento do comentado romance como uma insuficiente amostra do talento e da contemporaneidade da literatura de Rushdie que, através de seus romances, ainda é capaz de dizer o horror do mundo na peculiar lucidez de seu olhar literário.

“... Mas, pensando bem, não é necessário por a culpa em ancestrais e amantes. Minha carreira de espancador- minha fase martelo- foi fruto de um capricho da natureza, que me deu um punho direito tão poderoso, ainda que inútil para outros fins. Até então eu jamais matara ninguém; mas isso era mais uma questão de sorte, tendo em vista alguma surras violentíssimas e prolongadas que eu administrara. Se, no caso de Raman Keats, atribui-me as funções de juiz, júri e verdugo, o fiz em conformidade com minha própria natureza.
A civilização é um truque de prestidigitação que oculta de nós mesmos nossa verdadeira natureza. Minha mão, prezado leitor, não tinha dígitos capazes de executar um presto; mas ela entendia do assunto.
Assim, a sede de sangue estava no meu sangue, e nos meus ossos também. Uma tomada a decisão, jamais exitei; resolvi que me vingaria, ou então morreria tentando me vingar. Eu vinha pensando muito na morte. Agora encontrara uma maneira de dar sentido a uma morte inexpressiva. Dei-me conta, com uma espécie de surpresa abstrata, de que estava disposto a morrer, desde que o cadáver de Raman Keats estivesse junto ao meu. Ou seja: também eu me transformara num assassino fanático. ( Ou num vingador coberto de razão; escolha o que preferir.)
Violência é violência, assassinato é assassinato, um mal não justifica outro: eu tinha plena consciência dessas verdades. E também desta: quando descemos ao nível do adversário, perdemos nossa superioridade moral. Nos dias que se seguiram à destruição de Babri Masjid, “mulçumanos indignados”/ “assassinos fanáticos” ( mais uma vez, risque a opção que menos lhe agradar) destruíram templos hinduístas e mataram hindus, na Índia e no Paquistão também. Nesses surtos de violência coletiva chegamos a um ponto em que se torna irrelevante perguntar: “Quem foi que começou?” As conjugações múltiplas da morte se divorciam de qualquer possibilidade de justificação, muito menos de justiça. Hindus e mulçumanos irrompem a nossa voltam, de um lado e do outro, com facas e pistolas, matando, queimando, saqueando e brandindo os punhos erguidos em direção ao céu esfumaçado. Como seus atos, as causas que defendem se conspurcam; ambas perdem o direito de reivindicar qualquer virtude; uma se transforma no tormento da outra.
Não me eximo desta culpa. Fui um agente da violência por muito tempo, e na noite do dia em que Raman Keats insultou minha mãe na televisão dei fim a sua vida maldita por meio de um ato brutal. E, ao matá-lo, fiz com que minha própria existência fosse amaldiçoada.”


(SALMAN RUSHDIE. O ULTIMO SUSPIRO DO MOURO/ TRADUÇÃO DE PAULO HENRIQUE BRITTO. SP: COMPANHIA DAS LETRAS, 1996, P. 381 E 382)