sexta-feira, 4 de abril de 2008

DELIRIO LUNAR

O pálido olho do dia
Cai sobre mim
Em serena expectativa
De céu fechado.

Caleidoscópios ensinam-me o mundo
Em noites de tempestades
De cores e movimentos

A vida me percorre
Em um tiro
De jornal aberto
Compondo fatos distantes.

Percebo-me longe
De mim mesmo
Em cada golpe de sorte
E de imaginações perdidas.

O futuro só dura um segundo
No prenuncio de um mágico
Acaso
De ato aberto de existência.

I feel a little espace out
In heat of the sun.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

O AMOR COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO


A obra do sociólogo alemão Niklas Luhmann ( 1927-1998) abrange uma considerável quantidade de temas, desde a teoria geral da sociologia, da ciência, do direito, do poder, da religião até uma sociologia da intimidade, etc. Podemos classificar sua sociologia como uma teoria dos sistemas elaborada como alternativa ao conceito tradicional de causalidade utilizado pelo funcionalismo.
Nesse sentido, seu método pressupõe a realidade social como uma pluralidade complexa, como um conjunto de interações diversas que produzem conjuntos de sistemas e sub-sistemas definidores de ethos coletivos e, ao mesmo tempo, de alternativas de tendências que configuram o horizonte de experiências que é o próprio mundo.
Mas a pesquisa que pretendo aqui enfocar, dentre as tantas realizadas pelo autor, é aquela apresentada em seu clássico estudo O AMOR COMO PAIXÃO: PARA A CODIFICAÇÃO DA INTIMIDADE, na qual Luhmann aplica com maestria o método aqui muito superficialmente apresentado.
O código do amor como paixão surge na França do séc. XVII como alternativa ao então desgastado código do amor cortes inspirado no séc. XII pela chamada matéria da Bretanha. Trata-se obviamente aqui de uma interpretação possível para origem do amor romântico que figura ainda nos dias de hoje como um código de intimidade, da descoberta do outro como objeto.
Cabe considerar que, segundo Luhmann:

“... o meio de comunicação amor não é um sentimento em si mesmo, mas um código de comunicação cujas regras determinarão a expressão, a formação, a simulação, a atribuição indevida aos outros e a negação de sentimentos, bem como a assunção das conseqüências inerentes, sempre que tiver lugar uma comunicação deste gênero. Como demonstraremos nos capítulos seguintes, já no século XVII, e apesar de todo o ênfase posto no amor como paixão, tem-se plena consciência de que se trata de um modelo de comportamento simulável e que se nos depara antes de embarcarmos na demanda do amor; modelo de comportamento que está disponível enquanto orientação e como consciência do respectivo alcance, antes de acontecer o encontro com o outro, tornando também notória a falta deste, o que por sua vez se pode transformar mesmo num destino. O amor poderá então movimentar-se em primeiro lugar e em certa medida numa zona indefinida e ser orientado para um modelo prospectivo generalizado que facilite a seleção capaz, porem, de perturbar também uma realização emocionalmente aprofundada. Trata-se de uma significação do significado, enraizada no código que proporciona a aprendizagem do amor, a interpretação dos indícios e a transmissão de pequenos sinais para exprimir grandes sentimentos; é o código que permite a experiência da diferença bem como o destaque dado à ausência de realização.”

(Niklas Luhmann. O amor como paixão. Para a codificação da intimidade. Tradução de Fernando Ribeiro. RJ/Lisboa: Editora Bertrand Brasil/ Difel, s/d, p.21)

NIILISMO

Vivo apenas
Do provisório
De cada dia,
Das incertezas futuras
E ausências presentes.

Não pretendo
Mais do que
O acaso
De construir-me
Desconstruindo caminhos,
Refazendo ventos
Na liberdade
De não seguir
Em qualquer direção
Do pensamento.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

TRANSCENDENTE FINITO


Alem dos infinitos
Com os quais brincamos
Em sonho de mundo
Tento sonhar um transcendente finito
Que me ensine a beleza serena
De um rosto que diga
Em todos os sentidos
O melhor da vida.

Sei que tudo é passageiro
E instável
Na natureza que me define
Todas as coisas.

Mas sei também
O esforço da arte,
o fazer que perdura
Na meta natureza da matéria
Que me faz vivo.

SOMBRA

Tenho medo do outro
Que dentro de mim
Existe
Transcendendo o cotidiano
Em tropeços de infinitos.

Tenho medo do impossível
Que me faz em sonho e labirinto
Um estranho para mim mesmo.

Tudo o que não sou ou queria ser
Assombra-me os pensamentos
Em noites de sonos
De quase perfeição de inércias.

Minha sombra me acompanha
No jogo de luz e treva
Que em todos os sentidos
Me faz viver.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Shakespeare, as Nornas e o Destino


Mesmo não se tratando da leitura de um especialista em cultura popular européia, a tese defendida por Michael Howard em sua obra “ A sabedoria das Runas” em torno da presença da Imagem das Nornas, as antigas deusas do destino da mitologia nórdica, no imaginário ocidental e, mais especificamente, na obra de Shakespeare, é digna de consideração apesar de alguns limites.
Segundo ele:

“Malgrado sua supreção pela Igreja, as Nornas emergiram na cultura popular, revestidas das mais estranhas formas. Aparecem como fadas madrinhas, equipadas com uma roda de tear, que se materializam por ocasião do nascimento dos infantes reais. Nos contos de fadas da “Bela Adormecida” e “ Branca de Neve e os sete anões, as Nornas tornam-se madastras perversas. Os contos de fadas que lemos hoje para nossos filhos encerram símbolos pagãos, que sobreviveram na literatura folclórica muito tempo depois de terem perdido seu significado religiosos.
O exemplo mais notável de ressurgimento das Nornas do inconsciente coletivo como imagens arquetipicas é talvez sua aparição na figura das três bruxas da peça clássica Macbeth. Shakespeare, ou quem quer que tenha escrito as peças a ele atribuídas, era muito versado no ocultismo e nas crenças populares da onglaterra elizabethana. Parece ter tido também um conhecimento considerável do paganismo clássico. Suas bruxas, em Macbeth, não invocam o demônio quando estão agachadas em torno do caldeirão na charneca açoitada pelos ventos, mas sim a deusa grega de três cabeças, Hécate. Numa época em que a imagem corrente das bruxas era a de adoradoras satânicas do demônio, essa interpretação radical delas como seguidoras da Velha Religião pagã deve ter causado alguma surpresa entre os freqüentadores de teatro que afluíam para ver a peça.
Shakespeare chama as três bruxas de Irmãs Weird. A palavra do inglês antigo” weird” deriva do radical “wyrd”. No Oxford English dictionary o termo “weird” está consignado em dois verbetes separados. O primeiro confere-lhe o significado de “fado” ou “destino”. O segundo se refere à sua conexão com o destino, mas atribui-lhe também os sentidos secundários de “sobrenatural”, “misterioso”, “estranho” ou “ incompreensível”. Essa diversidade do segundo significado vincula a palavra à velha crença pagã no poder do Destino. Ao chamar suas bruxas de Irmãs Weird, o dramaturgo elizabethano estava dizendo a quem quer que conhecesse alguma coisa sobre os mitos pré- cristãos que elas eram as Nornas sob forma humana.
Em Macbeth, as três Irmães Weird são dotadas do poder sobrenatural de predizer o futuro. É evidente, considerando suas fórmulas encantatórias e os comentários crípticos que dirigem ao nobre escorces, que eram igualmente capazes de controlar as forças do destino. Isso também estabelece uma conexão entre as bruxas e as Nornas. Não deixa de ser interessante conjeturar que a superstição teatral segundo a qual Macbeth é uma peça aziaga originou-se da antiga crença terivel do Wyrd de afetar a vida dos mortais.”

(Michael Howard. A sabedoria das runas/ tradução: Antonio Danesi. SP: Editora Pensamento, s/d, 173 et seq.)

CRONICA RELAMPAGO XXIII

Quando somos surpreendidos por algum desagradável acontecimento cotidiano, nos vemos diante de uma apreensão mais consciente e menos automática ou espontânea da fenomenologia de nosso cotidiano tempo vivido. Mas precisamente, nos damos conta da importância do intervalo temporal compreendido por um mero segundo para configuração de nossas situações biográficas.
O gesto ou ato realizado em um milésimo de segundo pode, em outras palavras, desencadear uma seqüência de acontecimentos em maior ou menor grau decisiva para nossa existência ou sentimento de existência.
Podemos lamentar para o resto da vida a irrefletida decisão ocorrida em um mínimo momento ou o acaso de estar em determinado lugar na mais inconveniente das horas, protagonizando, por exemplo, a tragicidade de um acidente.
Talvez seja possível algum controle sobre essa loteria do acaso. Mas, mesmo se possível, ele seria fatalmente provisório e incerto. E alguma medida não possuímos qualquer razoável controle sobre nossas vidas e destino. Isso não diminui em nada a importância de nossas decisões e opções subjetivas. De alguma forma, a qualidade de nossas escolhas condiciona o leque de ocorrências objetivas possíveis, o campo de eventos aleatórios pelos quais podemos ser tragados.
Em poucas palavras, o grau de consciência que adquirimos nos capacita a lidar melhor ou pior com a ilimitada complexidade da fenomenologia da existência e sua irracionalidade elementar.

segunda-feira, 31 de março de 2008

MANHÂ DE OUTONO

Uma manhã de outono
guarda o gosto de dia novo,
da vida livre
de rotinas e cansaços.
Não lhe turvam os pesos
De muito ontens.

Vislumbro em suas horas
Um amanhã provisório
E possibilidades
De mim mesmo
No feerico cenário aberto
Do tempo que passa.

Talvez algum futuro
Se faça
No meu provisório
Viver dos fatos.

quinta-feira, 27 de março de 2008

REVOLUÇÂO INGLESA E LITERATURA INGLESA



Em seu clássico sobre a revolução inglesa, O Mundo de Ponta Cabeça: Idéias Radicais durante a Revolução Inglesa de 1640, o celebre historiador britânico Christopher Hill ( 1912-2003) nos oferece uma chave de leitura interessante para a produção literária do período e, pode-se dizer, também para o seu próprio livro. Limitar-me-ei aqui a reproduzi-la:

“ Se tem algum valor a analise que esbocei neste livro, ela poderá sugerir novas abordagens de outros aspectos da literatura de finais do Seiscentos. Tanto Milton quanto Bunyan criam para os seus personagens o que chamei de uma “situação `a Robinson Crusoé”, isto é, o isolamento do herói ou heroína face aos elos sociais, como no estado de natureza hobbesiano. A dama de Comus esta perdida no bosque, Adão e Eva tomam “a sua via solitária” do Paraíso para o mundo, Cristo se defronta com Satã sozinho no deserto, Sansão nunca sentiu maior solidão do que quando se ergueu, cercado por seus inimigos, no templo de Dagon. O peregrino de Bunyan abandona mulher e filhos buscando a salvação; Robinson Crusoé tem como precursor The Isle of Pines ( A ilha dos pinheiros), de Henry Neville. A razão, consciente ou não, para se construir essa situação literária, era a vontade de libertar o indivíduo das tradições, leis e costumes herdados, e de torná-lo apto a encontrar a salvação solitário, à vista apenas de Deus. A luz dessa analise talvez possamos articular essa tendência a libertar o indivíduo das normas sociais com a recusa ranter da moralidade convencional e, ainda, com a tabula rasa de Locke. Podemos entendê-la, mesmo, como a aplicação literária da doutrina da luz interior, quintessência do individualismo radical.”

(Christopher Hill. O Mundo de Ponta Cabeça: Idéias Radicais durante a Revolução Inglesa de 1640/ tradução de Renato Janine Ribeiro. SP: Companhia das Letras, 2º reimpressão, 1987, p. 390)

MELANCOLIA

Deixo a chuva
Cair sobre mim
Como uma melancólica mensagem
De dia seguinte,
Um dizer de amanhã ausente
Que se deita na face do tempo
E prova a preguiça de todas
As eras.

Passados me abraçam
Em gritos
No distanciar-se de futuros.
Penso no vento dizendo
Blowin’ in the Wind
No movimento vivo
Que em qualquer parte
nos faz rolling Stones.