sábado, 8 de março de 2008

O FEMININO E O MISTÉRIO DA CRIAÇÃO


A imagem que mais aproxima da experiência da mulher e do feminino, enquanto configuração simbólica e realidade cultural, da vivência da mulher concreta que nos povoa o dia a dia, é sem duvida a do "milagre" da criação enquanto um atributo essencialmente feminino. È em seu corpo que acontece o segredo da vida e da morte, em que a aventura de cada um de nós pelo mundo tem inicio. Este simples fato é suficiente para justificar a aura de sacralidade e impreciso respeito que paira em torno de sua condição humana.
A mulher encontra-se de muitas formas mais próxima da vivência e ritmos da natureza fisica e psíquica m seu se fazer no mundo. Mesmo que constatemos que não existe qualquer "tipo ideal" de mulher e que o feminino, em sua esência é multiplo e mutável no devir de ciclos e renascimentos.
A ontologia da mulher é, em poucas palavras, um acontecer de fertilidade e criatividade na meta razão da mais profunda experiência e consciência do ser da própria existência.

sexta-feira, 7 de março de 2008

FEMINILIDADE E VIDA

O tecer-se
De cada mulher
Guarda telúricos mistérios
No fazer-se e refazer-se
Plural do feminino.

Nos ciclos e movimentos
Da deusa lua
A vida surge
Como espiral
Reinventando o tempo
No perfume
De um abstrato Eros.

Costuram-se
Coisas, pessoas
E tempos
No mágico exercício
Do ser da feminilidade
Em corpo e alma,
Da fertilidade em carne
E ato.

TERRA MATER


É universalmente difundido o mitologema da Terra Mater ou Tellus Mater, que origina todos os seres vivos e inanimados. Enquanto Genetrix universal , a terra seria uma entidade viva e fecunda e tudo por ela produzido seria a um só tempo orgânico e anímico. Tudo o que encerra em suas entranhas seria comparável a embriões, a seres vivos em vias de “amadurecer”, de crescer e desenvolver-se. Imagem que influência profundamente, por exemplo a simbólica da alquimia ocidental.
Na coletânea de ensaios MITOS, SONHOS E MISTÉRIOS do consagrado historiador das religiões Mircea Eliade podemos encontrar um interessantíssimo ensaio sobre o tema cujo uma passagem gostaria de reproduzir aqui:

“Que os humanos tenham sido gerados pela terra é uma crença universalmente difundida: Só precisamos de folhear alguns livros escritos sobre este assunto, por exemplo “Mutter Erde” de Dietrich, ou “ Kind und Erdre” de Nyberg. Em numerosas línguas, o homem é chamado: “nascido da terra” (Canções russas, mitos dos Lapões e dos Estónios, etc.- Dietrich, pág. 14). Acredita-se que as crianças “vêem” do fundo da Terra, das cavernas, das grutas, das fendas, mas também dos mares, das nascentes, dos ribeiros. Sob a forma de lenda, de superstição ou simplesmente de metáfora, crenças similares sobreviveram ainda na Europa. Cada região e quase cada cidade e aldeia conhece um rochedo ou uma nascente que “traz” as crianças: são Kinderbrunnen, Kinderteiche, Bubenquelen ( Diretrich op cit, págs 19 e segs., 126 e segs)
Evitemos crer que estas superstições e estas metáforas são só explicações para crianças. A realidade é mais complexa. Até entre os Europeus dos nossos dias sobrevive o sentimento obscuro de uma solidariedade mística com a Terra natal. Não se trata de um sentimento profano de amor pela pátria ou pela província natal; não é a admiração pela paisagem familiar ou a veneração dos antepassados, enterrados desde há gerações à volta das igrejas das aldeias. Existe um aspecto diferente: a experiência mística da autoctonia, o sentimento profundo de que se emergiu do solo, que se foi gerado pela Terra da mesma forma que ela fez nascer, com uma fecundidade inesgotável, rochedos, ribeiros, árvores, flores. É neste sentido que se deve compreender a autoctonia: sentimo-nos pertencer à gente da terra, e ai está um sentimento de estrutura cósmica que ultrapassa em muito a solidariedade familiar e ancestral. Sabe-se que em numerosas culturas o pai desempenha um papel apagado: limita-se a legitimar a criança, reconhecê-la. Mater semper certa, pater incertus.
(Mircea Eliade. Mitos Sonhos e Mistérios.Portugal: Edições 70, s/d, p. 140)

quinta-feira, 6 de março de 2008

O PERDIDO DE UM SONHO

Embrulhei um sonho
Com o azul do céu.
Deixei-o ali
Esquecido crescer
No intimo infinito
Dos desejos perdidos.

Procurei saber suas noites,
Sua alma
E a abstrata realidade
De seu encanto.

Abandonei-me
No pensar esse sonho
Até esquecer de mim mesmo
E abandonar rotinas
Em lixeiras de dia.

AS MULHERES NA VIDA DE JUNG


Originalmente publicado na Grã Bretanha em 1990, The Valkyries: The Womem around Jung, aqui traduzido como “As mulheres na vida de Jung” de Maggy Anthony, é um dos livros que, embora escrito por uma não “especialista” fornece uma contribuição interessante a este polêmico e delicado tema. Demasiadamente romanceada em alguns momentos, a narrativa prima pela lucidez e guarda um certo brilho que a torna interessante a quem se interessa pelo universo da psicologia analítica, além da biografia e a obra de seu fundador.
Não é novidade que o arquétipo de Anima e da Grande Mãe, assim como o resgate do feminino, constituem imagens e questões nodais dentro do vasto campo de pesquisa da psicologia analítica. Também não é novidade o papel desempenhado pelas mulheres na institucionalização e difusão das idéias de Jung, bem como em seus relacionamentos íntimos e afetos.
Como ressalta a autora:


“ Uma coisa ficou clara na preparação deste livro: a necessidade de Jung pelas mulheres era recíproca em relação à delas por ele. Mostrei como a relação com a mãe, Emilie Preiswerk Jung, constituiu a base para o relacionamento com as mulheres em geral e aquelas de seu circulo particular: o relacionamento terminou por criar nele uma necessidade vitalícia pela companhia intelectual e criativa das mulheres, que parece ser de tamanho proporcional a seus talentos, e não se tratava apenas do simples desejo da maioria dos homens, de serem admirados pelas mulheres, embora com certeza isso também estivesse presente.
Mesmo em sua experiência de quase-morte, a conexão com as mulheres teve estreita ligação com a sua sobrevivência. No meio da experiência, o médico que o tratava surgiu-lhe flutuando numa visão. O médico fantasma explicou a Jung que não lhe seria permitido morrer porque pelo menos trinta mulheres se achavam abaladas demais com a idéia de que as pudesse deixar, bem como ao seu trabalho.
Jung tinha uma profunda necessidade psíquica, da qual dependiam sua criatividade e a integridade de sua psique. Não foi por acidente que escolheu uma mulher para acompanha-lo em sua jornada às profundezas do próprio inconsciente, e que desse modo tornou-se analista de Carl Jung: Toni Wolff. As mulheres e o inconsciente, para ele, eram sinônimos. Havia dito que os homens opunham uma resistência infantil às mulheres, estavam resistindo ao seu próprio lado inconsciente.”

( Maggy Anthony. As Mulheres na Vida de Jung. Tradução de Constantino Kouzmin Korovaeff, RJ: Record: Rosa dos Ventos, 1998, p 164.)

Do ponto de vista das tantas Valquirias que se uniram criativamente a Jung e viveram suas idéias podemos dizer que :
“... Em cada um dos casos, o relacionamento com Jung possibilitou que conduzissem o desenvolvimento de suas vidas num nível mais profundo, e seus sonhos e visões sustentaram-nas além da morte do homem que as levou a sério pela primeira vez.”

( idem p.184)

quarta-feira, 5 de março de 2008

DIA INTERNACIONAL DA MULHER: PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS


Entre muitas coisas o século XX foi um momento de redefinição do papel e significados da mulher e do feminino na cultura ocidental. O movimento feminista dos anos 60 e 70 não só contribuíram para transformar o status social da mulher como também propiciou a gestação de uma nova cultura feminina que pôs em xeque os valores partriacais inspirados pela tradição judaico cristã.
Se nem todas as mulheres identificam-se com a causa feminista, respiram hoje seus efeitos na simples possibilidade de cotidianamente construírem livremente seus próprios caminhos e viver os próprios sonhos.
Uma das tendências deste limiar de século, no que diz respeito ao resgate do feminino, é a profunda transformação da cultura masculina que, libertando-se das tradições e preconceitos partriacais vem sinalizando claramente para a gestação de uma nova “cultura dos sexos” e integração maior do feminino enquanto realidade e configuração simbólica e cultural.
Os valores feministas hoje já não se restringem aos movimentos feministas mas funcionam como referencial a pratica cotidiana de homens e mulheres no dialogo de corpos e almas do se fazer da vida.
Neste dia internacional da mulher mais uma vez celebramos a mulher e o feminino como matriz máxima da cultura humana.

terça-feira, 4 de março de 2008

MEMÓRIAS, SONHOS E REFLEXÕES


Em sua auto biografia Memórias, Sonhos Reflexões, Jung faz mais do que narrar seu sentimento pessoal de mundo e colecionar recortes biográficos. Na verdade o que parece decisivo nesse singular relato é o balanço de suas vivências psicológicas e a descrição de seu próprio confronto criativo com o inconsciente.
Neste livro, Jung procura apresentar sua mensagem de modo diferente daquele condicionado por seus textos científicos, nos oferecendo uma chave de leitura para sua obra que, transcendendo a mera apreensão intelectual, pois pressupõe a participação de nossos sentimentos, fantasias e intuições ou, simplesmente, nosso envolvimento subjetivo com aquela dimensão mais profunda e obscura de nós mesmos que prefigura a própria condição humana.
Não por acaso não encontramos em suas memórias um julgamento definitivo de sua própria vida e obra. Ele não nos oferece um legado cristalizado e dogmático, mas um testemunho da experiência viva da psique. Toda a sua obra pode ser sumariamente definida como a delimitação de um campo, de um mapa ou caminho que só pode ser percorrido pessoalmente ou individualmente por cada pessoa. Não há um trajeto pré fixado pela rigidez teórica ou sistêmica. Tudo o que realmente importa é que aprendamos a escutar nosso daimon....

“ Conheci todas as dificuldades possíveis para me afirmar, sustentando meus pensamentos. Havia em mim um daimon que, em última instância, era sempre o que decidia. Ele me dominava, me ultrapassava e quando tomava conta de mim, eu desprezava as atitudes convencionais. Jamais podia deter-me no que obtinha. Precisava continuar, na tentativa de atingir minha visão. Como, naturalmente, meus contemporâneos não a viam, só podiam constatar que eu prosseguia sem me deter.
Ofendi muitas pessoas; assim que lhes percebia a incompreensão, elas me desinteressavam. Precisava continuar. À exceção dos meus doentes, não tinha paciência com os homens. Precisava seguir uma lei interior que me era imposta, sem liberdade de escolha. Naturalmente, nem sempre obedecia a ela. Como poderíamos viver sem cometermos incoerências?
Em relação a alguns seres, era sempre próximo e presente na medida em que mantínhamos um diálogo interior; mas podia ocorrer que, bruscamente, eu me afastasse, por sentir que nada mais havia que me ligasse a eles. Tinha que aceitar, penosamente, o fato de que continuassem lá, mesmo quando nada mais tinham a me dizer. Muitos despertaram em mim um sentimento de humanidade viva, mas só quando esta era visível no circulo mágico da psicologia; no instante seguinte, o projetor poderia afastar deles seus raios e nada mais restaria. Poderia interessar-me intensamente por alguns seres, mas, desde que se tornavam translúcidos para mim, o encanto se quebrava. Fiz, assim, muitos inimigos. Mas, como toda personalidade criadora, não era livre, mas tomada e impelida pelo demônio interior.
(...)
Poderia talvez dizer: necessito das pessoas mais do que os outros, e, ao mesmo tempo, bem menos. Quando o daimon está em ação, sentimo-nos muito perto e muito longe. Só quando ele se cala é que podemos guardar uma medida intermediária.
(...)
Sinto-me contente de que minha vida tenha sido aquilo que foi: rica e frutífera. Como poderia esperar mais? Ocorreram muitas coisas, impossíveis de serem canceladas. Algumas poderiam ter sido diferentes, se eu mesmo tivesse sido diferente. Assim, pois, as coisas foram o que tinham de ser; pois foram o que foram porque eu sou como sou. Muitas coisas, muitas circunstâncias foram provocadas intencionalmente, mas nem sempre representaram uma vantagem para mim. Em sua maioria dependem do destino. Lamento muitas tolices resultantes de minha teimosia, mas se não fossem elas não teria chegado a minha meta. Assim, pois, eu me sinto ao mesmo tempo satisfeito e decepcionado. Decepcionado com os homens, e comigo mesmo. Em contacto com os homens vivi ocasiões maravilhosas e trabalhei mais do que eu mesmo esperava de mim. Desisto de chegar a um julgamento definitivo, pois o fenômeno vida e o fenômeno homem são demasiadamente grandes. À medida em que envelhecia, menos me compreendia e me reconhecia, e menos sabia sobre mim mesmo.”

( C G Jung. Memória, Sonhos, Reflexões. Tradução de Dora Ferreira da Silva. RJ: Nova Fronteira, 20º ed, p. 308 et seq. )

METAFISICA FEMININA


A mulher é artífice
E fonte de vida,
Imagem e semelhança
Da magna matéria
Que faz o mundo.

Toda mulher
Guarda em si
Um pouco de esfinge,
De mistério,
No corpo e na alma
Em que se escreve.

Cada mulher
É uma estrela viva,
Sabendo-se ninfa,
Deusa e senhora
No labirinto de encantos,
Desejos e sonhos
Que a lua inspira
Na aventura de encontros.

A UMA DEUSA...

Médium e mística
Senhora da natureza.

Em seu altar
Deixo-me inquieto.
Espero...
Pelo abraço
Do teu amanhã mágico
Em minha vida,
Pelo gozo e êxtase
De uma única primavera
Na fertilidade do seu sonho.

Encontro-me...
em suas fontes e jardins...
Encontro-a...

segunda-feira, 3 de março de 2008

A IDENTIDADE CULTURAL NA POS MODERNIDADE


Uma das questões chaves da contemporaneidade é o deslocamento das identidades culturais de classe, étnicas, sexuais e nacionais. Na verdade trata-se de um deslocamento ou descentração da experiência coletiva e crise do “sujeito” moderno frente a fragmentação caótica do individuo na sociedade pós industrial. Se por um lado tal fenômeno gera instabilidades e incertezas diversas, novas modalidades de expressão e experiências culturais, também fomenta os particularismos e fundamentalismos identitários mais diversos.
Um livro que muito bem nos introduz a esse delicado debate é A Identidade Cultural na Pos Modernidade do sociólogo britânico Stuard Hall .
Em linhas gerais, como expõe o próprio autor ao apresentar a questão:


“ A questão da identidade está sendo extensamente discutida na teoria social. Em essência, o argumento é o seguinte: as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o individuo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada “ crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social."


(Stuart Hall. A Identidade na Pos Modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes. 9º ed. RJ: DP&A, 2004.)


Em outro momento, falando especificamente do caso britanico:

“ Num mundo de fronteiras dissolvidas e de continuidades rompidas, as velhas certezas e hierarquias da identidade britânica têm sido postas em questão. Num pais que é agora um repositório de culturas africanas e asiáticas, o sentimento do que significa ser britânico nunca mais pode ter a mesma velha confiança e certeza. O que significa ser europeu, num continente colorido não apenas pelas culturas de suas antigas colônias, mas também pelas culturas americanas e agora pelas japonesas?
A categoria de identidade não é, ela própria, problemática? É possível, de algum modo, em tempos globais, ter-se um sentimento de identidade coerente e integral? A continuidade e a historicidade da identidade são questionadas pela imediatez e pela intensidade das confrontações culturais globais. Os confortos da Tradição são fundamentalmente desafiados pelo imperativo de se forjar uma nova auto interpretação, baseada nas responsabilidades da Tradução cultura.”
( idem, p. 84)