quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

WILLIAM SHAKESPEARE: SONETOS


Muito pouco se pode falar com segurança sobre a difusão do soneto na Inglaterra elisabetana, quando começou ou quanto tempo durou, pode-se apenas atestar o quanto ele contribuiu para enriquecer a lírica inglesa tendo, aliais, surgido antes mesmo da dinastia Tudor e sob o reinado de Henrique VIII através da pena de um certo Wyatt.
Não é menor a obscuridade que envolvem os sonetos escritos por Shakespeare que, aliais, foram publicados originalmente em 1609 por Thomas Thorpe a revelia do próprio autor.
O que, entretanto, realmente importa aqui é sabor mágico e atemporal destes versos que apenas reafirmam a originalidade e brilho do velho bardo mesmo que na “pseudo-tradução” competente de Ivo Barroso:

“Quando observo que tudo quanto cresce
Desfruta a perfeição de um só momento,
Que neste palco imenso se obedece
A secreta influição do firmamento;
Quando percebo que ao homem, como à planta,
Esmaga o mesmo céu que lhe deu glória,
Que se ergue em seiva e, no ápice, aquebranta
E um dia enfim se apaga da memória:
Esse conceito da inconstante sina
Mais jovem faz-se ao meu olhar agora,
Quando o Tempo se alia com a Ruína
Para tornar em noite a tua aurora.
E crua guerra contra o Tempo enfrento,
Pois tudo que te toma eu te acrescento.”




“Tempo voraz, ao leão cegas as garras
E à terra fazes devorar seus genes;
Ao tigre as presas hórridas desgarras
E ardes no próprio sangue a eterna fênix.
Pelo caminho vão teus pés ligeiros
Alegres, tristes estações deixando;
Impões-te ao mundo e aos gozos passageiros,
Mas proíbo-te um crime mais nefando:
De meu amor não vinques o semblante
Nem nele imprimas o teu traço duro.
Oh! Permite que intacto siga avante
Como padrão do belo no futuro.
Ou antes, velho Tempo, sê perverso:
Pois jovem sempre há-de o manter meu verso.”

(William Shakespeare: 24 Sonetos./ Tradução de Ivo Barroso. RJ: Nova fronteira, s/d. )

DELÍRIO

Percorro a vasta
Iimaginação
De um pós pensamento
Na quase palavra
Das emoções grávidas
De abismos.

Afogueado e febril
Invento mundos
Dentro do mundo
Contemplando a ígnea alma
De múltiplas irrealidades.

Sinto o frio do absurdo
Em perene consciência
De tudo que explode
Além de todo absoluto.

A CONSCIÊNCIA E O CAOS-MUNDO

O que chamamos de ego ou complexo de eu é a sincronização de processos e conteúdos diversos, uma multiplicidade que forma uma frágil unidade através do fenômeno da consciência. Alem dele existe a vastidão da psique coletiva que podemos provisoriamente definir como algo informe onde todos os conteúdos e imagens se fundem, onde não existe qualquer contradição interna e tudo é a serenidade pertubadora de um indefinível vazio.
Através do confronto entre a consciência e este inconcebível inconsciente no jogo mágico interior/exterior que define a psique individual que, mediante o intelecto, introduz-se como imagem e realidade psíquica a natureza inconciliável dos opostos como essência de toda percepção e experiência de vida e existência. Noções como “ordem” ou “cosmos”, não passa de uma imagem da psique na qual quase não existimos na paradoxal totalidade dos múltiplos rostos que nos compõe.
Toda consciência das coisas dentro e fora de nós é o fluir de uma ilusão verdadeira em direção a si mesma.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

REVELAÇÃO

Procuro a alegria
De uma morna manhã
De outono
Que anuncie
A realidade de um novo dia,
De uma festa de vida,
Na realização possível
De mim mesmo,
Onde eu reencontre
O menino que fui
E aprenda a beleza simples
De mil antiguidades
Até o cair
Da definitiva noite
Do meu rosto.

C.G. JUNG E O PARADOXO DA CONSCIÊNCIA


O nome de Carl Gustav Jung, quando lembrado fora dos círculos da psicologia analítica, não raramente é vinculado a suas formulações em torno do inconsciente coletivon e seus interesse pelas imagens e simbolos religiosos. Justamente por isso, é pertinente ressaltar que que sua psicologia tem por centro uma outra questão: o processo de individuação e, consequentemente, a fenomenologia da consciência e sua estreita relação com o inconsciente.
Segundo Jung, existe um estado de profunda inter dependência entre a consciência e o inconsciênte cujo carater é compensatório. Longe dos ingênuos sonhos do racionalismo moderno, a consciência nasce do inconsciente e se expande na medida em que integra seus conteúdos no longo aprendizado de sua matriz irracional.
Não é, portanto, qualquer opção racional ou moral de vida ou imagem de mundo que nos define como seres humanos no curto tempo e espaço de nossas existências; mas o confronto criativo com nossas fantasias e emoções mais intensas, que nos permite apreender e aprender o que somos na paisagem mágica do estar-presente nos dias.
O inconsciente ( psique objetiva) nos pensa na medida em que o pensamos afirmando-se como fonte de toda genuina cultura, de toda experiência possível do humano e do trans-humano.

MUSICA D' ALMA

A vida acontece
Sem revelar propósitos,
É como uma música
A correr na gente
Buscando-se perfeita
Na aventura de um ritmo
Improvisado e intenso,
Melodias dizem
Apenas o momento
Dissonante e gratuito
Em tudo que nos colhe
Na dança do olhar
A quase absurda
Festa do mundo.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

LITERATURA INGLESA XVI


Através do romance Jane Eyre, Charlote Brontë (1816-1855) assegurou uma destacada posição na literatura inglesa, pois construiu uma das mais atraentes e encantadoras personagens vitoranas.
Em sua monótona rotina em Lowood, Jane Eyre sonha com a liberdade, vislumbra o desejo, a paixão e a independência que lhe são negadas.
Pode-se dizer que ela resgata a imagem do feminino em seu vínculo com a natureza e o desejo na mais humana e radical essência, contrariando os clichês misóginos e machistas vitorianos.
Jane Eyne é mais do que uma heroína ou uma imagem literária, é o próprio feminino em movimento no fazer-se e desfazer-se de si mesma.


Na avaliação de Maria Conceição Monteiro,

“ Charlote Brontë tenta uma conciliação entre as mensagens de auto renuncia pelas mulheres e gratificação existencial e sexual, que requer rompimento real com as condições de supressão ou opressão da diferença. A autora de Jane Eyre, então, reinventa a linguagem do desejo, a linguagem da paixão, transformando-a em modo de ser e estar no universo, apontando assim para a possibilidade de a mulher agir com paixão e desejo na vida privada. Com isso, o próprio espaço publico acabaria por alterar o seu status: de instância inapta ao reconhecimento da mulher como sujeito, este se converteria em correlato político exterior da libertação interior propiciada, no nível privado, pelo ímpeto de desejo e paixão. Enfim, Charlote Brontë emoldura o vazio da mulher que anseia por significado e definição num quadro em que se vai esboçando um novo conceito de sexualidade feminina. Ao trabalhar nesse processo, dá a entender que tanto o homem quanto a mulher são sujeitos aptos à expressão, afirmando o caráter positivo e fecundo da diferença sexual. Assim, fica patente que reprimir o desejo sexual da mulher é rouba-la de sua existência e autonomia.”


(Maria Conceição Monteiro. Sombra Errante: A preceptora na literatura inglesa do séc. XIX. Niterói: EdUFF, 2000; p.139.)

A PRECEPTORA NA LITERATURA INGLESA


A imagem da preceptora como personagem literária me foi apresentada pelo ensaio de Maria Conceição Monteiro intitulado Sombra Errante: A preceptora na narrativa inglesa do séc. XIX. Parafraseando a autora no prólogo da obra, talvez, um dos atores sociais mais recorrentemente representados na literatura inglesa do séc. XIX, tenha sido a prepecptora. Podemos encontrá-la no da narrativa de alguns dos principais escritores do período, desde Charllote Brontë a Thackeray.
Se por um lado lhe são atribuídas como principais estereótipos a passividade e o isolamento, por outro, no contexto da sociedade e cultura vitorianas, sua presença é fonte de conflitos entre as dimensões sexual e moral femininas.
Em outras palavras, se sua função é perpetuar os valores vitorianos ela, ao mesmo tempo, a começar por sua posição social indefinida, sua contraditória inserção no espaço privado e familiar, constituiem uma ameaça aos mesmos.

Segundo Conceição Monteiro,.

“ As obras que fazem um exame da preceptora personagem procuram expor e problematizar as conseqüências do embaraçamento de fronteiras entre o domínio público e privado, bem como o refletir sobre o que isto poderia acarretar quanto à desestruturação da família, suposto núcleo a ser preservado pela sociedade vitoriana. Sem dúvida, a preceptora personagem se desviaria dos padrões sociais vitorianos, já que ela poderia manifestar desejos. E é isto que a faz perigosa e ao mesmo tempo um ser sombrio e transgressor.”


(Maria Conceição Monteiro. Sombra Errante: A preceptora na literatura inglesa do séc. XIX. Niterói: EdUFF, 2000; p.14.)

Empregada como governess, a função da prepeptora é comandar ou disciplinar o pequeno espaço de um universo doméstico, o que só é possível na medida em que ela aprende a governar a si mesma, a calar e sufocar sua própria identidade como indivíduo e mulher.
Em outros termos, a preceptora personifica os dilemas da mulher oitocentista que, objeto de repressão social, torna-se ao mesmo tempo imagem de alteridade e ameaça em uma sociedade que se nega como profundamente inquieta, plural e em vertiginoso movimento.

domingo, 9 de dezembro de 2007

PÓS IDENTIDADE

Existo
Apesar e através de mim
Somando os futuros
Do meu passado.
Vivo a um passo atras
De meus desejos,
Brincando e brindando
A vida;
Tentando embriagar o tempo
E me perder
No além do meu próprio rosto
Perdido no mundo.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

NIETZSCHE E A LÓGICA DO REBANHO


“Instinto de rebanho.- Onde quer que nos deparemos com uma moral, encontramos uma avaliação e hierarquização dos impulsos e atos humanos...”

F. Nietzsche.

Friedrich Nietzsche (1844-1900) foi um dos mais radicais críticos da sociedade de massas e da democracia moderna. Sua filosofia é esencialmente uma defesa da individualidade e singularidade humana. Pois, tornar-se o que se é, constitui para ele o grande desafio do homem que transcende o sentimento de pertencimento a mediocridade do rebanho. Es a essência de seu “super homem”...

Valho-me aqui de um fragmento de sua GAIA CIÊNCIA para ilustrar esta faceta de seu pensamento:

Remorso de rebanho- Nos tempos mais longos e mais remotos da humanidade, o remorso era inteiramente diverso do que é hoje. Hoje em dia alguém se sente responsável tão só por aquilo que quer e faz, e tem orgulho de si mesmo: todos os nossos mestres do direito partem desse amor-próprio e prazer consigo de cada indivíduo como se desde sempre se originasse daí a fonte do direito. Durante o mais longo período da humanidade, no entanto, não havia nada mais aterrador do que sentir-se particular. Estar só, sentir particularmente, não obedecer nem mandar, ter significado como indivíduo- naquele tempo isso não era um prazer, mas um castigo; a pessoa era condenada a ‘ser indivíduo’. A liberdade de pensamento era o mal estar em si. Enquanto nos sentimos a lei e a integração como coerção e perda, sentia-se o egoísmo como algo doloroso, como verdadeira desgraça. Ser si próprio, estimar-se conforme uma medida e um peso próprios- era algo que ofendia o gosto. Um pendor para isso era tido por loucura; pois à solidão estavam associados toda a miséria e todo o medo. Naquele tempo, o ‘livre arbítrio’ era vizinho imediato da má consciência: e quanto mais se agia de forma não livre, quanto mais transparecia no ato o instinto de rebanho, em vez do senso pessoal, tanto mais moral a pessoa se avaliava. Tudo o que prejudicava o rebanho, seja que o indivíduo o tivesse desejado ou não, dava remorsos ao indivíduo- e também a seu vizinho, e mesmo ao rebanho todo!- Foi nisso, mas do que tudo, que nos mudamos.”