segunda-feira, 29 de outubro de 2007

LITERATURA INGLESA XII


Frankenstein ou O Prometeu acorrentado de Mary Shelley ( 1797-1851) é um livro que dispensa apresentações dado que por muitos caminhos, principalmente o cinematográfico, penetrou em nossas imaginações ao ponto de converter-se em um mito contemporâneo. Escrita no séc XIX a obra dialoga de certa maneira com o sec. XVIII, seja pela forma epistolar ou pela associação equivocada ao romance gótico tão popular na Inglaterra setecentista.
Em linhas gerais podemos interpretá-la, como convencionalmente se faz, como uma crítica ao cienficismo, mas pessoalmente a considero uma crítica a própria natureza humana, aos seus sonhos de grandeza e otimistas ilusões de progresso. Afinal, é a bizarra criatura do Dr. Frankenstein que personifica em seu infortúnio, destino e vingança o mais autentico e humano sentimento do mundo.
A referência ao mito de Prometeu no subtítulo deste fascinante escrito sugere uma saborosa ambigüidade: Afinal, a quem ele se refere? Ao cientista que desafia e domina a natureza ou a sua criatura que se volta contra o seu próprio criador?
Um detalhe importante é que a autora deste magnífico texto foi uma menina de 19 anos...


“....A medida em que ia lendo, porém, aplicava muita coisa a meus próprios sentimentos e condição. Achava-me parecido, e ao mesmo tempo estranhamente diferente dos seres sobre os quais lia e cuja conversa escutava. Solidarizava-me com eles, compreendia-os parcialmente, mas não tinha sua formação mental. Eu não dependia de ninguém nem era aparentado com quem quer que fosse. Também para mim era:


Vario o caminho, mas para a alegria e a tristeza
Sempre franco.

E não havia ninguém para lembrar-me. Minha figura era hedionda e minha estatura formidável. Que significava isto? De onde viera eu? Qual o meu destino? Tais perguntas ocorriam-me com freqüência e permaneciam como um enigma indecifrável.”
(
Mary Shelley. Frankenstein. Tradução de Evertin Ralph. RJ: Ed. Tecnoprint AS, s.d., p.69)
DUVIDAS

Vivo inúmeras questões.
Algumas nunca terão respostas.
São como portas fechadas
ou muros
a protegerem os domínios da desrazão.
Diante deles descubro
a magia de ocasionalmente
não pensar,
de viver as surpresas do acaso
neste pequeno sonho
que chamamos vida.


PERSPECTIVA

Guardo esperanças
no fundo do bolso esquerdo
para as noites de duvidar,
de querer respostas urgentes
e exigir destinos,
inventar caminhos
na alma rasgada
em fome de mundo e de céu aberto.

Guardo esperanças no bolso
para os dias de ir
alem de mim
em um grito de infinito,
de saber todas as coisas
mais que mim mesmo.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

INQUIETAÇÃO

As vezes
As palavras corrompem
O silêncio
tentando dizer
o impossível
de um sentimento
vago e impreciso.
Alguma coisa inerte
de vermelho d'alma
e azul de corpo
que nos inquieta
em vontades de querer
ser um outro de nós mesmos.
Momento em que a vida
parece explodir
dentro da gente,
em que tudo se faz um grito
do próprio silêncio
no intuir profundo
de uma máxima existência
na banalidade de respirar.

CRÔNICA RELÂMPAGO XII

Estamos acostumados a associar erro a engano. Nada mais humano que enganar-se... Mas, por outro lado, também associamos erro a limitação, a um não saber ou opção equivoca. Desta forma todo erro nos surge vinculado ao conceito de verdade e esclarecimento. Como se conhecimento não fosse também uma forma de limitada e provisória opção de qualquer coisa, uma construção e uma escolha, em lugar de inequívoco acerto ou apropriação mais profunda de um suposto real. Talvez, o maior de todos os erros seja justamente nosso sentimento de certezas na infinita e caótica pluralidade de possibilidades que define a vida no além do bem e do mal ....

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

LA MORT LE ROI ARTU


Nada fácil falar brevemente sobre La mort le roi Artu, romance anônimo da primeira metade do séc XIII escrito em francês arcaico, obra profundamente dramática, recheada de ricas imagens e que narra o crepúsculo da Távola Redonda.
Heitor Magale, na introdução que faz para sua primorosa tradução em português, assim a apresenta a obra, situando-a dentro do ciclo arthuriano:

“A morte do rei Artur é um romance do seculo XIII atribuído, em seu próprio manuscrito, a Gautier Map e constitui-se no último livro da primeira prosificação ou Vulgata do conhecido Ciclo Arturiano. Antes dessa prosificação, a matéria havia sido tratada em romances em verso e em textos latinos em prosa. No século XII, quando Chrétien de Troyes estava compondo seus romances em verso, a prosa era praticamente reservada para traduções do latim, comentários ou paráfrases de textos sagrados, particularmente sermões. No século XIII, a prosa tornou-se veículo das crônicas em vernáculo. Quando aconteceu de autores principiarem a transformar em prosa os romances arturianos em verso, por volta de 1210, os textos acabaram por revelar-se mais históricos e religiosos. O foco mudou da cavalaria cortês para a busca do Graal e a matéria organizou-se num ciclo de obras que passou a ter como objetivo recontar toda a estória do Graal, desde as origens na paixão de Cristo até a completa realização da busca do Santo Vaso pelo cavaleiro eleito. “
( Heitor Magale; Introdução in A Morte do Rei Artur/ Anônimo; tradução Heitor Magale/ SP: Martins Fontes: 1992 ( coleção Gandhãra); p. 10.

Um resumo satisfatório de tão rico texto seria inútil, o que me faz apenas destacar alguns pontos e questões que nem de longe o esgotam mas que particularmente me interessam. Assim sendo, cabe dizer que, embora produto de uma cristianização mais sistemática da matéria da Bretanha, ainda é possível perceber nesta narrativa alguma tensão entre o imaginário pagão e cristão. Basta invocar por exemplo o confuso destino do Rei Arthur. Em seus últimos momentos Artur aparece em companhia do cavaleiro Gilfrede que, a seu pedido, devolve, mesmo que relutante, Excalibur a Dama do lago. No momento seguinte o mesmo cavaleiro, vale ressaltar, após a “maravilha” de uma forte e repentina chuva, testemunha o rei ser levado pelas fadas lideradas por Morgana em uma nau. Em um segundo momento, entretanto, o mesmo Gilfrete localiza uma capela negra onde encontra surpreendentemente o túmulo do rei. Justapõem-se, assim dois destinos na narrativa oriundos certamente de diferentes fontes e versões utilizadas na composição do texto. O fato é que tal contradição ganha uma dimensão significativa na medida em que um desfecho “pagão” aparece contraposto a intencionalidade “cristianizadora” representada pelo enterro cristão do rei.
Entretanto, a mais rica e significativa referência pagã na obra é certamente a aparição da deusa Fortuna as vésperas da trágica batalha:

“ ...O rei deitou-se em sua tenda acompanhado apenas de seus camareiros. Depois que dormiu, pareceu-lhe que uma dama vinha à sua presença, a mais bela, como nunca tinha visto no mundo, que o levantou da terra e o levou a mais alta montanha que nunca vistes, lá assentou-o sobre uma roda. Naquela roda havia assentos, dos quais uns subiam e outros desciam, o rei observava em que lugar da roda estava sentado e via que seu assento era o mais alto. A dama lhe perguntava:
-Artur, onde estás?
-Senhora, disse ele, estou numa roda alta, mas não sei qual é.
-è , disse ela, a roda da Fortuna.
Então perguntou-lhe:
-Artur, o que vês?
-Senhora, parece-me que vejo todo o mundo.
-É verdade, disse ela, tu o vês; não há muita coisa de que não tenhas sido senhor agora; e de todo circulo que vês foste o mais poderoso rei que já existiu. Mas tal é o orgulho terreno, que não há ninguém, por mais alto que esteja, a quem não convenha cair do poder do mundo.
Então o pegava e o estrebuchava a terra tão vilmente, que ao cair, parecia ao rei Artur que estava todo quebrado e que perdia toda a força do corpo e dos membros.”

(A Morte do Rei Artur/ Anônimo; tradução Heitor Magale/ SP: Martins Fontes: 1992 ( coleção Gandhãra); p. 204 et seq.)

PUER AETERNUS/PERSPECTIVA


PUER AETERNUS

Todo o meu presente
é o passar do momento
em vazio devir de acasos.
Onde sonho a própria realidade
construindo verdades
com a mágica argila de fantasias.

Sei carrancudas infâncias
no saber do dia
buscando uma fatia de luz
em cada oco acontecimento
de vida
até o ofuscar dos fatos
no revelar-se dos atos.

PERSPECTIVA

Um enervado amanhã
faz-se leve e superficial
banalidade
no fato do dia seguinte.

Um amanhã novamente adiado
a deixar o vagar da vida
em ritmo de espera e espectativa.

Tudo é o presente
de uma rotina
que me faz ser
no inexistir do meu rosto.

Nega-me a face o destino
em labirinto de signos urbanos
enquanto uma frase decora
o céu azul de um sonho:
Tomorrow is the first day
of the rest of your life.

Walt Whitman :A POETICA DA LIBERDADE


Ao lado de Emily Dickinson, Walt Whitman (1819-1892) é um dos  fundadores da poesia norte americana. Protagonista e autor privilegiado da invenção da America e do radical ideal de liberdade personificado pela utopia do novo mundo. Inegavelmente, sua poesia é um verdadeiro canto de liberdade, seja por meio das imagens, que tão bem traduzem seu individualismo radical, sua paixão pelas coisas, as pessoas, a vida e o mundo, seja através do apoteótico exercício do verso livre na absoluta ruptura com a tradição ocidental.

A singular vitalidade, simplicidade da poética de Wihtman, o conduziu a um lugar único na poesia de língua inglesa e também do novo continente, convertendo-o em uma espécie de profeta ou peregrino da liberdad por vir.. Sobre isso, é pertinente certa consideração de Paulo Leminski:

“Ouve-se , por trás das tempestades verbais de Whitman, alguns raios e relâmpagos dos sermões de igreja, vociferados por furibundos pastores apocalípticos de pequenas comunidades religiosas dos Estados Unidos, todas heréticas em relação a algum credo tradicional ( presbiterianismo, calvinismo, puritanismo, luterarismo), tudo dentro da melhor tradição do fragmentarismo localista das igrejas protestantes. A mãe de Whitman era “quaker”. E transmitiu-lhe a fé, tipicamente “quaker”, na luz interior.
Sem entender a fé “quaker”, não se entende Walt Whitman.
A seita fundada pelo inglês George Fox ( 1624-1691) caracterizou-se pela recusa radical a toda liturgia religiosa e sacerdócio, confiando apenas na presença do Espirito Santo na consciência individual. Na inspiração. Além ou contra as autoridades.”
(Paulo Leminski. Introdução in Walt Whitman. Folhas das Folhas de relva ( Leaves of Grass). Seleção e tradução de Geir Campos. SP: Brasiliense, 2º ed, s/d; p.8 et seq.)


Seguem alguns versos de Whitman como um revigorante drinque de liberdade para aqueles que celebram e vivem intensamente todas as possibilidades do porvir.


A SOMBRA IMAGEM MINHA


A sombra imagem minha

que para cá e para lá
vai procurando um jeito de viver
através da conversa, da barganha
-quantas vezes eu dou por mim parado
a ver por onde ela passa,
quantas vezes indago e ponho em dúvida
que aquilo seja realmente eu;
mas entre os meus amantes
e no cantarolar destas canções,
ah, eu não duvido jamais
que aquilo seja realmente eu.

VIDA

Sempre a indesencorajada alma do homem
resoluta indo a luta.
( Os contingentes anteriores falharam?
Pois mandaremos novos contingentes
e outros mais novos.)
Sempre o cerrado mistério
de todas as idades deste mundo
antigas e recentes;
sempre os ávidos olhos, hurras, palmas
de boas vindas, o ruidoso aplauso;
sempre a alma insatisfeita,
curiosa e por fim não convencida,
lutando hoje e sempre,
batalhando como sempre.

(Walt Whitman. Folhas das Folhas de relva ( Leaves of Grass). Seleção e tradução de Geir Campos. SP: Brasiliense, 2º ed, s/d)

MERLIM

Uma das mais fecundas reinterpretações contemporâneas da matéria da bretanha que conheço é a peça teatral Merlim oder Das Wüste Land (Merlim ou a Terra Deserta) de Tankred Dorst elaborada em colaboração com Ursula Ehler. Este contemporâneo “Merlim” , de modo sarcástico procura dizer nosso próprio tempo, ou mais precisamente, o fracasso de suas utopias polÍticas e os limites dos ideais de boa sociedade. Talvez, justamente por isso, ele nos remeta também as íntimas florestas, aos nossos sonhos mais inocentes e gratuitos de mera e serena existência em um mundo de incertezas... “Quero ser como o Mago Merlim passear no bosque e escutar as cantigas do vento, voar como as aves ser o lobo que espreita a caça oculto nas pedras na noite calada quero falar com o espirito das fontes ver tombarem as árvores antigas ser jovem e ter toda a idade que passa e ser rei da floresta encantada” ( Merlim ou a Terra Deserta/ Tankred Dorst com a colaboração de Ursula Ehler; tradução de Lya Luft. RJ: Paz e Terra, 1984

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

LITERATURA INGLESA XI


.K. Chesterton ( 1874-1936) foi um ensaísta e romancista inglês da primeira metade do sec.XX do qual me confesso de muitas formas distante. De sua obra, é verdade, conheço apenas O Homem que Era Quinta Feira ( 1904), ignorando involuntariamente outras escritos mais expressivas como A Esfera e A Cruz, O Clube de Ofícios Estranhos e ainda seus ensaios sobre literatura e trabalhos jornalísticos. Impossível, portanto, fazer a partir de uma única obra uma avaliação conclusiva deste autor. Mas tenho razões para crer que essa leitura de uma única obra pode revelar algumas impressões em certa medida pertinentes para apresentar o literato em questão.
O Homem que era Quinta Feira constrói-se a partir do confronto/diálogo entre dois poetas: Gregory, o anarquista de cabelos ruivos, e Syme, menos idealista e, além de poeta, policial. Ambos acabam se envolvendo em uma curiosa organização anarquista encabeçada por um conselho central composto por sete membros. Cada um deles tem por codinome um dos dias da semana. Na ocasião do envolvimento dos dois poetas, a citada organização encontrava-se na iminência de eleger um novo quinta feira, dado o falecimento do ocupante do cargo em um recente atentado. Embora Gregory se candidate para o cargo é inesperadamente Syme quem vence a exótica eleição... Trata-se de uma história insólita sobre policiais e anarquistas, recheada de humor, reflexões religiosas e pacifistas.
Para um leitor de inicio do sec. XXI, este interessante livro possui um sabor de cândida ingenuidade, um certo otimismo humanitário que o faz mais próximo das ilusões do seculo XIX do que propriamente das contradições, conflitos, dramas e incertezas do séc. XX, para não falar do tempo presente. Não por acaso, em 1922 seu autor seria um dos co-fundadores de um movimento intelectual de inspiração humanitária e cristã cognominado Distributismo revelando-se assim, ao lado de sua vertente humorística uma inconveniente tendência utópica.


"... Querem que lhes diga o segredo de todo o mundo? É que somente conhecemos as costas do mundo. Vemos tudo por trás, e tudo nos parece brutal. Não é uma árvore, mas o posterior de uma árvore. Não é uma nuvem, mas o posterior de uma nuvem. Não vêem que tudo está se curvando e escondendo a face? Se eu pudesse rodeá-lo e passar para a frente..."


(G.K. Chesterton. O Homem que era Quinta Feira. RJ: Editora Tecnoprint, 1987, s/d, p.152)

DELÍRIO


Sei que meu lugar
é o mero finito,
sem Deuses
e além de todo sagrado
no acaso de provisória lucides
Mas flores existem e dançam
Em vendavais de desejos.
Um futuro brilha cego e tranqüilo
No céu que cai
Além e sobre mim.
O sol e o sal da terra
esclarecem a noite
Que em segredo corre
na novidade da manhã.
Enquanto isso,
Nas águas que comem os tempos,
sombras sussurram
a imensidão.
Pois bem,
Me desfaço no infinito
apenas porque me sinto
no acontecer disso tudo.

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