sexta-feira, 29 de outubro de 2021

APRENDIZ DO VENTO

Resisto as inércias do barulhento silêncio humano,
e afirmo o indeterminado do movimento.

Tudo em mim é transitório e incerto,
Provisório arranjo dos quatro elementos,
onde o sopro é corpo e verbo.

A verdade em mim não é vontade
e identidade,
é um se fazer experiência 
sem a ilusão  de finalidades
ou causalidades.
Verdade é aprender a ser vento.




COISIFICAÇÃO

O mundo é feito de coisas.
Existimos para as coisas.
Apenas as coisas são. 

Somos governados pela razão das coisas.
 Pois só as coisas importam.

Você precisa de coisas.
pois o corpo
também é coisa
entre coisas.

As coisas estão em todas as partes.
Todo mundo é mais coisa
que gente
em um mundo intensamente coisado.

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

O SOM DA ESCRITA

Há uma sonoridade na escrita que transcende as letras arrumadas em delicado artesanato sobre a tela branca.
Ela sabe mais nossos olhos do que os ouvidos, confundindo os sentidos nas testuras e movimentos do texto que se inventa na nervura de um real ausente.
A linguagem é viva, mutante,  e indomável, quando livre do jogo da representação ou do vazio da comunicação ordinária. 
Ela se torna esta sonoridade que  inventa a potência do sopro da voz, sendo onda e movimento, no compor das letras. Ou qualquer outra coisa além da própria letra. 
A muda melodia do significado que sempre foge,  alucina as palavras  dentro do branco da tela.
O corpo  encontra a si mesmo e se transforma nas  abstratas sensações que o expandem no mágico som  de uma escrita.
As palavras transcendem a comunicação no inventar de universos e transvalorações.

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

O FUGITIVO

Adivinho em cada momento um desvio,
em cada afeto uma fuga,
para tudo aquilo que avessa a vida
e me escravisa a banalidade.

Ir além da linguagem,
libertar o corpo da razão  e do humano,
é meu sublime objetivo.

Sou onde não faço sentido,
onde desisto,
e nada mais é possível. 
Penso e não sei
se realmente existo.

domingo, 24 de outubro de 2021

A TOPOGRAFIA DA ESCRITA

Um texto é uma geografia,
um ecossistema.
Habitamos palavras
e através delas penetramos em um território existencial.
O eu do texto é um ente que arruma letras arquitetando moradas e ausências.
Para ele a realidade é pura ficção, Visto que viver é um ato de imaginação criadora. 
Assim, a verdade é qualquer ilusão que nos move como uma necessidade corpórea. É aquilo que nos leva a dançar,  o texto como movimento, percurso, onde o caminhar cria o caminho. Não há texto que não contenha em si uma dimensão não verbal, que conforma uma ação no mundo. O texto é um modo de enxergar, de estar na paisagem e experimentar.

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

A ARTE DE PENSAR

O pensar não está na cabeça.
O pensar é corpo, presença,
intensidade e movimento.
Não é  palavra que se sustenta,
é gesto e silêncio. 
É natureza,
e não está no sujeito que acha que pensa
o pensamento que o inventa.
Pensar não cabe nos livros,
mas no verbo livre
que transfigura o mundo
como imagem em movimento
que através de nós
afirma a natureza.

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

A INTUIÇÃO DO CAOS

Há algo ausente que nos define a presença,
algo que virtualmente persiste
em tudo que fazemos,
que é dito, pensado, ou sabido.

Este algo insiste em um silêncio  estridente.
Mas é impertinente e ausente.
É uma intuição de vertigem,
um brilho ofuscante e distante.

É um isso, um aquilo.
Algo que nós dissolve,
ou qualquer forma de caos.

O INIMIGO DA VERDADE

Confesso minha nulidade,
minha impaciência,
e má vontade com o mundo.

Adimito minha falta de objetivos,
meu desprezo pelos humanismos,
meu incorrigivel niilismo.

Não tenho vocação para fanatismos.
Recuso toda confissão  de fé,
ou vontade de verdade.

Sou nulo, sou livre,
e sem vaidade.
Não advogo qualquer poder
sobre a realidade.





domingo, 17 de outubro de 2021

MUNDO HUMANO

O mundo humano é um artificio anti natural de sobrevivência,  uma maquina metafísica, orgânica e simbólica, produtora de verdades em movimento,   na circulação alucinada de signos e símbolos e criação de valor, afetos e apetites. Trata-se aqui de algo pior do que qualquer Leviatã.

sábado, 16 de outubro de 2021

SER LIVRE

Liberdade é uma palavra 
desconfortável 
em qualquer frase.
Pois sua realidade é o corpo em ato.
Só é livre aquele que cria,
que confia na imaginação,
e quase não sabe de si,
na invenção do mundo.

Liberdade não se define,
e nos livra de toda definição. 

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

O PARADÓXO DO PARTO

Hoje lembram o dia

do parto da minha mãe

como se eu fosse

o feto que alí se apresentou

atônico e abismado

quando  desabrigado e lançado ao mundo.

 

Mas tal trauma não  deixou memória.

Não era eu aquele princípio de gente,

aquele feto indigente.

Mas nele já estava contido este corpo,

objeto de  afetos e experiências.

Corpo que soube gradativamente  de si no acumular dos anos,

além de toda ilusão  de consciência,

E ainda contém aquele feto

que  nunca terminou de nascer,

enquanto o corpo

aprendia a morrer.



 

 

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

SOBRE A EXISTÊNCIA

Os anos passam e não  me definem.
Sou o que se perde,
o que desaparece,
o que definha,
em  corpo que reinventa o espaço enterrado na cidade. 

Tenho todas as idades
nos afetos que me transformam,
que me apagam do mundo
na alucinação do momento.



sábado, 9 de outubro de 2021

PRÁTICA DE EXISTÊNCIA

Prática de existência como um inventar-se permanente nas desarrumações do tempo. Individuar contra o próprio rosto, corpar a vida no movimento da memória, esculpindo o tempo presente, contra os imediatismos do agora.
Prática de existência como silêncio e fala, pausa e escrita de si, musicalidade sem notas ou, simplesmente, movimento de quase ser, na inconstância de um devir outro sempre atualizado em suas metamorfoses.
Pratica de existência como borboleta que passeia entre as flores de um jardim,
como verbo/acontecimento.

NOVÍSSIMO SELVAGEM

Tenho os pés enlameados de mundo,
e as mãos turvas de terra.
Meu pensamento é o verde das matas,
meu amanhã é o agora das flores.
Sei a vida como os animais.
Minha alma é a floresta
em devir natureza.
Sou corpo através dos corpos.

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

O QUE REALMENTE IMPORTA

O que realmente me importa,
é aquilo que não pode ser comprado,
embrulhado pra presente,
e transformado em lixo
ao longo dos anos.

É aquilo que não pode ser conquistado,
que não requer esforço,
mas acontece expontâneamente
em qualquer ponto abstrato
do meu encontro concreto com o mundo.

O que realmente importa
foge a palavra e me atravessa
em direção ao indefinido e incriado de um grande nada.

O que realmente importa carece de qualquer importância.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

EXISTO

 

Existo entre a inconsciência do corpo

e a consciência do mundo,

como um ponto indeterminado

entre o tempo e o espaço.


Existo na ilusão de ser livre,

único e admirável,

como se a razão

me colocasse no centro do universo

desvelando enigmas entre as palavras e as coisas.


Existo no delírio da extensão da matéria

preso aos apetites

que me acordam o corpo.


Existo anonimamente entre muitos outros

atravessado por signos, símbolos e imagens,

que me adivinham pelo avesso.


domingo, 3 de outubro de 2021

MUDANÇA

Mudar não é uma escolha.
Mudar é escapar a si mesmo,
É perder-se,
é não saber ou poder
ser como antes,
na confusão de todas as certezas.

A vida, afinal, é algo indeterminado.
Ela não é feita de identidades. 
Tudo muda,
mesmo que ninguém perceba.

A mudança nos consome,
nos escolhe,
e nos rouba a ilusão de ser.


sábado, 2 de outubro de 2021

CORPO, VIDA E LUGAR

O mais estranho lugar do mundo é o corpo. Pois ele é o que somos em todos os lugares, no  além da própria consciência de estar em qualquer parte.
O corpo é mundo, e o mundo é corpo. Ele não nos pertence, mas lhe pertencemos, no além de todas as pretensões da ficção de um eu consciente que lhe nega a autonomia, por mais que ela seja evidente.
Todos os lugares são movimento, passagens, como o próprio corpo que não passa de um provisório arranjo de matéria. A vida é  paisagem. O corpo é paisagem dentro de paisagens. Todas as paisagens mudam constantemente. Todos os lugares são incertos.
Nenhum lugar é realmente um lugar.