O 19º aforisma da primeira parte da Minima Moralia de T. Adorno é uma minunciosa descrição da micro geografia dos gestos cotidianos reconfigurados pela racionalidade técnica,pela ausência do tato como função perceptiva,no novo tipo de homem que emerge da modernidade tardia da pós sociedade ocidental.
Escrito no distante ano de 1944 durante seu exílio nos USA, este pequeno fragmento ainda nos arrasta para vertigem dos nossos contemporâneos desertos de danificada realidade vivida ...
“Não Bata a Porta- A tecnificação torna, entrementes, precisos e rudes os gestos, e com isso os homens. Ela expulsa das maneiras toda hesitação, toda ponderação, toda civilidade, subordinando-as às exigências intransigentes e como que a-historicas das coisas. Desse modo, desaprende-se a fechar uma porta de maneira silenciosa, cuidadosa e, no entanto, firme. As portas dos carros e das geladeiras são para serem batidas, outras tem a tendência a fechar-se por si mesmas, incentivando naqueles que entram o mau costume de não olhar para trás, de ignorar o interior da casa que os acolhe. Não se faz justiça ao novo tipo de homem se não se tem consciência daquilo a que esta incessantemente exposto pelas coisas do mundo ao seu redor, até em suas mais secretas intenções. O que significa para o sujeito que não existam mais janelas que se abram como asas, mas somente vidraças de correr para serem bruscamente impelidas? Que não existam mais trincos de porta, e sim maçanetas giratórias, que não existam mais vestíbulos, nem soleiras dando para rua, nem muros ao redor do jardim? E qual o motorista que já não foi tentado pela potência do motor de seu veiculo a atropelar a piolhada da rua, pedestres, crianças e ciclistas? Nos movimentos que as maquinas exigem daqueles que delas se servem localizam-se já a violência, os espancamentos, a incessante progressão aos solavancos das brutalidades facistas. No desaparecimento da experiência, um fato possui uma considerável responsabilidade: que as coisas sob a lei de sua pura funcionalidade, adquirem uma forma que restringe o trato delas a um mero manejo, sem tolerar um só excedente- seja em termos de liberdade de comportamento, seja de independência da coisa- que subsista como núcleo da experiência porque não é consumido pelo instante da ação”
Theodor Adorno in Minima Moralia/ tradução de Luis Eduardo Bicca
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