domingo, 31 de maio de 2009

CONSCIÊNCIA INDIVIDUAL E INDIVIDUAÇÃO


A consciência individual é uma conquista recente no longo e tortuoso percurso da espécie humana. Em que pese antecedentes no séc. XII e a partir do chamado Renascimento da cultura ocidental dos séc. XIV e XV, sua maturação deu-se plenamente apenas na época moderna, quando a civilização industrial de fins do séc. XIX e inicio do séc. XX estabeleceu as condições propícias ao seu pleno florescimento. Ou seja, o relativo deslocamento das tradições e costumes nas vertigens do novo e complexo cenário urbano, evidenciado principalmente através das artes e novas estéticas, a diluição da consciência coletiva com o advento da sociedade de massa e conseqüente atomização do indivíduo e, principalmente, o questionamento radical da metafísica idéia de verdade como principio cognitivo assentado na ilusão de uma correspondência natural entre as palavras e as coisas. Sem isso não seria possível imaginar a autonomia da consciência individual como um paradoxo entre o singular e o universal da espécie humana.
Nietzsche foi um dos primeiros pensadores a deparar-se com o problema vislumbrando na fantasia do super-homem o caminho de uma possivel individuação futura mediante a reviravolta de todos os valores. Devemos a ele a superação da equivocada associação simples entre consciência individual e individuação, entre a necessidade de comunicação sob a qual se assenta a consciência e a individualidade/singularidade propriamente dita como expressão mais radical do fenômeno humano inconsciente.
Recorrendo a um de seus aforismas em A GAIA CIÊNCIA, intitulado “Do ‘gênio da espécie’ ” ofereço algumas fragmentárias provocações sobre o tema que curiosamente remetem a noção de inconsciente enquanto “psique objetiva” para usar uma terminologia utilizada algumas vezes por C G Jung:

“... Para que então consciência, quando no essencial é supérflua?Bem, se querem dar ouvidos à minha resposta a essa pergunta e a sua conjectura talvez extravagante, parece-me que a sua sutileza e a força da consciência estão sempre relacionadas à capacidade de comunicação de uma pessoa ou animal ( ou animal), e a capacidade de comunicação, por sua vez, a necessidade de comunicação: mas não, entenda-se, que precisamente o indivíduo mesmo, que é mestre justamente em comunicar e tornar compreensíveis suas necessidades, também seja aquele em que suas necessidades mais tivesse de recorrer aos outros.
(...)
O ser humano, como toda criatura viva, pensa continuamente, mas não o sabe; o pensar que se torna consciente é apenas a parte menor, a mais superficial, a pior, digamos:- pois apenas esse pensar consciente ocorre em palavras, ou seja, em signos de comunicação, com o que se revela a origem da própria consciência. Em suma, o desenvolvimento da linguagem e o desenvolvimento da consciência ( não da razão, mas apenas do tomar- consciência- de-si da razão) andam lado a lado. Acrescente-se que não só a linguagem serve de ponte entre um ser humano e outro, mas também o olhar, o toque, o gesto; o tomar-consciência das impressões de nossos sentidos em nós, a capacidade de fixá-las e como que situa-las fora de nós, cresceu na medida em que aumentou a necessidade de transmiti-las a outros por meio de signos. O homem inventor de signos é, ao mesmo tempo, o homem cada vez mais consciente de si; apenas como animal social o homem aprendeu a tomar consciência de si- ele o faz ainda, ele o faz cada vez mais- Meu pensamento, como se vê, é que a consciência não faz parte realmente da existência individual do ser humano, mas antes daquilo que nele é natureza comunitária e gregária; que, em conseqüência, apenas em ligação com a utilidade comunitária e gregária ela se desenvolveu sutilmente, e que, portanto, cada um de nós, com toda a vontade que tenha de entender a si próprio da maneira mais individual possível, de “conhecer a si mesmo”, sempre trás a consciência justamente o que não possui de individual, o que nele é “ médio”- que nosso pensamento mesmo é continuamente suplantado, digamos, pelo caráter da consciência- pelo “gênio da espécie” que nela domina- e traduzido de volta para perspectiva gregária.”

(Friedrich Nietzsche. A Gaia Ciência/ tradução, notas e posfácio de Paulo Cezar de Souza. SP: Companhia das Letras,2001,p. 249-250)

150 ANOS DE BIG BEN


O big ben, o fabuloso sino fundido por George Mears em 1858, medindo quase 3 metros de diâmetro e pesando 13, 5 toneladas, instalado na Tower Clock do Palácio de Westminster, na sede do parlamento britânico, completa hoje 150 anos. Seu apelido deve-se a uma referência a Benjamin Hall, ministro de Obras Públicas da Inglaterra na ocasião de sua instalação e sarcasticamente apelidado por big ben por sua grande estatura.
Superando as criticas iniciais associadas a reconstrução do palácio de Westminster original, destruído por um incêndio em 1834, tornou-se o sino um monumento e simbolo do novo mundo inaugurado pela revolução industrial, e um dos mais simpáticos icones da civilização ocidental e dos esteriotipos construidos em torno da cultura britânica.
Dedicar-lhe algumas palavras pode parecer pueril, mas não quando consideramos que, 150 anos depois de sua instalação, ele ainda provoca o imaginário coletivo. Pessoalmente o considero quase um fetiche associado a incômoda consciência do tempo que passa. É como se suas solenes badaladas remetessem a finitude e fragilidade da vida em contraste com as permanencias das coisas inanimadas por uma quase eternidade...
Sobre o assunto, uma visita ao site do parlamento britânico pode ser bastante interessante:
http://www.bigben.parliament.uk/,

TEMPORALIDADE

Vejo o mundo
Pelos olhos do tempo.
Nada é permanente.
Tudo é incerto.

Neste exato segundo
Parte de mim cai no passado
Enquanto outra
Desaparece futura
Sem saber o presente.

Estou entre
Meu eu e o outro
Que se desfaz no tempo...

Não tenho origem ou destinos...
Apenas respiro...

sábado, 30 de maio de 2009

CONDIÇÂO PÓS MODERNA E TEMPO PRESENTE

A condição pós moderna, expressão pela qual podemos definir nossa contemporaneidade, pressupõe a existência como um eterno presente assentado no deslocamento do passado e na desconstrução do “culto do novo ou do futuro” estabelecido pela chamada modernidade.
Podemos considerá-la uma espécie de “filosofia da imanência” voltada parta o tempo neutro e permanente de um presente em desconstruções e reconstruções contínuas.
A condição pós moderna pressupõe o mundo como um espaço simbólico de intercâmbios, de redes sem centros ou pontos estáveis e articuladas pela meta ou hiper realidade do virtual.
Em nossos textos/mundos cotidianos, tudo agora existe em superfície sem a ilusão de essências ou meta narrativas...

sexta-feira, 29 de maio de 2009

ILEGIVEL


Exploro um ponto vazio
Perdido no horizonte
Como um nada
A desafiar certezas
E planos.

Ele me sonda
Com seu silêncio
Buscando intercâmbios.
Enquanto corro
Contra o tempo
Inventando respostas
Que não se sustentam.

Minha vida
Já não é mais
Em qualquer sentido
Dizível...

PRESENT PAST

Nada me conduz
Alem do presente.
Reencontro o dia
Anterior
Nos vazios do agora
E a hora chora
As mágoas do tempo,
Os limites da vida,
Os biográficos buracos
Dos meus enganos
E destinos.

sábado, 23 de maio de 2009

WILLIAM JAMES: PRAGMATISMO E VERDADE


O utilitarismo pragmático pressupôs uma positiva dessacralização da idéia de verdade ao deduzir a legitimidade de qualquer enunciado pelos seus efeitos e aplicações práticas. Desta forma, a verdade deixou de ser um atributo dos objetos ou coisas a que se refere para se tornar uma característica das próprias idéias e da consciência que temos delas através de nossos discursos..
Embora em sua neutralidade axilógica reconheça a legitimidade das crenças religiosas, o fato é que o método pragmático expulsa do conceito de verdade todo entulho e resquício de metafísica, de teologia e abstrato racionalismo especulativo.
Em outros termos, o pragmatismo estabeleceu uma concepção instrumental de verdade onde como esclarece William James, “Idéias verdadeiras são aquelas que podemos assimilar, validar, corroborar e verificar. As idéias falsas são aquelas com as quais não podemos agir assim.”
(William James Pragmatismo/ tradução de Pablo Rubén Mariconda in Os Pensadores. Vol. XL. Pragmatismo: Textos selecionados. SP: Ed. Abril S/a, 1974, p. 24)

Deste modo a verdade torna-se uma invenção ou construção de nossa experiência de caráter mutável, em continua transformação e, portanto, incompatível como qualquer dogmatismo.

“O ponto mais fatal de diferença entre ser um racionalista e ser um pragmátista acha-se agora inteiramente à vista. A experiência está na mutação, nossas certezas psicológicas da verdade acham-se em mutação- assim, muito racionalismo permitirá; nunca porém, que a realidade em si ou a verdade em si seja mutável. A realidade mostra-se completa e pronta desde toda eternidade, insiste o racvionalismo, e a concordância de nossas idéias com ela é a única virtude não analisável nas mesmas da qual o racionalismo já nos disse algo. Como aquela excelência intrínseca, sua verdade não tem nada que ver com nossa experiência. Não acrescenta coisa alguma ao conteúdo da experiência. Não faz diferença para a realidade em si; é superveniente, inerte, estática, meramente uma reflexão. Não existe, retém ou obtem, pertence a outra dimensão, de fatos ou de relações de fatos, pertence, em suma, à dimensão epistemológica- e com essa palavra rebarbativa o racionalismo encerra a discussão.
Deste modo, como o pragmatismo encara o futuro, o racionalismo aqui de novo olha para trás, para a eternidade passada. Fiel ao seu hábito inveterado, o racionalismo reverte aos “princípios”, e pensa que, uma vez uma abstração sendo denominada, admitimos sua solução oracular.”

(Idem p.33)

COSMOS


Procuro não pensar
No tamanho
Da existência
Em ínfimo acontecer
Em imensidões de universos.

Sei que quase nada
Revela o existir
No silêncio dos atos
Que mudos se espalham
Pelo tempo e o espaço.

Cosmologias me roubam
Verdades
Em matemáticas
Desconstruindo
A relevância do humano...

Talvez eu seja
Uma mera abstração
De mim mesmo...

DA SOCIEDADE PÓS-IDUSTRIAL À PóS-MODERNA


Em Da Sociedade Pós Industrial à Pós Moderna, livro originalmente publicado no Reino Unido em 1995, o professor de Ciência Política e Social Krishan Kumar, da Universidade de Kent/ Inglaterra, realiza uma interessante síntese e balanço teórico das discussões em torno dos conceitos de Modernidade e Pós Modernidade.
Kumar ocupa-se nesse estudo basicamente de três variantes da chamada teoria do Pós Industrialismo em voga durante os anos 70 do último século: a hipótese de uma sociedade da informação, de um Pós Fordismo e de uma Pós Modernidade. Sua analise não busca qualquer parecer conclusivo em torno dessas teorias, mas produzir um provisório balanço critico de seu desenvolvimento a luz do desafio contemporâneo de uma radical releitura das representações e dinâmicas de nosso mundo coletivamente vivido.
No prefácio que faz a sua obra Kumar, muito lucidamente reconhece que, em termos de teoria social, o debate envolvendo a pos modernidade vem se diluindo em um incessante crescimento da literatura em torno de tal teoria em detrimento de seu desenvolvimento e aprofundamento. Sua obra, entretanto, ocupa um lugar peculiar entre a vasta bibliografia critica destinada ao tema na medida em que propõe a servir de guia em meio a verdadeira torre de babel literária que envolve o assunto.
Merece destaque a resposta formulada pelo autor a questão elementar sobre a pertinência ou não de uma Pós Modernidade:

“ ... há um grau inescapável de “reflexão” ou auto conhecimento na pós-modernidade que é inerente à sua condição e às discussões que provoca. Isso significa que terá que haver uma certa hipérbole, que não exige resposta, na pergunta que fizemos no último capítulo: A pós-modernidade realmente existe? A pergunta não pode ser respondida de forma literal. A pós- modernidade é verdadeira na medida em que nos cerca por toda parte. As industrias da cultura, que são hoje fundamentais em muitas sociedades ocidentais , tornaram-na verdadeira através da criação incessante de um ambiente saturado de imagens. A hiper-realidade- a cópia cujo original se perdeu- é o mundo que todos nós habitamos pelo menos durante parte do tempo., O “êxtase da comunicação” no mundo da Internet é uma experiência viva demais, que muito de nós apreciamos, e com a qual sofremos também, tanto em nossa vida de trabalho quanto de lazer,. Cultura não é mais simplesmente um adjunto à atividade séria de ganhar a vida, mas, em grande parte, tornou-se essa atividade. Grande quantidade de pessoas trabalham nas industrias da cultura e, nos seus momentos de folga, também consomem seus produtos.
Mais notável ainda, as próprias industrias da cultura têm se preocupado em grau extraordinário em disseminar o vocabulário, a imagística e os tons emocionais da pós-modernidade. Esse fato inevitavelmente aumenta o elemento de reflexão no fenômeno. Intelectuais e artistas posmodernos regularmente dão o ar de sua graça nas telas de televisão, em programas de debates em fins de noite. Numerosos programas populares de entrevistas e comédias exibem uma ironia zombaria inequivocamente posmodernista. Todo o nosso senso de política e de eficiência política é afetada pelo fluxo ininterrupto de irreverência e ridículo dirigido contra figuras de autoridades e sacrossantas instituições nacionais. Um dos resultados dessa promoção da cultura pósmodernista é que a resposta à pergunta “a posmodernidade existe realmente?” tem de ser em parte baseada em termos criados por essa própria cultura.”

(Krishan Kumar. Da Sociedade Pós- Industrial à Pós- Moderna: Notas sobre o Mundo Comtemporâneo./tradução de Ruy Jungman.RJ: Jorge Zahar Editor, 1997, p.194)

quinta-feira, 21 de maio de 2009

EÓS


A Deusa Aurora
Surge no céu
Em silêncio
Entre Selene e Hélios.

Sua presença é tão
Imprecisa
Quanto o indeterminado
Fazer-se da vida.

Mas acompanhada
De todos os ventos
Ela se deixa
Em meu momento
Inventando o dia.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

J.R.R. TOLKIEN: SOBRE HISTÓRIAS DE FADA


SOBRE HISTÓRIAS DE FADAS de J. R.R. Tolkien (1892-1973) é um livro indispensável a plena compreensão de seu complexo mundo ficcional. Ao discutir a natureza e significados deste gênero literário o autor nos oferece um interessante painel sobre a função e lugar da fantasia no imaginário moderno e contemporâneo que, decisivamente traduz sua própria concepção literária.
Alem do ensaio que lhe da titulo, também compõe a brochura um pequeno conto intitulado FOLHA POR NIGGLE que pode ser interpretado como uma cândida alegoria do processo de criação artística.
De um modo geral, após a leitura dessas duas preciosas peças literárias, originalmente publicadas respectivamente em 1938 e 1947, nos sentimos compelidos a uma consideração mais cuidadosa e menos ingênua da arte narrativa personificada pelo universo das Histórias de fadas a ponto de vislumbrar sua contemporaneidade, sua importância para a experiência de nossa própria condição humana enquanto sofisticado e precioso exercício de imaginação criadora em meio ao nosso caos cotidiano.
A originalidade das formulações de Tolkien pode ser exemplificada pelos seguintes fragmentos onde a articulação entre realidade e fantasia nas histórias de fadas contraria em boa medida o senso comum:

“... E de fato as histórias de fadas tratam em grande parte, ou ( as melhores) principalmente, de coisas simples e fundamentais, intocadas pela Fantasia, mas essas simplicidades tornaram-se mais luminosas pelo seu ambiente. Porque o criador de histórias que se permite “tomar liberdades” com a Natureza pode ser seu amante, não seu escravo. Foi nas histórias de fadas que primeiro pressenti a potência das palavras e o prodígio das coisas, como pedra, madeira, ferro, árvore e grama, casa e fogo, pão e vinho.”


( J.R.R. Tolkien. Sobre História de Fadas/tradução de Ronald Kyrmse. SP: Conrad Editora do Brasil, 2006, p.67)


Falando mais especificamente de uma das várias modalidades de “escapismo” das histórias de fada, Tolkien considera qunto a estrutura de sua narrativa que,

“O consolo das histórias de fadas, a alegria do final feliz, ou mais corretamente da boa catástrofe, da repentina “virada” jubilosa ( porque não há um final verdadeiro em qualquer conto de fadas), essa alegria, que é uma das coisas que as histórias de fadas conseguem produzir supremamente bem, não é essencialmente “escapista” nem “fugitiva”. Em seu ambiente de conto de fadas- ou de outro mundo- ela é uma graça repentina e milagrosa: nunca se pode confiar que ocorra outra vez. Ela não nega a existência da discatástrofe, do pesar e do fracasso: a possibilidade destes é necessária a à alegria da libertação. Ela nega ( em face de muitas evidências, por assim dizer) a derrota final universal, e nessa medida é evangelium, dando um vislumbre fugaz de alegria Alegria além das muralhas do mundo, pungente como o pesar”

( idem. P. 77)

GOOD MORNING!


Mergulho no hoje
Da vida
Despido de futuros
Ou projetos de mundo.

Apenas vivo o momento
antevendo
o segundo seguinte
em provisória adivinhação
do imediato.

Não me importa
O acaso de biografias.

Apenas respiro o sol,
O azul e as cores
Embriagado de dia
Como se não houvesse amanha...

terça-feira, 19 de maio de 2009

META FILOSOFIA

Preciso de um instante
Diante de mim mesmo
Para contemplar meu rosto
No alem das certezas
De cada dia,
Viver intensamente acasos,
Ocasos, desejos e deslocamentos,
Até o mais profundo abraço
De noite e poesia.
No céu aberto de um possível
E certo futuro de sol tardio,
De deslocamento de ego...
Preciso explodir
Como um grito de vida...

domingo, 17 de maio de 2009

ROBERTO MUGGIATI. ROCK: O GRITO E O MITO


Lançado originalmente em 1973 e atualmente esgotada, a obra Rock: O grito e o Mito de Renato Muggiati, apesar de datada em alguns aspectos, permanece sendo uma referência importante para aqueles que se interessam pela história do rock. Cronologicamente ele cobre um período que vai dos primórdios nos anos 50 a inicio dos anos 80 do último século, o que lhe circunscreve a evolução do chamado rock clássico.
A analogia entre Rock e grito feita pelo autor, uma das chaves de leitura de sua pesquisa, é particularmente interessante. Remete, antes de tudo ao significado do rock, enquanto fenômeno cultural surgido em determinado contexto de crise de valores dos EUA no pós II Grande Guerra. Pensando esse momento vinculado ao progresso das mídias eletrônicas, não é surpreendente a possibilidade de paralelos com a relação contemporânea dos jovens e as mídias e linguagens digitais.
Nas palavras do autor:

“... Se a canção popular americana já por volta de 1950 havia perdido sua função social, é preciso lembrar que o blues, concreto e vital, tinha sobrevivido a todas essas mudanças.Ganhando corpo depois da Primeira Guerra Mundial quando a canção popular ou era marcadamente triste, ou alegre e buliçosa, a mistura doce amarga do blues abria uma nova frente musical, que seria trazida até nossos dias pelo rock e pelas modernas formas de blues e soul. O blues olhava o mundo sem ilusões como a coisa complexa que é. Cultivava, por exemplo, uma certa ironia ( “Eu antes te amava,mas,ora, vá para o raio que te parta!”). Segundo LeRoi Jones ( Blues People), o grito e o blues eram acima de tudo afirmações da individualidade do negro. Manifestavam sua consciência de separação do restop da sociedade americana. Também como os negros arrancados bruscamente do seu solo natal, os jovens de metade do século XX se viram de repente sem raízes, jogados numa terra incógnita, cenário novo e ameaçador. Até o começo do século, a tradicional família praticava impunimente a lavagem cerebral dos filhos: o mesmo repertório de informações e valores era transmitido quase intacto de geração a geração. Com o dilúvio de dados provocado pelos novos media- sobretudo os eletrônicos- esses compartimentos estanques de classes e hierarquias foram invadidos e todo mundo se viu bruscamente na situação de naufrago: nadar para sobreviver. Nadar, no caso, equivalia a digerir e manipular convenientemente a massa de informação despejada diariamente pela industria das comunicações. Foi dentro dessas condições que os jovens, para se defender, criaram um campo de informação próprio. Na realidade, o movimento que uns definem como “contracultura”, outros como “revolução cultural”, é formado por muitas dessa nova ideologia e sua colocação em prática será a luta das próximas décadas.”

(Roberto Muggiati. Rock, o Grito e oi Mito: A musica pop como forma de comunicação e contracultura. Petrópolis: Vozes,3° edição, 1981, p.11-12)

REAL

A vida não nos oferece
Mais do que a superfície
De cada momento,
Do que a emoção
Das cores
Em escrita de fantasia
Através de pessoas e coisas...

Há mais realidade
Nos adjetivos
Do que nos substantivos...

“I am mysey but a vile link
Amidlife’s weary chain.”

PERDAS

Eu amo o vazio
Que me leva a duvida;
O absoluto do absurdo
De estar aqui agora
Em palavras e vento
Contemplando o universo.

Eu amo o que passa,
Dentro de mim e no mundo,
E se perde em infinito vazio
Que me desloca,
Me rasga,
Em vontade de presente
E dos outros
Em definitivos silêncios...

sexta-feira, 15 de maio de 2009

ENTRE MATURIDADE E INFÂNCIA


Habitualmente representamos a infância como a era dourada de nossas biografias, como aquele período mágico e lúdico da vida em que freqüentamos um mundo de cores vivas e contraditórias indiscutivelmente alegre; algo a parte do que se convencionou chamar vida adulta ou madura.

Evidentemente, trata-se de uma representação fantasiosa, mesmo que para sustentá-la possamos recorrer a uma série de pueris e caros fragmentos de memória sobre ocasiões de inocente felicidade perdida.

De modo geral, a infância, ao contrário de nossas apropriações subjetivas de adultos, não passa de um período de indefinições, inseguranças, fragilidades e dependências quase ilimitadas que levam as crianças a ansiar o quanto antes a experiência da maturidade social e etária.

Talvez o que nos conduza a fantasiar a infância seja nossa irresponsabilidade e impulsividade reprimida, indomável apesar do império das racionalidades e pseudo maturidades do pactuado mundo das convenções; nossas frustrações e decepções com as complexas dinâmicas da vida adulta.

Crescer, torna-se um individuo etariamente ativo significa quase sempre assumir o desencantamento do mundo e a desfuncionalidade da realidade contra a qual lutamos todos os dias para sobreviver como apêndices de nossas artificiais responsabilidades em meio ao caos onipresente.

LITERATURA INGLESA XLIV


Alice at 80 ou Alice aos 80 do poeta e romancista norte americano David R. Slavitt, é um curioso exercício de imaginação literária. O livro em questão possui como tema central as permanências na idosa Alice Liddell da experiência de infância estabelecidas pelo seu relacionamento com o reverendo Charles Dodgson, mais conhecido pelo seu pseudônimo Lewis Carroll. Cabe esclarecer que Alice Liddell fora a musa inspiradora de sua obra clássica Alice no País das Maravilhas e Alice no Espelho.
Cabe esclarecer que Carroll é polêmico entre os seus biógrafos pelo seu voyeuismo, pelo seu discreto erotismo e curiosa amizade com garotinhas que gostava de fotografar e destinar pequenas missivas. A imaginação de R. S. Slavitt nos permite preencher os vazios deixados por esses heterodoxos relacionamentos.
O ponto de partida da narrativa é a homenagem prestada a Alice Liddell, então com 80 anos, pela universidade de Columbia/ NY, através do diploma de doutora honoris causa em Letras, como parte das comemorações do centenário do autor em 1932. A partir daí fantasia e realidade se misturam construindo uma profunda e fascinante aventura psicológica envolvendo Alice, sua família e o reencontro com outras duas antigas modelos ou amiguinhas mirins de Carroll, como a personificada pelo fragmento que segue:

“... Minha impressão daquele primeiro momento está obscurecida por outros momentos, mas acho que me comportei adequadamente- quero dizer, de acordo com os desejos e necessidades dele. E acho que ele me pôs no chão e voltei para a plataforma. Acho que foi isso. Talvez tenha mandado que eu me vestisse. Seja como for, sei que desapareceu no quarto ao lado, para apanhar outro pedaço de carvão. Ou outro pretexto qualquer. Certamente saiu para se masturbar.
Imagino que fosse isso, baseando-me em experiências posteriores. Para a maioria das meninas que ele convencia a posar para fotografias ou desenhos, acho que era o máximo que fazia- mandar a garota tirar a roupa, beija-la e abraça-la sentando-a no colo, e depois desaparecer no outro quarto. Nada que pudesse provocar grandes distúrbios psicológicos. Algumas delas provavelmente nem percebiam o que estava acontecendo. Eu sabia porque era mais velha do que a maioria das amiguinhas dele e porque tinha tido uma vida diferente. Além disso, tinha consciência das possibilidades, porque minha própria mãe tinha raspado meus pêlos”.

(David R. Slavitt. Alice aos 80/tradução de Aulyde Soares Rodrigues. RJ: Rocco, 1986, p.142-143 )

PENDÊCIAS COTIDIANAS

I

Procuro princípios
No mais imperfeito
Do provisório saber
De ser entre as coisas.
Transcendo-me
Em silêncios e sensações
Buscando soluções passageiras
Para as pendências
De ontem...

II

O quase saber
Do meu provisório
Viver de acasos
Entre sombras
Desconstroe-se
Na adivinhação do nada
Entre as sobras do dia...

quarta-feira, 13 de maio de 2009

LIFE....


Cada instante de vida é um desafio de acasos, de percepções de caos de universo, que me conduz ao risonho da minha finitude e ao mínimo absoluto do nada de meus imprecisos momentos biografias... Sou tudo que faço no se fazer de acasos como principio do caos que inventa o mundo.

terça-feira, 12 de maio de 2009

FUTURE


Vivo diariamente
O mito do dia seguinte,
A essencial incerteza
Da expectativa de um novo
Que me transforme
Em realidade
entre os desfocados
Acontecimentos
Que fazem a vida.

Talvez,
Eu nunca exista
Como perpétuo fato
De singular humanidade...

segunda-feira, 11 de maio de 2009

FILOSOFIA DO QUERER DESEJO

Todo o querer do mundo
Não cabe no desejo
Que pela vida
me move
em buscas de imensidões.

O universo acontece
Em vontades múltiplas,
Em dialógicos conflitos
Que se propagam ao infinito
Na significação positiva
De VAZIOS,
CARÊNCIAS,
APETITES

E DESAFIOS...

CRÔNICA RELÂMPAGO LIII

Cotidianamente,muitas vezes falamos apenas para fazer barulho, para preencher o incômodo silêncio que surge do estar a presença de outras pessoas. Freqüentamos sistematicamente o lugar comum da linguagem, da superficialidade de nosso ser entre os outros.
O decisivo nisso é que realmente não temos nada de muito significativo a dizer ou compartilhar uns com os outros. O fazer-se da vida dar-se sob o signo da banalidade e a construção de nossa individualidade, o mais profundo de nossa experiência privada de estar no mundo é essencialmente incomunicável....

terça-feira, 5 de maio de 2009

“NOTHING’S GONNA CHANGE MY WORD...”

Invento um instante dourado
De piruetas
Para rir das sutilezas
Que somam a realidade
Ao doce das fantasias.

The fool on the hill...
Across the universe...
“NOTHING’S GONNA CHANGE MY WORD...”
A linguagem me devora
No virtual exercício de ser....
Em irracional existência
Em decafônicas decomposições...

Mas a vida
Tende a si mesma
Em um silêncio de tempo
Que passa...

JOHN LENNON E 1969: 40 ANOS DEPOIS...


O longo Século XX foi, entre outras definições possíveis, a Era das Individuações. Dentre os indivíduos singulares gerados por ele, John Lennon ocupa um lugar realmente especial em meio ao labirinto de suas contradições, impasses, ingenuidades, senso de humor ou de liberdade e aposta em alguma possibilidade de desdobramento futuro de seu generoso tempo social e epocal marcado por esperanças radicais de desconstruções e reconstruções do mundo compartilhado a partir da singularidade e originalidade da experiência da individualidade...
Vale à pena resgatar aqui, por tudo isso, um momento especial de sua trajetória subjetiva ocorrido no já distante ano de 1969, lembrado por Lucia Linhares, em um pequeno e despretensioso ensaio biográfico que nos leva a refletir sobre seus dilemas enquanto figura pública, sobre suas recusas e irreverente afirmação de si mesmo conmo sendo apenas um individuo entre os outros e além das projeções que lhe eram coletivamente impostas:


“... No começo de outubro, o New Cinema Club, de Londres, apresentou alguns filmes de John, entre eles uma première: SELF PORTRAIT. Durante 15 minutos vemos o pênis de John e mais nada, a não ser uma ereção em câmera lenta. As interpretações foram muitas: mais uma mostra de seu senso de humor, mais uma agressão à critica, mais uma tentativa de filmar o absurdo... John disse, na época:
“ Eu me recuso a liderar, e vou sempre mostrar meus genitais, ou fazer qualquer coisa que me previna de ser Martin Luther King, ou Ghandhi, e ser morto.” ( One Day a Time)
Numa manhã de novembro John acordou e pediu ao motorista que fosse até a casa de Tia Mimi buscar a medalha da Ordem do Império Britânico que estava em cima do aparelho de televisão. John resolvera colocar em prática uma idéia que há um ano tinha na cabeça; a Inglaterra envolvia-se no Vietnã, no conflito Nigéria e Biafra, e John não estava gostando nada disso. Foram ao escritório e John redigiu uma carta:
“Sua Majestade,
Estou devolvendo a Ordem do Império Britânico em protesto contra o envolvimento da Inglaterra no caso de Biafra-Nigéria, contra o nosso apoio à presença dos EUA no Vietnã e contra a baixa colocação de Cold Turkey nas paradas de sucesso.
Com amor
John Lenon do Saco” ( “of the bag”, uma referência ao “ bagism”)
Poucas pessoas entenderam a piadinha com Cold Turkey. Esta brincadeira não impediu, entretanto que Bertrand Russel admirasse o ato de John e lhe mandasse congratulações.”


(Lucia Villares. Lennon: No céu de diamantes. SP: Brasiliense( coleção Encanto Radical), 1992, p.94-95)
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sábado, 2 de maio de 2009

DOCE MELANCOLIA

A serena paisagem
De um dia de outono
Comunica-me mais coisas
Do que qualquer
Palavra humana.

Desejo apenas, então,
Ficar entre as coisas,
Em silêncio,
Vivenciando



As mágicas certezas
Do estar vivo,
Explorando o pensar
Dos pensamentos
Nas abstratas sensações
Do corpo em reflexões,
Em sentimento
De renovações e chuvas
Em fertilidade de sonos, sonhos
E sombras de amanhãs possiveis.

PARADOXO TEMPORAL

Sinto saudades
Do meu destino,
De tudo aquilo
Que não me tornei
Na vontade de ser
Um outro
Que jamais aconteceu.

O fato
É que não me vejo
Nas virtuais versões
De mundo
Que me inventaram...

MEMORY...


A memória é em grande parte um inventário de lugares, pessoas, coisas, sensações e emoções que nos inventaram. A memória é uma espécie de silêncio em movimento onde o passado surge como sonho...