terça-feira, 25 de setembro de 2007

CRÔNICA RELÂMPAGO IX

O Tempo da permanência de objetos e lugares em nossas vidas tornou-se incerto e imprevisível, convertendo-se em uma perfeita alegoria para as emergentes sensibilidades do tempo presente. Se tempo e espaço são inequivocadamente categorias contingentes da percepção consciente, historicamente enraizadas e enraizadoras da cultura moderna, sua articulação em nosso referencial de mundo vem se tornando cada vez mais complexa na medida em que deixamos, por exemplo, de ter e viver aquilo que chamaria, um pouco impropriamente, de “culturas pessoais de memória”. Em outros termos, nossos descartáveis utensílios domesticos, fotografias e caseiros filmes digitais já não possuem hoje em dia uma aura viva, uma alma ou marca que lhes permita sinalizar significativamente nosso lugar no tempo e espaço de todos os dias, uma permanência ontológica relativa capaz de tornar o nosso mundo pessoal significativamente inteligível.
Uma visita a antiquários, o contato com a atmosfera e realidade mágica que a ontologia dos objetos antigos propiciam, como se quase dizendo a essência dos contextos e vidas a que pertenceram, é mais do que suficiente para a constatação de que algo mudou nas estratégias construtivas de nosso universo pessoal. Uma velha escrivaninha era como um monumento do existir biográfico do seu dono, algo que se incorporava ao seu próprio mundo vivido, como uma missiva escrita em cuidadosa caligrafia. Hoje em dia, nossos objetos são descartáveis como as próprias realidades estabelecidas pelos nossos contextos vividos. Não me cabe aqui dizer se isso é positivo ou negativo, mas apenas constatar que algo mudou e não apreendemos ainda todos os possíveis desdobramentos e significados disso...

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