quarta-feira, 8 de agosto de 2007

SOBRE A ALQUMIA OCIDENTAL II... EM TORNO DA PEDRA FILOSOFAL



A idéia central da simbologia alquímica ocidental é, indiscutivelmente, a experiência da totalidade que, de variadas formas, fez-se representar mediante imagens como a de uma substância arcana, do andrógino, da anima mundi, ou ainda, de um deus “terrenus” que conduz a superação de todas as misérias e mazelas humanas. O caráter terapêutico da alquimia reside justamente nesta desmedida ânsia de, por intermédio de algum artifício obscuro, lançar uma ponte entre o macro e o micro cosmos, ou modernamente falando, entre a consciência e o inconsciente, superando o estado de dissociação característico da cultura ocidental. Enquanto o Cristianismo busca uma unio mentalis in superatione corporis ( uma união mental na superação do corpo), a alquimia busca o mesmo objetivo mediante o conhecimento da natureza e da matéria.
O paralelo christus-lapis ( cristo- pedra filosofal) e a utópica busca de um “algo volátil” , misterioso e incorruptível, que seria a própria imagem do demiurgo na matéria, origina-se da idéia de uma substância celeste possível de ser quimicamente representada e concretamente obtida. Este remédio universal e redentor que, verbalmente , só pode ser tomado como fantástico ou insólito, é na verdade muito mais do que uma descabida e arbitrária fantasia. Este objeto que expressa o mysterium coniunctionis ( mistério da união), ou realização do Unus Mundus, é uma imagem definida pelo mesmo arquétipo que originou a imagem do herói redentor que une o céu e a terra.
Em um antigo tratado medieval, cuja autoria a tradição atribui a SÃO TOMÁS DE AQUINO, encontramos a seguinte definição desta pedra que representa a meta da grande obra :
“ Como ensina Avicenna, em sua epístola ao rei Assa, nós procuramos obter uma substância verdadeira por meio de diversas outras, intimamente fixadas; e que tal substância, sendo levada ao fogo, mantém-no e alimenta-o; e que além disso seja penetrativa e que tinja o mercúrio e os outros corpos; tintura realíssima com os pesos requeridos e ultrapassando, por excelência, todos os tesouros do mundo.” (AQUINO, São Tomas de. O tesouro secretíssimo de Frei Reginaldo, in A pedra Filosofal e a arte da alquimia. Florianópolis: Livraria e Editora Obra Jurídica LTDA; p.63.)

No presente fragmento temos apenas uma descrição do objetivo da opus, da substância universal e una que representa um estado de perfeição da própria matéria. Já em um outro tratado atribuído a Basílio Valentim, monge beneditino que teria vivido na primeira metade do século XV, esta milagrosa substância, materialmente produzida mas de natureza “espiritual”, é assim descrita:

“...Contudo a nossa pedra, como soube através de filósofos antigos, é feita e composta de duas coisas e de uma das quais está oculta uma terceira, e esta é a verdade publicamente anunciada, sem nenhuma ambigüidade nem fraude, porque o marido e a mulher eram tomados pelos antigos filósofos como um só corpo, não por causa dos acidentes externos que tiveram, mas por causa do seu amor recíproco e da virtude uniforme produtora do seu semelhante nascido e contido, num e noutro, desde a sua primeira origem. Tanto assim é que possuem uma virtude conservadora e propagadora da espécie, do mesmo modo que a matéria de que é produzida a nossa pedra se pode multiplicar e expandir pela virtude seminal que tem. ( Basílio, VALENTIM. Acerca da pedra filosofal. In, ZALBIDEA, Vitor e outros (org.) Alquimia e Ocultismo, Lisboa: Edições 70, s / d ; p.120.)

A pedra é, portanto, obtida através da dialética dos opostos ocultos nas profundezas da matéria. O simbolismo aqui utilizado é muito semelhante ao da câmara nupcial dos evangelhos gnósticos anteriormente comentados. Cabe observar, além disso, o caráter fecundante ou multiplicador atribuído a pedra enquanto estado perfeito da matéria redimida. Bom lembrar que a recorrente recorrência a uma tradição filosófica remota, observada nos dois fragmentos acima nada tem de gratuita. Indo mais longe que as evasivas referências feitas por estes dois autores, cabe lembrar que, enquanto imagem do inconsciente, a pedra filosofal realmente possui antecedentes antigos como, por exemplo, a pedra que Crono devorou e vomitou apenas quando Zeus o obrigou a dar de volta os filhos que havia devorado. A mesma, por ordem do pai dos deuses, tornou-se objeto de culto em Pytho. Este culto a pedra remonta a pré-história, mas este não é o espaço para devidamente considera-lo.

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