domingo, 3 de abril de 2022

O ENÍGMA DO ROSTO

O rosto é uma fabulação inerente a sensibilidade moderna que inventa o indivíduo entre o biológico e o político. Nele se inscrevem valores, signos, poderes. 
Através dele, a alma se desenha claramente como prisão do corpo, pois a expressão facial  foi convertida em uma metafísica da interioridade e da identidade. Mas o que é esta interioridade e identidade além de simulacro, um silêncio que nos veste a pele e transveste a consciência através dos signos?
Neste sentido, longe de individualidade, o rosto expressa a multiplicidade, a diversidade do único, o ilegível da experiência humana, a banalidade e nulidade de sua própria expressão. 
 O rosto é o outro do olhar normativo que nega em nós o animal e impõe o impessoal da civilidade ao corpo. Corpo que deve ser sempre escondido ou representado pelo rosto, sempre previsível e sociável, ou, simplesmente, classificável.

Carlos Pereira Júnior 
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"A expressão é um elemento crucial no desenvolvimento do indivíduo ocidental. Está aí, toda importância do rosto, que constitui o traço sensível desse processo. O rosto é ao mesmo tempo o lugar mais intimo e mais exterior do sujeito, aquele que traduz mais diretamente e da maneira mais complexa a interioridade psicológica e também aquele sobre o qual recaem as mais pesadas restrições públicas. São os rostos que se perscruta antes de tudo, são os olhares que se procura captar para decifrar o individuo. Isso explica o paradoxo central que percorre este livro e que é constitutivo do indivíduo  moderno: esse processo, que é ao mesmo tempo, indissoluvelmente, o de uma individualização e de uma socialização pela expressão,  incita à expressão da interioridade, a manifestação dos sentimentos, ao mesmo tempo em que impõe ao rosto o silêncio,  relativo ou profundo, da inexpressividade."
Jean-Jacques Courtine, Claudine Haroche. História do rosto. Exprimir e calar as emoções ( do século 16 ao começo do século 19). Petrópolis: Vozes, 2016, p.244-245.

domingo, 27 de março de 2022

O INFINITO DA FLOR

Há mais vida
no corpo de uma flor
do que realidade
em uma forma humana.

A verdade da vida
é que não existe verdade.
Todos os valores
podam a experiência
do plural e da imanência 
que devem natureza.

O infinito da flor
é menor do que um dia de jardim.

terça-feira, 22 de março de 2022

INTUIÇÃO DE VIDA

Sei dentro de mim
uma estranha melodia
que inventa palavras,
uma percepção que devêm
em consciência,
 que foge,
que busca,
qualquer coisa inominável
que define a existência 
como natureza 
além do humano
entre a percepção e a necessidade de criar.

domingo, 20 de março de 2022

ESCRITA NIILISTA

Escrevo a vida
para inventar distâncias 
entre o eu e o mundo,
entre o passado e o futuro.

Minha consciência desrazoável 
duvida de tudo,
desacredita radicalmente da existência,
da experiência das coisas,
do significado do fluxo de momentos incertos
que me torna um ser único
em movimento
entre o dentro e o fora
da percepção.

sábado, 19 de março de 2022

PENSAMENTO DIONISÍACO

Dance o pensamento
até  o limite do tempo,
até a vertigem da reflexão. 

Faça do corpo uma idéia em movimento
através das afecções, 
das imagens consteladas
na imaginação. 

Que não haja fronteira
entre a vida e o mundo,
o eu e o outro,
entre a razão e o absurdo.

Dance o pensamento
e descubra o canto
de uma nova terra
na intensidade do chão,
na destruição do Uno e do absoluto.

Embriague-se de matéria,
em um fluxo de vida, morte, 
e ilusão. 

sexta-feira, 18 de março de 2022

MORTOS VIVOS

As pessoas parecem felizes em uma sociedade triste, porque desconhecem tudo aquilo que a vida poderia ser.
Existimos em uma sociedade de mortos vivos,
de corpos domesticados,
cotidianamente assassinados por relações de poder.

VIDA AUSÊNTE

A vida é qualquer coisa que anda por aí desencontrada de nossa existência. 
Perder-se da vida foi, afinal, a mais elementar condição da evolução humana.
Viver não está em nada que nos acontece.

quarta-feira, 16 de março de 2022

O MUNDO NÃO É UM LUGAR

O mundo escapa ao corpo,
não cabe na consciência, 
na imaginação, 
ou no devir de nossas vivências.


O mundo, simplesmente,
converteu-se em signos em movimento,
já não define o sensível ou
o visível.
Reduziu-se a discursos,
conceitos e informações,
que desafiam todas as certezas
que nos convocam a ação. 

O mundo é um lugar que não existe
mas nos surpreende em todos os lugares.

O mundo é onde estamos sempre a um passo de estar.



 







terça-feira, 15 de março de 2022

OS DIAS PASSAM

Os dias passam cegos
no teatro da tela,
no virtual,
no simulacro,
de imagens prisão. 

A realidade oca embriaga o olhar,
inventa o sem tempo do novo acontecer das coisas.

Os dias passam
nas horas do sempre igual
e nada mais acontece
dentro de nós.

sexta-feira, 11 de março de 2022

DA NATUREZA

A natureza segue indiferente a si mesma.
Dela estão ausentes valores,
moral e propósito,
toda miséria produzida pela imaginação humana.

A natureza é 
puro jogo de forças
na inconstância de tudo que existe.
Ela não tem alma,
e nem mesmo sabe 
que nos sonha.