quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

ESCREVER...

Ainda que eu seja menor do que as palavras que diariamente inventam minha vida, sei que meu dizer é infinito. Jamais esgotarei as possibilidades do branco da folha. Mas sempre estarei  tentando, através de cada novo enunciado, dizer o indizível, o insustentável e insuportável, que dorme no fundo do discurso. Aquele significado quase ilegível que me escapa na aventura de cada verso ou linha. 

Quero do real atingir a nervura onde o vazio do ser da linguagem se confunde com a aventura do meu próprio corpo transfigurado em literatura.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

O SENTIDO DE NOSSAS PALAVRAS


Palavras náufragas tentam reinventar a vida,
Redefinir o mundo,
Mas escrevem apenas silêncios.

É como se nada mais pudesse ser dito.
Pois há uma ausência crescente em nosso dizer das coisas,
Um tedio de sentido que tudo reduz a informação.

O dizer do mundo nos escapa através de delirantes representações,
Enquanto enunciados à margem da verdade povoam nossa imaginação.

Já não sabemos o que somos,
O que seremos,
Quando atingirmos a parte final do texto que nos inventa.

LINGUAGEM E EXISTÊNCIA


Cada um deve criar sua cota pessoal de significados para orientar-se no mundo, inventar sua própria linguagem no plano da imanência e do cotidiano. Imagens de pensamento  não são pressupostos apenas do saber filosófico, mas algo inerente a própria existência através do exercício da linguagem. Existir, tornar-se um indivíduo, é a aprender a dizer o mundo a sua maneira, de uma forma cada  vez mais rica e complexa.



segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

O TEMPO NOS OLHOS

Os anos não inventam o tempo.
Fazem acontece a vida,
O vazio e o mundo
Dentro da gente.
Mas todos os fatos juntos
Não me definem o rosto.
Meus olhos criam espaços,
Alimentam silêncios e  vazios...


sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

GATOS E PÓS ESTRUTURARISMO


Gatos combinam com boa filosofia. São animais profundamente intuitivos, curiosos e elegantes. São excelentes observadores e guardam no olhar aquele brilho enigmático que parece desafiar a própria realidade ...

Gatos possuem formas sofisticadas de subjetivação. Combinam com filósofos pós estruturaristas...



A AUSÊNCIA QUE SOMOS NÓS

Em seu ensaio intitulado Nudez, Giorgio Agamben nos oferece uma reflexão interessante sobre a obsessão pelo rosto em detrimento do corpo:

“ Na nossa cultura, a relação rosto/corpo é marcada por uma assimetria fundamental, que quer que o rosto permaneça sempre mais nu, enquanto o corpo está por norma coberto. A esta assimetria corresponde um primado da cabeça, que se manifesta dos modos mais variados, mas que permanece mais ou menos constante em todos os âmbitos, da politica ( na qual o titular do poder é chamado de capo) à religião ( a metáfora cefálica de Cristo em Paulo), da arte ( na qual se pode representar a cabeça sem corpo- o retrato- mas não- como é evidente no ‘nu’- o corpo sem cabeça)à vida cotidiana, na qual o rosto é por excelência o lugar da expressão. Isso aparece confirmado pelo fato de que, enquanto as outras espécies animais apresentam muitas vezes  precisamente no corpo os signos expressivos mais vivos ( os acelos da pele do leopardo, as cores flamejantes das partes sexuais do mandril, mas também as asas da borboleta e a plumagem do pavão), o corpo humano é singularmente desprovido de traços expressivos.”
(Giorgio Agamben. Nudez. Tradução: Davi Pessoa Carneiro, 1º reimpressão. BH: Autentica Editora, 2015, p.126)

O rosto humano é uma paisagem desconcertante. É ela que define nossa noção de pessoa, a identidade de alguém, de um modo mais imediato e direto. O rosto expressa como nos sentimos.  Ao mesmo tempo, entretanto, o rosto é dissimulação, ilusão do eu, ao proporcionar a ideia de uma falsa profundidade que nos leva a acreditar demasiadamente em nós mesmos, a mistificar um retrato.

Assim, o rosto é idêntico à máscara em sua expressão não verbal de significados.  Há sempre uma ausência em nossa presença física e concreta, algo que escapa a nós mesmos e aos outros, mas o rosto é onde julgamos preenchida esta ausência que mais diretamente vivemos na experiência do resto do corpo. Esta ausência, afinal,  é nossa própria condição humana...



A SINGULARIDADE HUMANA

O mais profundo segredo de uma existência humana é seu acontecimento singular. Pois nossa existência é uma construção social, um acontecer entre os outros. Participamos de códigos imagéticos e linguísticos que são coletivos e, entretanto esta “coletividade” acontece através de cada um de nós.  

O individuo é aquele campo de forças onde tudo é possível. Ele é um meio e um fim de toda fenomenologia humana. Dai a fragilidade de nossa singularidade e nossa vulnerabilidade a loucura. A consciência individual e diferenciada é algo tão recente na história da vida humana que ainda engatinha.  Talvez nem mesmo atinja a maturidade.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

O EU E O CORPO


O que faz de mim quem eu sou? Talvez minha capacidade de dizer a mim mesmo e ao mundo, de estabelecer com os outros praticas discursivas onde o “nós” define o “eu”. Mas isso não responde a questão “quem eu sou?”. Por que este ser que se diz “eu”, na qualidade de um pensamento, não passa de abstração. O corpo é a medida de nossa existência e não um eu que lhe usa como máscara e razão.


INCONSCIENTE COLETIVO E SUBJETIVIDADE

Para Jung os processos psíquicos antecedem a consciência do eu e o pensamento existe muito antes da consciência do próprio pensamento. Isso porque, para ele, o pensamento, a razão, não são processos autônomos, mas dependentes de uma dada estrutura cognitiva, são, em outros termos, funções psíquicas conectadas a um grande processo psíquico que é como uma realidade in potenctia.

Tal como o corpo contem toda a história evolutiva da humanidade através do DNA, o psíquico possui algo equivalente a isso, que seriam os arquetípicos, pois através de imagens (complexo de representações) eles se manifestam na consciência como uma espécie de ordenador inconsciente buscando alcançar objetivos como todo organismo vivo. O inconsciente coletivo é como aquela condição previa ou esquemas constituintes da psique que em si mesmo são imperceptíveis e não representáveis, mas que configuram todas as nossas representações.


Assim, nossa subjetividade não deve ser buscada na afirmação sempre relativa do eu como centro da consciência. Deve-se mesmo questionar até que ponto somos senhores ou escravos de nossos pensamentos e formulações. 

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

O EGO SEGUNDO JUNG

Uma das premissas que considero mais interessantes para uma psicologia pós junguiana é aquela sugerida pela formulação de Jung sobre a natureza do ego. Para ele, como se sabe, o ego era um complexo dentre muitos outros,  articulado a uma diversidade de processos psíquicos que o tornam centro do fenômeno da consciência. Ao mesmo tempo sua autonomia em relação as dinâmicas da psique objetiva e, até mesmo sua substancialidade, são fenômenos profundamente relativos...


“... A consciência do eu é um complexo que não abrange o ser humano em sua globalidade: ela esqueceu infinitamente mais do que sabe. Ouviu e viu uma infinidade de coisas das quais nunca tomou consciência. Há pensamentos que se desenvolvem à margem da consciência, plenamente configurados e complexos, e a consciência os ignora totalmente. O eu sequer tem uma pálida idéia da função reguladora e incrivelmente importante dos processos orgânicos internos a serviço da qual está o sistema nervoso simpático. O que o eu compreende talvez seja a menor parte daquilo que uma consciência completa deveria compreender.

O eu, portanto, só pode ser um complexo parcelar. Talvez seja ele aquele complexo singular e único cuja coesão interior significa a consciência. Mas qualquer coesão das partes psíquicas não é em si mesma a consciência? Não se vê claramente a razão pela qual a coesão de uma certa parte de funções sensoriais e de uma certa parte do material de nossa memória deve formar a consciência, enquanto a coesão de outras partes da psique não a forma. O complexo da função de vista, da audição, etc., apresenta uma forte e bem organizada unidade interior. Não há razão para supor quer esta unidade não possa ser também uma consciência. Como bem nos mostra o caso da surda-muda e cega Hellen Keller, bastam o sentido do tato e a sensação corporal para tornar possível a consciência e faze-la funcionar, embora se trate de uma consciência limitada a estes dois sentidos. Por isto eu acho que a consciência do eu é uma síntese de várias “consciências sensoriais”, na qual a autonomia de cada consciência individual fundiu-se na unidade do eu dominante.

Como a consciência do eu não abrange todas as atividades e fenômenos psíquicos, isto é, não conserva todas as imagens nela registradas, e como a vontade, apesar de todo o seu esforço, não consegue penetrar em certas regiões fechadas da psique, surge-nos naturalmente a questão se não existiria uma coesão de todas as atividades psíquicas semelhante à consciência do eu, uma espécie de consciência superior e mais ampla na qual o nosso eu seria um conteúdo objetivo, como, por exemplo, o ato de ver, em minha consciência, fundido, como esta, com outras atividades inconscientes em uma unidade superior. A consciência de nosso eu poderia certamente estar encerrada numa consciência completa, como um circulo menor encerrado em um maior.”

( C G JUNG. Espírito e Vida, in OBRAS COMPLETAS DE C.G. JUNG. Volume VIII/2 “A Natureza da Psique/ tradução de Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha. Petrópolis: Editora Vozes, 3° ed, p. 266 )