Em seu ensaio intitulado Nudez, Giorgio Agamben nos oferece
uma reflexão interessante sobre a obsessão pelo rosto em detrimento do corpo:
“ Na nossa cultura, a relação rosto/corpo é marcada por uma assimetria
fundamental, que quer que o rosto permaneça sempre mais nu, enquanto o corpo
está por norma coberto. A esta assimetria corresponde um primado da cabeça, que
se manifesta dos modos mais variados, mas que permanece mais ou menos constante
em todos os âmbitos, da politica ( na qual o titular do poder é chamado de
capo) à religião ( a metáfora cefálica de Cristo em Paulo), da arte ( na qual
se pode representar a cabeça sem corpo- o retrato- mas não- como é evidente no ‘nu’-
o corpo sem cabeça)à vida cotidiana, na qual o rosto é por excelência o lugar
da expressão. Isso aparece confirmado pelo fato de que, enquanto as outras
espécies animais apresentam muitas vezes
precisamente no corpo os signos expressivos mais vivos ( os acelos da
pele do leopardo, as cores flamejantes das partes sexuais do mandril, mas também
as asas da borboleta e a plumagem do pavão), o corpo humano é singularmente
desprovido de traços expressivos.”
(Giorgio Agamben. Nudez. Tradução: Davi Pessoa Carneiro, 1º
reimpressão. BH: Autentica Editora, 2015, p.126)
O rosto humano é uma paisagem desconcertante.
É ela que define nossa noção de pessoa, a identidade de alguém, de um modo mais
imediato e direto. O rosto expressa como nos sentimos. Ao mesmo tempo, entretanto, o rosto é
dissimulação, ilusão do eu, ao proporcionar a ideia de uma falsa profundidade
que nos leva a acreditar demasiadamente em nós mesmos, a mistificar um retrato.
Assim, o rosto é idêntico à máscara
em sua expressão não verbal de significados. Há sempre uma ausência em nossa presença física
e concreta, algo que escapa a nós mesmos e aos outros, mas o rosto é onde
julgamos preenchida esta ausência que mais diretamente vivemos na experiência do
resto do corpo. Esta ausência, afinal, é
nossa própria condição humana...
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