sábado, 19 de março de 2011

HOUSE E A FILOSOFIA V

Uma das questões recorrentes nas primeiras cinco temporadas da serie House  é a temática dos delírios e alucinações que, as vezes, envolvem até mesmo o protagonista, como no episódio “sem motivo” do final da  segunda temporada ou “O cérebro de House” e o “Coração de Wilson” do final da quarta temporada. Afinal, o que podemos dizer sobre o tema? 

Em seu DR. HOUSE: UM GUIA PARA A VIDA;  COMO TRIUNFAR COM HUMOR E IRONIA,  o autor, Toni de La Torre, nos esboça uma resposta interessante para a questão sem escutar os ecos de psicodelismo que perpassam muitas falas da personagem central ao longo dos episódios :

“Criar argumentos como dizíamos no capitulo anterior, tem os seus perigos, como o fato deles poderem se chocar contra a realidade. Por esse motivo , House desenvolveu um método infalível  para contornar o que quer que contradiga as nossas hipóteses: acreditar que temos sempre razão e que os demais estão sempre  errados. Submeter a realidade à nossa conveniência não só dará solidez à nossa desconfiança como também nos oferecerá novas e brilhantes oportunidades de nos sentirmos desgraçados.
“Acontece que suas opiniões não dão bons resultados.
Aconselho você a usar as minhas.”
Dr. House ao Dr. Formeman 

O fato é que, normalmente, ninguém se considera errado até que se prove o contrário. Habitualmente, entretanto, lidar com o caos da realidade de modo mais saudável, pressupõe admitir que erramos na exata medida em que todo mundo está em alguma medida errado e, entre os meus erros e os dos outros, eu fico com os meus...já que a própria realidade é uma fantasia coletiva e desfuncional e que não vale a boa experiência de um bom delírio... 

ON THE ROAD



Eu me visto
 com a poeira
que oferece o vento
na estrada aberta.
Vou para qualquer
Outro lugar
Que aqui não seja,
Me afastando do agora
E do sempre igual
Que me diz a roupa...
Apenas vou embora,
Hoje e sempre,
Sujo de poeira , vento
E lembrança...

terça-feira, 15 de março de 2011

POEMA MATUTINO

Procuro-me na urgência



Da urbana paisagem


De cada manhã


Sorvendo cores


E odores no labirinto vivo


Do tempo e espaço do meu corpo


Vestido de mundo.






Tudo me parece distante


Dos sentimentos,


Do vazio de agora


E sempre


Onde me desencontro


Do meu próprio rosto...







segunda-feira, 14 de março de 2011

NOTA SOBRE AS ORIGENS DO ROCK AND ROLL


As origens do rock and roll remetem aos anos 30 do ultimo século quando observa-se o desgaste e declínio das grandes orquestras de swing ou big bands. É quando surgem as jump bands que nos anos cinqüenta passariam a ser chamadas de rhythm and blues. O primeiro destes grupos foi o Harlem Hamfarts, criado em 1936 na cidade de Chicago pelo empresário musical Ink Williams e formado pelos irmãos Joe e Charlie McCoy. Faziam um jazz bem humorado e despretencioso caracterizado por letras eróticas e temas como drogas e sexo. Explorando um pouco o contexto cultural em que eles surgiram é interessante a seguinte passagem do GUIA DO ROCK de Philippe Boouchey:

“Em 1938, um concerto importante, “From Spirituals to Sing”, organizado por John Hammond no Carnegie Hall, revelou o blues e deu-lhe direito de cidadania; é também nessa altura que começa a loucura do boggie woogie, a boogie woogie craze, muito importante para a compreensão do nascimento do rock.

Efetivamente, os pianistas Mead Lux Lewis, Albert Ammons e Pete Jonshon, assim como o cantor Joe Turner foram as sensações do momento, e influenciaram artistas de variedades ( Andrew Sisters) e artistas Country ( Delmore Brothers).

O boggie já existia desde o princípio do século e correspondia à expressão pianística do blues com tempo rápido ( nos trechos lentos o blues não é ligado a esse respeito a expressão primitiva jump-ups- era significativa). Clarence “Prinetop” Smith gravou o hit PINETOP’SBOGGIE WOOGIE em 1928.

O Boogie vinha em parte do ragtime, mas distinguia-se dele por uma simplificação nítida e por uma predominância das linhas de baixo: era necessário fazer-se ouvir nos bordeis e campos de lenhadores onde era tocado. O primeiro estilo era rude, em força, com a onipresença do walkin’bass, ou seja, o harpejo do acorde desenvolvido em oitavas e em colcheias ( eight to the bar).

Como disse tão bem o grande bluesman Sunnyland Slim: “ Já se tocava esse tipo de coisa, com o shuffle, para resultar, desde pelo menos 1923 ou 24. Todos aqueles tipos do Mississipi de quem vocês nunca ouviram falar, fizeram rock durante toda a puta da vida.”

(...)

Graças a eletrificação, os guitarristas de jazz, Lonnie Johnson com a Duck Ellington Orchestra, Eddie Durham com o Kansas City Five e Six ( a secção ritma de Cont Basie com Lester Young) e sobretudo Charlie Christian ( com Bennie Godman), desenvolvem a noção de solo, tocado nota a nota; caberá ao texano T. Bone Walker popularizar este estilo dentro da estrutura blues, no final dos anos quarenta.

Com ele abre-se uma nova era: a do guitarrista solista, apoiado por uma secção ritma que podia incluir uma segunda guitarra. É esta concepção que fará figura e será a base do rock.”

Philippe Boouchey. O guia do Rock, tradução de Ana Isabel Couto; Editora Pergaminho LDA: Portugal, p.26

domingo, 13 de março de 2011

O DIZER DAS PAREDES



As paredes me observam
Entre janelas mortas,
Buscam respostas
Indiferentes ao tempo
E as coisas...

Buscam, unicamente,
Inércias e existências
Enquanto me observam
Com seu sorriso sólido
E plano
De muda interrogação
Que se abre em teto...

A DECADENCIA DAS EMOÇÕES



A decadência das emoções não é de modo algum um sinônimo de objetividade e racionalidade no trato das coisas cotidianas, ao contrário do que crê o senso comum.  Não significa ausência de passionalidade, mas sim sua onipresença e banalização até o ponto em que, de tão saturada de si mesma, a afetividade torna-se esvaziada de qualquer significação consistente. Hoje em dia as emoções não são menos descartáveis do que qualquer crônica mal feita que nos chama momentaneamente a atenção nas páginas do jornal de domingo ou em qualquer janela aberta na web.  Ser possuído por uma emoção deixou de ser uma experiência humanamente concebível em termos de representação subjetiva da realidade para se converter em um passageiro desarranjo fisiológico e nada mais do que isso...

sexta-feira, 11 de março de 2011

POENTE


Deixem-me ir agora.



Lá fora o vento passa


Sob um céu despedaçado.



Já não tenho nada a dizer...


Apenas me deixem ir agora


Enquanto o tempo


Ainda me veste nos fatos


E posso brincar com meus medos.

 Deixem-me ir agora,


Pura e simplesmente,


Visitar o sol poente


E me render ao horizonte...



quarta-feira, 9 de março de 2011

PLUTARCO,TAGARELICE E CONTEMPORANEIDADE


Em seu ensaio sobre a tagarelice Plutarco ( 45-120 DC) realiza um interessante elogio ao silêncio e uma critica  ao falar desmedido e a  conseqüente  incapacidade de ouvir . Mas é interessante assinalar que   este pequeno escrito Helênico ecoa sobre a contemporaneidade de um modo desconcertante.
Afinal, em nenhuma outra época histórica o abuso do exercício da fala foi tão socialmente recorrente a ponto de tornar-se uma premissa de sociabilidade.
Incomoda-nos a tal ponto o silêncio na presença dos outros que preenchemos o cotidiano  com o discurso fácil e descartável inspirado pela linguagem instantânea do jornal matutino.  Nos comunicamos de modo tão automático que pouco nos importamos com o que realmente ouvimos ou dizemos.
O delator vazio do silêncio, que apenas nos lembra de que já não temos absolutamente nada mais de importante a compartilhar uns com os outros, é a premissa de toda verbalogia contemporânea.
Para nós, as seguintes palavras inicias de Plutarco no ensaio em referência causam uma curiosa estranheza:

   “É delicado e difícil para a filosofia empreender a cura da tagarelice. Pois seu remédio, a palavra, é feito para aqueles que ouvem, e os tagarelas não ouvem ninguém, já que estão sempre falando. Eis o primeiro mal contido na incapacidade de  se calar: a incapacidade de ouvir. É uma surdez voluntária, de homens que, suponho, censuram a natureza o fato de terem apenas uma língua, embora tenha duas orelhas.”  

segunda-feira, 7 de março de 2011

EM TORNO DE UM AFORISMA DA MINIMA MORALIA by THEODOR ADORNO


O 19º aforisma da primeira parte da Minima Moralia de T. Adorno é uma minunciosa descrição da micro geografia dos gestos cotidianos reconfigurados pela racionalidade técnica,pela ausência do tato como função perceptiva,no novo tipo de homem que emerge da modernidade tardia da pós sociedade ocidental. 
Escrito no distante ano de 1944 durante seu exílio nos USA, este pequeno fragmento ainda nos arrasta para vertigem dos nossos contemporâneos desertos de danificada  realidade vivida ...

 
“Não Bata a Porta- A tecnificação torna, entrementes, precisos e rudes os gestos, e com isso os homens. Ela expulsa das maneiras toda hesitação, toda ponderação, toda civilidade, subordinando-as às exigências intransigentes e como que a-historicas das coisas. Desse modo, desaprende-se a fechar uma porta de maneira silenciosa, cuidadosa e, no entanto, firme. As portas dos carros e das geladeiras são para serem batidas, outras tem a tendência a fechar-se por si mesmas, incentivando naqueles que entram o mau costume de não olhar para trás, de ignorar o interior da casa que os acolhe. Não se faz justiça ao novo tipo de homem se não se tem consciência  daquilo a que esta incessantemente exposto pelas coisas do mundo ao seu redor, até em suas mais secretas intenções. O que significa para o sujeito que não existam mais janelas que se abram como asas, mas somente vidraças de correr para serem bruscamente impelidas? Que não existam mais trincos de porta, e sim maçanetas giratórias, que não existam mais vestíbulos, nem soleiras dando para rua, nem muros ao redor do jardim? E qual o motorista que já não foi tentado pela potência do motor de seu veiculo a atropelar a piolhada da rua, pedestres, crianças e ciclistas? Nos movimentos que as maquinas exigem daqueles que delas se servem localizam-se já a violência, os espancamentos, a incessante progressão  aos solavancos das brutalidades facistas. No desaparecimento da experiência, um fato possui uma considerável responsabilidade: que as coisas sob a lei de sua pura funcionalidade, adquirem uma forma que restringe o trato delas a um mero manejo, sem tolerar um só excedente- seja em termos de liberdade de comportamento, seja de independência da coisa- que subsista como núcleo da experiência porque não é consumido pelo instante da ação”

 Theodor Adorno in Minima Moralia/ tradução de  Luis Eduardo Bicca      

sexta-feira, 4 de março de 2011

DELIRIO ATEMPORAL

Houve um tempo



Em que eu sonhava


Com claras manhãs


De tédio e infinito,


Onde infâncias


Brincavam de roda


No lado avesso do céu.


E a vida era


Então


Mais simples


Do que o sem rosto


De qualquer palavra.


Houve um tempo


Em que


Eu quase não enxergava o mundo,


O absurdo passar de todas as coisas...