quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

NUVENS

Nuvens passeiam
Por um noturno céu
Sem estrelas.

Seguem em procissão
De lugar algum
Ao nada adiante.
Como a própria vida
Em seu acaso.

Esqueço os planos
Do dia seguinte
Abandonando-me
Em abismos de horas,
Passando por em sonho
Como mais uma nuvem
Sem destino ou rumo.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A INDIVIDUAÇÃO COMO CRITICA A MODERNIDADE

É redundante dizer que Jung foi um critico da modernidade e suas instituições políticas, tanto quanto da modalidade de coletivização social representada pela massificação que definiria as sociedades pós industriais do ocidente. Mas para uma compreensão adequada de sua critica é conveniente bem compreender o papel que o processo de individuação desempenha em seu pensamento.
Podemos em linhas muito gerais defini-lo como um novo foco de subjetivação centrado na experiência psicológica da unidade dos opostos, na emancipação do individuo das regras coletivas mediante a elaboração ou constelação de uma imagem e sentimento próprio de mundo através da progressiva retirada de projeções e integração de conteúdos psíquicos.
A individuação, mais do que um processo vital, compreende o novo mito elaborado e vivido pelo homem contemporâneo, uma resposta a diluição de sua consciência nas configurações impostas pela sociedade de massas.
Valho-me do seguinte fragmento para aprofundar esta delicada questão:

“ Vivemos numa época de conturbação e desintegração. Tudo tornou-se problemático. Como costuma acontecer em tais circunstâncias, conteúdos do inconsciente forçam passagem para as fronteiras da consciência com a finalidade de compensar a situação de emergência. Vale a penas, pois, examinar minunciosamente todos os fenômenos limite, por mais obscuros que possam parecer, a fim de descobrir neles os germes de uma nova ordem possível. O fenômeno da transferência é, sem duvida alguma, uma das síndromes mais importantes e decisivas do processo de individuação e significa mais do que uma simples atração e repulsa de ordem pessoal. Graças a seus conteúdos e símbolos coletivos, ele ultrapassa de longe a pessoa, e atinge a esfera do social, trazendo-nos à memória aqueles contextos humanos superiores que, por dolorosa que seja, faltam à nossa ordem, ou melhor, à desordem social dos nossos dias. Os símbolos do circulo e da quaternidade , tão característicos do processo de individuação, remetem-nos, por um lado, ao passado, a uma ordem originaria primitiva da sociedade humana e, por outro, apontam para o futuro, rumo a uma ordem interior da alma, como se esta fosse instrumento indispensável à reorganização da comunidade cultural, em oposição às organizações coletivas tão apreciadas hoje em dia, as quais constituem um agregado de seres semi-humanos, inacabados e imaturos. As referidas organizações só tem sentido, se o material que pretendem ordenar é de algum valor. O homem massificado, contudo, não tem valor; é uma simples partícula que perdeu sua alma, isto é, o sentido de sua humanidade. O que falta ao nosso mundo é a conexão anímica. Não há associação profissional ou comunidade de interesses econômicos, não há partido político ou Estado que possa jamais substitui-la. Não é de estranhar-se, portanto, que não sejam os sociólogos, mas sim os médicos, os primeiros a sentirem claramente as verdadeiras necessidades dos homens, pois ao eles, como psioterapeutas, osque lidam mais de perto com as aflições da alma humana.”
( C.G. Jung. Obras Completas. Vol. XVI/2: Ab-reação, Analise dos Sonhos, Transferência./ tradução de de Maria Luiza Appy. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 186 et seq.)

TRANSFIGURAÇÃO NATURAL

Desnuda-se a vida
Na transcendência
De pensamentos.

Escreve-se o mundo
Nos cinco cantos
Do meu corpo
Em sensações abertas.

Todas as coisas
Animadas e inanimadas
Apresentam-se
Em sabores e sabedorias
De imprecisas infâncias.

Tudo que vejo
É um relâmpago
De diurno sonho,
Festa de cores
Em fatos e atos
Despidos em sol.

INDIVIDUALIDADE, IDENTIDADE E SIGNIFICADO

O tempo de uma existência humana não vai alem do breve espaço de algumas miseras décadas. Mas a mítica que impomos ao campo das singularidades individuais nos condiciona a atribuir a biografia humana o estatuto de um “segredo”, um significado único que representa o próprio si da vida.
É na imanência, no imediato e no particular da fenomenologia humana onde hoje nos abrigamos e buscamos compreender nosso “estar- presente- no-mundo” sem o conforto de metas narrativas de inspiração “coletivista” ou política.
Nada mais natural que o individuo, entretanto, já não se apresente como uma unidade definível e inteiramente cognoscível, mas como uma pluralidade difusa de fenômenos enfaixados pela simples auto consciência e auto afeição de si mesmo estabelecida em sua inteiração com o outro de sua consciência que é o próprio mundo.
A individualidade humana é um fluir cada vez mais obscuro cuja imagem chave ou estruturante parece ser o mito do herói em suas infinitas variações.
Neste sentido, a idéia de meta, de propósito, talvez seja mais presente e decisiva ao destino do individuo e a experiência da individualidade do que propriamente a invenção e consciência coletiva de uma sociedade.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

O HERMETISMO E AS ORIGENS DA CIENCIA MODERNA


Da Alquimia a Química: Um estudo sobre a passagem do pensamento Mágico Vitalista ao mecanicismo de Ana Maria Alfonso Goldfard, constitui uma obra de referência para as pesquisas sobre a gênese do cientificismo moderno cujas as origens, contraditoriamente, devem ser buscadas no hermetismo neo platônico renascentista e sua critica a escolástica então estabelecidos como universo lingüístico configurador do imaginário medieval, tanto quanto na reforma protestante.
Ironicamente foi movendo-se em um horizonte de inspiração aristotélica que tal critica iniciou a desconstrução do próprio aristotelismo não resistindo ao seu crepúsculo e a desarticulação da cosmogonia que sustentava e a emergência do mecanicismo como aurora da construção de novas sensibilidades e imagens de mundo.
Como observa aa autora aqui citada:

“... O estudo das chamadas ciências “herméticas” ou “mágicas”, panacéia universal contra os males que oprimiam o europeu a partir do séc. XIV, tornara-se sinônimo de resistência e esperança. Alguns lugares, onde o poder eclesiástico deixava de ser soberano, onde a Reforma começava a se estabelecer ou onde o domínio pertencia à burguesia crescente da época, tornaram-se paraísos para o estudo de tudo aquilo que tinha sido proibido pela Igreja. E, como ela havia se tornado sinônimo do pensamento aristotélico, a sentença de morte dedicada ao poder eclesiástico acabaria por atingir também a este.
Estados inteiros europeus assimilam idéias herméticos e neo-platônicos a sua literatura, arquitetura e vida cotidiana. Homens cultos, das mais variadas procedências, buscam, ávidos, textos antigos, na tentativa, na tentativa de restabelecer o conhecimento que os escolásticos tinham “desperdiçado” ou “distorcido”. A enchente de textos alquímicos e magicos; iniciada no séc. XV, torna-se o foco para as reformas sociais; de ensino e de conhecimento, que a resistência quer propagar.
O que talvez essa resistência não soubesse era que, ao chocar-se frontalmente contra o sistema estabelecido, estava oferecendo elementos que acabariam por fazer ruir a base comum cosmológica, que também se baseava sua reforma.
São talvez essas contradições que acabam por tornar a história mais interessante. É do conhecimento geral que trabalhos como o de Copérnico e Kepler basearam-se nas teorias neo platônicas da perfeição mágica do circulo, contra o modelo ptolomaico assimilado pela escolástica. Entretanto, esse mesmo modelo por sua vez, acabaria por determinar a eliminação do modelo antropocêntrico e, com ele, o das cadeias simbólicas que ligavam macro e micro cosmo. O segundo acabaria por descobrir que o modelo celeste, perfeito e harmônico, de onde provinham as emanações criadoras do mundo, teria de ser rompido para dar lugar a um sistema baseado numa figura menos perfeita, mas mais próxima da realidade.”
(Ama Maria Alfonso Goldfard. Da Alquimia a Química: Um estudo sobre a passagem do pensamento mágico-vitalista ao mecanicismo. SP: Nova Stella, EDUSP, 1987; p. 255 et seq.)

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

BREVE HISTÓRIA DA UNION JACK


Ao que se sabe, a primeira versão da Union Jack ou Union Flag ( bandeira da união) foi criada em abril de 1606 pela combinação das cruzes de São Jorge e Santo André, representadas respectivamente nas bandeiras nacionais da Inglaterra e da Escócia. Sua origem remonta ao reinado de James VI da Escócia o qual, já chamado James I da Inglaterra, ascendeu ao trono inglês em 1603 e uniu os dois reinos em um só. Tornou-se o primeiro rei com pretensões ao titulo de rei da Grã Bretanha., oque lhe foi vedado pelos parlamentos da Inglaterra e da escócia. No século XVII, a bandeira sofreu várias mudanças: após a execução de Charles I em 1649, o Lorde Protetor, Oliver Cromwell, introduziu uma bandeira especial da Commonwealth (Comunidade Britânica), a qual consistia na cruz de São Jorge e a harpa dourada da Irlanda, mas com a revolução gloriosa, a restauração da monarquia e a conseqüente coroação de Charles II em 1660, a Union Flag de James I foi reintroduzida.
A atual versão da Union Flag surgiu em 1801, logo após a união da Grã-Bretanha com a Irlanda, com a inclusão da cruz de São Patrício. A cruz permanece na bandeira, embora, atualmente, apenas a Irlanda do Norte faça parte do Reino Unido.
Paises como a Nova Zelândia ou Austrália possuem a union flag na parte superior esquerda de suas bandeiras como sinal de filiação a Commonwealth ( comunidade britânica).

O que mais me chama atenção é a popularidade desta curiosa bandeira multi nacional para alem de seu originário contexto cultural... Seu apelo simbólico é dificil de definir...

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

LITERATURA INGLESA XX



"Aqui jaz o corpo de Jonathan Swift, doutor em Teologia e deão desta catedral, onde a colérica indignação não poderá mais dilacerar-lhe o coração. Segue, passante, e imita, se puderes, esse que se consumiu até o extremo pela causa da Liberdade".


Jonathan Swift ( 1667-1745) foi um dos mais notórios escritores irlandeses de todos os tempos. Notabilizou-se por suas obras satíricas como por exemplo a derradeira “ Conversação Polida” ( 1738) sobre a arte da conversação na Inglaterra. Mas foi um romance que lhe assegurou definitivamente a notoriedade. Refiro-me evidentemente As Viagens de Gulliver, originalmente publicada em 1726 com o titulo Viagens de Lemuel Gulliver , que hoje encontra-se injustamente relegado a opacidade do imaginário literário infanto juvenil.
Mas a referida obra compreende na verdade uma viva expressão do polêmico, critico e sarcástico espírito do seu autor. Podemos compara-la a UTOPIA de Morus quanto a critica da sociedade do seu tempo a partir de paisagens e lugares imaginários, mas diferente do autor da Utopia, não é o modelo ou possibilidade de um lugar ideal e exemplar de inspiração platônica ( A Republica) que lhe inspira, mas surpreendentemente um discurso de alteridade frente a vaidade da civilização ocidental ou européia no dialogo ou encontro com outras culturas. Este ideal de alteridade , de relativismo cultural, compreende a atualidade desta obra nada inocente.

“... Pode o leitor admirar-se de que eu acabasse comigo a fazer uma descrição tão franca da minha própria espécie entre uma raça de mortais já demasiado inclinada a haver em tão pequena conta o governo humano, em virtude da minha perfeita semelhança aos yahoos. Mas devo confessar francamente que as virtudes desses excelentes quadrúpedes, colocadas em oposição às corrupções humanas, me tinham aberto de forma os olhos e ampliado o entendimento que principiei a encarar o s atos e as paixões dos homens a uma luz muito diferente e a julgar que a honra da minha própria espécie não merecia ser poupada; o que alias me seria impossível fazer diante de pessoa de tão aguda percepção como meu amo, que diariamente me convencia da existência de mil defeitos em mim mesmo, dos quais eu não tivera ainda o mínimo discernimento e que , entre nós, nunca seriam contados entre as fraquezas humanas. Eu aprendera também, com seu exemplo, a detestar inteiramente toda e qualquer falsidade ou disfarce; e a verdade seme entrefigurava tão amável que determinei tudo sacrificar por ela...”

( Jonathan Swift. Viagens de Gulliver/ tradução de Otavio Mendes Cajado. RJ: Editora Globo, 1987, p.294)

“... É fácil para nós viajarmos em paises remotos, raro visitados por ingleses ou por outros europeus, e apresentarmos descrições de maravilhosos animais, tanto no mar como na terra. Devera ser, todavia, o principal intento do viajante tornar mais sábios e melhores os homens e aprimorar-lhes o espírito pelo exemplo, bom ou mau, do que dizem acerca de terras estranhas.”

( Jonathan Swift. Viagens de Gulliver/ tradução de Otavio Mendes Cajado. RJ: Editora Globo, 1987, p.294)

SOMBRA

Alem da noite
E do dia
Habitam sombras
Sem tempo.

Silêncios e sonhos
Esquecidos
De alguma parte
Perdida de mim.

Testemunho de avesso
Mágico de espelhos
Onde contemplo atônicoMeus outros eus.

A CONSCIÊNCIA EGOICA E OS LIMITES DO COGNOSCIVEL


Existimos como consciência de nossa própria existência e do mundo no tempo e no espaço, na peculiaridade de um determinado eu. Mas o que é o eu a não ser a pluralidade das presenças que nos configuram entre o inefável e o nefando da consciência e seu universo mágico?
Enquanto complexo de identidade o eu apresenta uma fenomenologia sinuosa que tentarei aqui problematizar reproduzindo uma breve passagem de A BUSCA DO SIMBOLO: CONCEITOS BÁSICOS DE PSICOLOGIA ANALÍTICA de Edward C. Whitmont:

“No inicio do nosso século, o mapeamento que Freud fez da dinâmica do inconsciente revelou o fato surpreendente de que nós somos mais do que o ego, mais do que o “eu” que sabemos que somos. Hoje, a idéia de um inconsciente tornou-se mais ou menos aceita. Habituamo-nos à divisão de nossas psiques numa área de consciência do ego que admitimos como racional e cognoscível e numa área de inconsciência que admitimos ser desconhecida e até mesmo em parte incognoscível.
Entretanto, quando começamos a investigar o ego, ficamos atônicos ao descobrir que até mesmo a área de consciência não é tão racional ou explicável como pensamos. O ponto essencial da dificuldade, como Kant deixou claro, reside no fato de que o “eu” esta tentando observar a si mesmo. Tocamos neste ponto o impasse mais crítico de toda a psicologia, isto é,m o fato de que a psique é tanto objeto como o sujeito da investigação. Quando a consciência estuda o inconsciente, há pelo menos uma aparente separação sujeito-objeto, mas quando o consciente tenta fazer uma afirmação a seu próprio respeito, é como se o olho tentasse ver a si mesmo; somos então confrontados com o apogeu de um impasse lógico. Como surge o consciente ou o ego ( será que eles são diferentes) ? Onde essa identidade se funde com o inconsciente? A cada passo o mistério se aprofunda. Se não somos capazes de entender sequer o ego, o que não dizer do resto?”

(Edward C. Whitmont. A BUSCA DO SIMBOLO: CONCEITOS BÁSICOS DE PSICOLOGIA ANALÍTICA/ tradução de Eliane Fittipaldi Pereira e Kátia Maria Orberg.. SP: Cultrix , p. 205)

A dinâmica da psique não se reduz a qualquer leitura ou experiência possivel dela. Qualquer imagem cientifica ou não formada em nossas cabeças a seu respeito é em tudo produto desta mesma psique e das configurações especificas do nosso ego e consciência. Esse limite do cognoscível é o que nos conduz a uma aproximação criativa entre ciência e fantasia na elaboração do mundo enquanto realidade de um discurso ontológico.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O PROBLEMA DO QUARTO NA TRINDADE

O símbolo trinitário, enquanto expressão ou tradução da totalidade da psique ou experiência do arquétipo do Self, tal como encontramos no cristianismo hortodoxo, revêla-se em franca contradição com a experiência desta mesma totalidade caso consideremos amplamente o patrimônio simbólico e mitológico das representações do sagrado difundido em um sem numero de épocas, lugares e culturas.
Tal contraste pode ser interpretado como um indício da dissociação psíquica introdizida pelo mito cristão, enquanto religião dos mistérios originária dos hibridismos e releituras da imagem do sagrado a partir de uma matriz “orientalista” que tiveram lugar no crepúsculo do mundo grego clássico.
Parto para tal julgamento da premissa de que a formula quaternária é a mais recorrente e significativa nas representações da totalidade. O que faria do símbolo trinitário cristão hortodoxo uma quaternidade imperfeita. Afinal, ela pressupõe um quarto elemento em oposição e complementação, seja mediante a imagem do “adiversário” (diabo) ou do feminino reprimido ( Maria).