domingo, 31 de maio de 2009

CONSCIÊNCIA INDIVIDUAL E INDIVIDUAÇÃO


A consciência individual é uma conquista recente no longo e tortuoso percurso da espécie humana. Em que pese antecedentes no séc. XII e a partir do chamado Renascimento da cultura ocidental dos séc. XIV e XV, sua maturação deu-se plenamente apenas na época moderna, quando a civilização industrial de fins do séc. XIX e inicio do séc. XX estabeleceu as condições propícias ao seu pleno florescimento. Ou seja, o relativo deslocamento das tradições e costumes nas vertigens do novo e complexo cenário urbano, evidenciado principalmente através das artes e novas estéticas, a diluição da consciência coletiva com o advento da sociedade de massa e conseqüente atomização do indivíduo e, principalmente, o questionamento radical da metafísica idéia de verdade como principio cognitivo assentado na ilusão de uma correspondência natural entre as palavras e as coisas. Sem isso não seria possível imaginar a autonomia da consciência individual como um paradoxo entre o singular e o universal da espécie humana.
Nietzsche foi um dos primeiros pensadores a deparar-se com o problema vislumbrando na fantasia do super-homem o caminho de uma possivel individuação futura mediante a reviravolta de todos os valores. Devemos a ele a superação da equivocada associação simples entre consciência individual e individuação, entre a necessidade de comunicação sob a qual se assenta a consciência e a individualidade/singularidade propriamente dita como expressão mais radical do fenômeno humano inconsciente.
Recorrendo a um de seus aforismas em A GAIA CIÊNCIA, intitulado “Do ‘gênio da espécie’ ” ofereço algumas fragmentárias provocações sobre o tema que curiosamente remetem a noção de inconsciente enquanto “psique objetiva” para usar uma terminologia utilizada algumas vezes por C G Jung:

“... Para que então consciência, quando no essencial é supérflua?Bem, se querem dar ouvidos à minha resposta a essa pergunta e a sua conjectura talvez extravagante, parece-me que a sua sutileza e a força da consciência estão sempre relacionadas à capacidade de comunicação de uma pessoa ou animal ( ou animal), e a capacidade de comunicação, por sua vez, a necessidade de comunicação: mas não, entenda-se, que precisamente o indivíduo mesmo, que é mestre justamente em comunicar e tornar compreensíveis suas necessidades, também seja aquele em que suas necessidades mais tivesse de recorrer aos outros.
(...)
O ser humano, como toda criatura viva, pensa continuamente, mas não o sabe; o pensar que se torna consciente é apenas a parte menor, a mais superficial, a pior, digamos:- pois apenas esse pensar consciente ocorre em palavras, ou seja, em signos de comunicação, com o que se revela a origem da própria consciência. Em suma, o desenvolvimento da linguagem e o desenvolvimento da consciência ( não da razão, mas apenas do tomar- consciência- de-si da razão) andam lado a lado. Acrescente-se que não só a linguagem serve de ponte entre um ser humano e outro, mas também o olhar, o toque, o gesto; o tomar-consciência das impressões de nossos sentidos em nós, a capacidade de fixá-las e como que situa-las fora de nós, cresceu na medida em que aumentou a necessidade de transmiti-las a outros por meio de signos. O homem inventor de signos é, ao mesmo tempo, o homem cada vez mais consciente de si; apenas como animal social o homem aprendeu a tomar consciência de si- ele o faz ainda, ele o faz cada vez mais- Meu pensamento, como se vê, é que a consciência não faz parte realmente da existência individual do ser humano, mas antes daquilo que nele é natureza comunitária e gregária; que, em conseqüência, apenas em ligação com a utilidade comunitária e gregária ela se desenvolveu sutilmente, e que, portanto, cada um de nós, com toda a vontade que tenha de entender a si próprio da maneira mais individual possível, de “conhecer a si mesmo”, sempre trás a consciência justamente o que não possui de individual, o que nele é “ médio”- que nosso pensamento mesmo é continuamente suplantado, digamos, pelo caráter da consciência- pelo “gênio da espécie” que nela domina- e traduzido de volta para perspectiva gregária.”

(Friedrich Nietzsche. A Gaia Ciência/ tradução, notas e posfácio de Paulo Cezar de Souza. SP: Companhia das Letras,2001,p. 249-250)

150 ANOS DE BIG BEN


O big ben, o fabuloso sino fundido por George Mears em 1858, medindo quase 3 metros de diâmetro e pesando 13, 5 toneladas, instalado na Tower Clock do Palácio de Westminster, na sede do parlamento britânico, completa hoje 150 anos. Seu apelido deve-se a uma referência a Benjamin Hall, ministro de Obras Públicas da Inglaterra na ocasião de sua instalação e sarcasticamente apelidado por big ben por sua grande estatura.
Superando as criticas iniciais associadas a reconstrução do palácio de Westminster original, destruído por um incêndio em 1834, tornou-se o sino um monumento e simbolo do novo mundo inaugurado pela revolução industrial, e um dos mais simpáticos icones da civilização ocidental e dos esteriotipos construidos em torno da cultura britânica.
Dedicar-lhe algumas palavras pode parecer pueril, mas não quando consideramos que, 150 anos depois de sua instalação, ele ainda provoca o imaginário coletivo. Pessoalmente o considero quase um fetiche associado a incômoda consciência do tempo que passa. É como se suas solenes badaladas remetessem a finitude e fragilidade da vida em contraste com as permanencias das coisas inanimadas por uma quase eternidade...
Sobre o assunto, uma visita ao site do parlamento britânico pode ser bastante interessante:
http://www.bigben.parliament.uk/,

TEMPORALIDADE

Vejo o mundo
Pelos olhos do tempo.
Nada é permanente.
Tudo é incerto.

Neste exato segundo
Parte de mim cai no passado
Enquanto outra
Desaparece futura
Sem saber o presente.

Estou entre
Meu eu e o outro
Que se desfaz no tempo...

Não tenho origem ou destinos...
Apenas respiro...

sábado, 30 de maio de 2009

CONDIÇÂO PÓS MODERNA E TEMPO PRESENTE

A condição pós moderna, expressão pela qual podemos definir nossa contemporaneidade, pressupõe a existência como um eterno presente assentado no deslocamento do passado e na desconstrução do “culto do novo ou do futuro” estabelecido pela chamada modernidade.
Podemos considerá-la uma espécie de “filosofia da imanência” voltada parta o tempo neutro e permanente de um presente em desconstruções e reconstruções contínuas.
A condição pós moderna pressupõe o mundo como um espaço simbólico de intercâmbios, de redes sem centros ou pontos estáveis e articuladas pela meta ou hiper realidade do virtual.
Em nossos textos/mundos cotidianos, tudo agora existe em superfície sem a ilusão de essências ou meta narrativas...

sexta-feira, 29 de maio de 2009

ILEGIVEL


Exploro um ponto vazio
Perdido no horizonte
Como um nada
A desafiar certezas
E planos.

Ele me sonda
Com seu silêncio
Buscando intercâmbios.
Enquanto corro
Contra o tempo
Inventando respostas
Que não se sustentam.

Minha vida
Já não é mais
Em qualquer sentido
Dizível...

PRESENT PAST

Nada me conduz
Alem do presente.
Reencontro o dia
Anterior
Nos vazios do agora
E a hora chora
As mágoas do tempo,
Os limites da vida,
Os biográficos buracos
Dos meus enganos
E destinos.

sábado, 23 de maio de 2009

WILLIAM JAMES: PRAGMATISMO E VERDADE


O utilitarismo pragmático pressupôs uma positiva dessacralização da idéia de verdade ao deduzir a legitimidade de qualquer enunciado pelos seus efeitos e aplicações práticas. Desta forma, a verdade deixou de ser um atributo dos objetos ou coisas a que se refere para se tornar uma característica das próprias idéias e da consciência que temos delas através de nossos discursos..
Embora em sua neutralidade axilógica reconheça a legitimidade das crenças religiosas, o fato é que o método pragmático expulsa do conceito de verdade todo entulho e resquício de metafísica, de teologia e abstrato racionalismo especulativo.
Em outros termos, o pragmatismo estabeleceu uma concepção instrumental de verdade onde como esclarece William James, “Idéias verdadeiras são aquelas que podemos assimilar, validar, corroborar e verificar. As idéias falsas são aquelas com as quais não podemos agir assim.”
(William James Pragmatismo/ tradução de Pablo Rubén Mariconda in Os Pensadores. Vol. XL. Pragmatismo: Textos selecionados. SP: Ed. Abril S/a, 1974, p. 24)

Deste modo a verdade torna-se uma invenção ou construção de nossa experiência de caráter mutável, em continua transformação e, portanto, incompatível como qualquer dogmatismo.

“O ponto mais fatal de diferença entre ser um racionalista e ser um pragmátista acha-se agora inteiramente à vista. A experiência está na mutação, nossas certezas psicológicas da verdade acham-se em mutação- assim, muito racionalismo permitirá; nunca porém, que a realidade em si ou a verdade em si seja mutável. A realidade mostra-se completa e pronta desde toda eternidade, insiste o racvionalismo, e a concordância de nossas idéias com ela é a única virtude não analisável nas mesmas da qual o racionalismo já nos disse algo. Como aquela excelência intrínseca, sua verdade não tem nada que ver com nossa experiência. Não acrescenta coisa alguma ao conteúdo da experiência. Não faz diferença para a realidade em si; é superveniente, inerte, estática, meramente uma reflexão. Não existe, retém ou obtem, pertence a outra dimensão, de fatos ou de relações de fatos, pertence, em suma, à dimensão epistemológica- e com essa palavra rebarbativa o racionalismo encerra a discussão.
Deste modo, como o pragmatismo encara o futuro, o racionalismo aqui de novo olha para trás, para a eternidade passada. Fiel ao seu hábito inveterado, o racionalismo reverte aos “princípios”, e pensa que, uma vez uma abstração sendo denominada, admitimos sua solução oracular.”

(Idem p.33)

COSMOS


Procuro não pensar
No tamanho
Da existência
Em ínfimo acontecer
Em imensidões de universos.

Sei que quase nada
Revela o existir
No silêncio dos atos
Que mudos se espalham
Pelo tempo e o espaço.

Cosmologias me roubam
Verdades
Em matemáticas
Desconstruindo
A relevância do humano...

Talvez eu seja
Uma mera abstração
De mim mesmo...

DA SOCIEDADE PÓS-IDUSTRIAL À PóS-MODERNA


Em Da Sociedade Pós Industrial à Pós Moderna, livro originalmente publicado no Reino Unido em 1995, o professor de Ciência Política e Social Krishan Kumar, da Universidade de Kent/ Inglaterra, realiza uma interessante síntese e balanço teórico das discussões em torno dos conceitos de Modernidade e Pós Modernidade.
Kumar ocupa-se nesse estudo basicamente de três variantes da chamada teoria do Pós Industrialismo em voga durante os anos 70 do último século: a hipótese de uma sociedade da informação, de um Pós Fordismo e de uma Pós Modernidade. Sua analise não busca qualquer parecer conclusivo em torno dessas teorias, mas produzir um provisório balanço critico de seu desenvolvimento a luz do desafio contemporâneo de uma radical releitura das representações e dinâmicas de nosso mundo coletivamente vivido.
No prefácio que faz a sua obra Kumar, muito lucidamente reconhece que, em termos de teoria social, o debate envolvendo a pos modernidade vem se diluindo em um incessante crescimento da literatura em torno de tal teoria em detrimento de seu desenvolvimento e aprofundamento. Sua obra, entretanto, ocupa um lugar peculiar entre a vasta bibliografia critica destinada ao tema na medida em que propõe a servir de guia em meio a verdadeira torre de babel literária que envolve o assunto.
Merece destaque a resposta formulada pelo autor a questão elementar sobre a pertinência ou não de uma Pós Modernidade:

“ ... há um grau inescapável de “reflexão” ou auto conhecimento na pós-modernidade que é inerente à sua condição e às discussões que provoca. Isso significa que terá que haver uma certa hipérbole, que não exige resposta, na pergunta que fizemos no último capítulo: A pós-modernidade realmente existe? A pergunta não pode ser respondida de forma literal. A pós- modernidade é verdadeira na medida em que nos cerca por toda parte. As industrias da cultura, que são hoje fundamentais em muitas sociedades ocidentais , tornaram-na verdadeira através da criação incessante de um ambiente saturado de imagens. A hiper-realidade- a cópia cujo original se perdeu- é o mundo que todos nós habitamos pelo menos durante parte do tempo., O “êxtase da comunicação” no mundo da Internet é uma experiência viva demais, que muito de nós apreciamos, e com a qual sofremos também, tanto em nossa vida de trabalho quanto de lazer,. Cultura não é mais simplesmente um adjunto à atividade séria de ganhar a vida, mas, em grande parte, tornou-se essa atividade. Grande quantidade de pessoas trabalham nas industrias da cultura e, nos seus momentos de folga, também consomem seus produtos.
Mais notável ainda, as próprias industrias da cultura têm se preocupado em grau extraordinário em disseminar o vocabulário, a imagística e os tons emocionais da pós-modernidade. Esse fato inevitavelmente aumenta o elemento de reflexão no fenômeno. Intelectuais e artistas posmodernos regularmente dão o ar de sua graça nas telas de televisão, em programas de debates em fins de noite. Numerosos programas populares de entrevistas e comédias exibem uma ironia zombaria inequivocamente posmodernista. Todo o nosso senso de política e de eficiência política é afetada pelo fluxo ininterrupto de irreverência e ridículo dirigido contra figuras de autoridades e sacrossantas instituições nacionais. Um dos resultados dessa promoção da cultura pósmodernista é que a resposta à pergunta “a posmodernidade existe realmente?” tem de ser em parte baseada em termos criados por essa própria cultura.”

(Krishan Kumar. Da Sociedade Pós- Industrial à Pós- Moderna: Notas sobre o Mundo Comtemporâneo./tradução de Ruy Jungman.RJ: Jorge Zahar Editor, 1997, p.194)

quinta-feira, 21 de maio de 2009

EÓS


A Deusa Aurora
Surge no céu
Em silêncio
Entre Selene e Hélios.

Sua presença é tão
Imprecisa
Quanto o indeterminado
Fazer-se da vida.

Mas acompanhada
De todos os ventos
Ela se deixa
Em meu momento
Inventando o dia.