terça-feira, 3 de novembro de 2020

VIDA DIGITAL

A vida está se tornando burra.
Previsível, programável, 
Normativa e banal,
Reduzindo o pensar e o sentir
A um fluxo de informações  inúteis.

A vida se faz  consumo,
Desempenho,  Likes , 
Sobrevivência e urgência 
Sem fundamento existencial.

A vida não  vive mais 
Em nossos hábitos,
Modos de existir
E fazer o mundo.

A vida agora
É  uma morte agendada
Nos olhos cegos dentro do espetáculo de uma onipotente tela
Onde ninguém importa
E os dados definem os atos
Contra a alma das coisas.

Sabemos , finalmente,
Toda potencial miséria 
De nossa fantasia de humanidade.





domingo, 1 de novembro de 2020

A ANCESTRALIDADE CONTRA A FAMÍLIA

Ancestralidade é oposto de família. Família é  um conceito que nos comunica um estatuto jurídico originário da antiga cultura do clã,  voltada para perpetuação  da herança  e patrimônio, para garantia da continuidade de falsas tradições.
Já ancestralidade, é  um conceito que nos diz vínculos orgânico e abstratos, que enlaçam indivíduos diversos no contar de uma história coletiva que faz o tempo dentro de muitos tempos, que inventa uma trama,na duração  da vida biológica, do impertinente dos corpos e da genética. 
A ancestralidade e aquilo que nos desconstrói e justifica como indivíduos através do vento da soma das épocas,  da glória e ruína das gerações que se sucedem em um drama quase eterno.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

DEFINIÇÃO DE ANSIEDADE

Vivo espantado comigo e com o mundo mergulhado num sonho, num delírio  absurdo de perder  o corpo  no mar.

Há em mim uma fome de naufrágios,
Uma vontade que não  tem realidade,
Que ama o impossível,
 O delírio e melancolia
De um morrer a tarde
Antes do por do sol 
De nossa frágil humanidade.

DESAFIO

Antes que o mundo acabe,
Respire e se embriague
Com um pouco de liberdade.

Tome um banho de lama
Contra toda ilusão  de humanidade.

Não  pense, aconteça,
Contra toda ilusão
De realidade.

INDETERMINAÇÃO E VIDA

Entre o que somos e aquilo que não  somos mais, há  uma zona de indeterminação,  de improviso, que da corpo ao inédito e imprevisível.
É  neste plano incerto de nós mesmos onde somos criadores autênticos e nos percebemos além das determinações e confissões e certezas, verdades ou identidades.
A incerteza, a ausência urgente de nós  mesmos, é  onde a vida se transforma e a ilusão do Ser não nos condiciona.
É onde o outro nos habita como movimento da própria vida.

PALAVRA ABRIGO

 


Dentro das palavras

inventei um abrigo

contra o silêncio do mundo.

Reaprendi infâncias,

reinventei meu corpo,

e acordei um mar na garganta.


Moro agora no verso e na prosa

que me acontece no sem tempo da imaginação.

Quase não sou gente.

Sou feito de imaginação,

de experimentações e ensaios

com a pele das coisas.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

ESTADO DE EMERGÊNCIA

 


 

 

Sucumbimos a caduquice da verdade,

a miséria da realidade

e a hipocrisia de velhas certezas.

O mundo que morre nos adoece.

E o futuro ignora o dia seguinte….

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

ETICA POETICA DO INTEMPESTIVO (UMA ANTI ONTOGIA)

 


 

O intempestivo não  é  apenas aquilo que escapa ao contingente e ao cotidiano. É  o que transborda, o que personifica a vontade de potência como o inumano da vida que há em nós. É algo que busca existência, que se afirma tornando-se o meio em que existe na medida em que o transforma e converte em plano imanente de maquinações,  de sentidos e paradoxos infinitos que produzem a diferença,  a aberrancia criativa do caos. 
O intempestivo é  o lado de fora, um acontecimento, que nos faz resistir ao presente mediante diversas e múltiplas estratégias de delinquência.

Ele é a poesia como ação ética,  como afeto e subjetividade criadora de singularidades. Resumidamente , ele é  o grande não  de um pensamento ainda selvagem, movente e incerto que faz do inventar conceitos e palavras aladas um território concreto de experimentação,  de intensidades e vizinhanças que nos conduzem a vida não orgânica das coisas, transfiguração de uma sensibilidade sem sujeito, como puro acontecimento e ambiência.  
Há  uma fissura na superfície do real que nos conduz além do exterior( sociedade) e interior ( pensamento diferenciado) no experimentar cotidiano de nós mesmos através de um corpo livre da ilusão  de alma e de todo juízo de deus.

Em uma entrevista concedida a Antônio Negri, O devir Revolucionário e as criações políticas ( ou Controle e Devir, in Conversações), Deleuze nos esclarece de forma muito oportuna a relação entre subjetividade, intempestivo e acontecimento, em sua dimensão politica rebelde e concreta:

Pode-se falar em processos de subjetivação quando se consideram diversas maneiras de por meio das quais os indivíduos ou as coletividades se constituem como sujeitos: tais processos são validos apenas na medida em que, quando ocorrem, escapam tanto aos saberes constituídos quanto aos poderes dominantes- mesmo que , em seguida engendram novos poderes ou tornem a integrar novos saberes. Contudo, no momento em que ocorrem, eles possuem uma expontaneidade rebelde. Não há nenhum retorno ao ‘sujeito’, isto é, a uma instância dada de deveres, de poder e de saber. Em vez de um processo de subjetivação, poder-se-ia falar também em novos tipos de acontecimento: acontecimentos que não se explicam pelos estados de coisas que os suscitam ou para os quais eles retornam. Eles se elevam por um instante, e é esse momento que importa, é essa chance que precisamos capturar. Ou, então, poder-se-ia falar simplesmente em cérebro: o cérebro é exatamente esse limite de um momento contínuo reversível entre um dentro e um fora, essa membrana entre ambos. Novas trilhas cerebrais, novas maneiras de pensar não se explicam pela microcirurgia. Ao contrário, é a ciência que deve se esforçar para descobrir o que pode ter ocorrido no cérebro para que possamos pensar desta ou daquela maneira. Subjetivação, acontecimento ou cérebro parecem-me um pouco a mesma coisa. Crer no mundo é aquilo que mais nos falta; nós perdemos o mundo, fomos despossuidos dele. Crer no mundo é também suscitar acontecimentos, mesmos pequenos, que escapem ao controle, ou fazer nascer novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos.”

in O devir Revolucionário e as Criações Políticas; Antônio Negri. Deleuze e Guattari: Uma Filosofia para o século XXI; organizado por Jefferson Viel. SP: Editora Filosófica Politéia, 2019, p. 125 e 126 

 Escapar aos saberes tradicionais, a própria ideia de sujeito, por meio do acontecimento, pressupõe, antes de tudo , um reaprendizado do corpo em novos espaço-tempos. 

 

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

SOCIEDADE DO DESEMPENHO E O AVESSO DA VIDA

 

O reverso do inverso é a transfiguração dos valores vigentes , a morte do social e do político em seu sentido moderno, a conversão da liberdade e emancipação racional em nova modalidade de servidão.
 
A população, categoria política essencial da cultura política do mito do Estado Nação, agoniza no território ( predominantemente urbano), disciplinado pelos tribunais de todas as razões, pela imaterialidade do novo mundo tecnológico, governado pele pathos do desempenho e do narcisismo, pela domesticação absoluta, através  do eu ideal e abstrato definido pela consciência e subjetividade moderna desde Descartes e  Hurme em  últimas suas transformações.  

Segundo Byung-Chul Han em sua A Sociedade do Cansaço.

 “ Na transição da sociedade de disciplinar para sociedade de desempenho o superego acaba se positivando no eu-ideal. O superego é repressivo. Pronuncia acima de tudo proibições. Com ‘o traço duro e cruel do dever de ordem’, como ‘caráter de restrição árdua,, da proibição cruenta’, ele impera sobre o eu. Contrariamente ao superego repressivo, o eu-ideal é sedutor. O sujeito de desempenho projeta a si mesmo na linha do eu-ideal, enquanto que o sujeito de obediência se submete ao superego. Submissão e projeto são dois modos de existência bem destintos. Do superego provém uma coação negativa. Ao contrário, o eu-ideal exerce uma pressão positiva no eu. A negatividade do superego restringe a liberdade do eu. O projetar-se do eu-ideal, ao contrário, é explicado como um ato de liberdade. Se o eu se enreda num eu-ideal inalcançável, vê-se literalmente fatigado ao extremo por ele. Do fosso quer se abre então entre o eu real e o eu-ideal, acaba surgindo uma autoagressividade.”

( Byung-Chul Han In a Sociedade do Cansaço. Petropólis: Editora Vozes, 2º edição ampliada, 2017, p.100)

 Pode-se-ia dizer, de modo meramente performático ( não  representativo), que o  abismo do eu é a vertigem da consciência e do desejo, a morte da vontade de potência, a agonia biopolítica dos corpos no aquário do simulacro da vida contemporânea. Mas mesmo tais aberrâncias verbais, não dão conta do absurdismo que nos oferece a atualidade. 

O mesmo, autor, desdobrando sua reflexão sobre a sociedade do Cansaço através da equivalente imagem de uma Sociedade da Transparência, que bem complementa a anterior, aprofunda, assim, o paradoxo entre liberdade e opressão através da igualmente paradoxal relação entre transparência e isolamento:

“ A sociedade de controle atual apresenta uma estrutura panoptica bastante específica. Contrariamente à população carcerária , que não tem comunicação mutua , os habitantes digitais estão ligados em rede e têm uma intensiva comunicação entre si. O que O que assegura a transparência não é o isolamento, mas a hipercomunicação. A especificidade do panóptico digital é sobretudo o fato de que seus frequentadores colaboram ativamente e de forma pessoal em sua edificação e manutenção, expondo-se e desnudando a si mesmos, expondo-se ao mercado panóptico.”

( Byung-Chul Han In a Sociedade da Transparência. Petropolis: Editora Vozes, 4º edição, 2019, p.108)

O  que aqui se coloca como desafio de um pensamento/espanto é o pânico da discurso crítico. 

 

 


 


CONTRA TODA TRADIÇÃO

A sabedoria,
Como estado estranho de consciência,
Me ensinou o esquecimento,
O futuro como vertigem,
E abismo do desconhecido.
Não há nada a aprender com o passado
Na liberdade que nos oferece o futuro.
A vida frequenta o solo virgem do inédito.