segunda-feira, 19 de outubro de 2020

SOCIEDADE DO DESEMPENHO E O AVESSO DA VIDA

 

O reverso do inverso é a transfiguração dos valores vigentes , a morte do social e do político em seu sentido moderno, a conversão da liberdade e emancipação racional em nova modalidade de servidão.
 
A população, categoria política essencial da cultura política do mito do Estado Nação, agoniza no território ( predominantemente urbano), disciplinado pelos tribunais de todas as razões, pela imaterialidade do novo mundo tecnológico, governado pele pathos do desempenho e do narcisismo, pela domesticação absoluta, através  do eu ideal e abstrato definido pela consciência e subjetividade moderna desde Descartes e  Hurme em  últimas suas transformações.  

Segundo Byung-Chul Han em sua A Sociedade do Cansaço.

 “ Na transição da sociedade de disciplinar para sociedade de desempenho o superego acaba se positivando no eu-ideal. O superego é repressivo. Pronuncia acima de tudo proibições. Com ‘o traço duro e cruel do dever de ordem’, como ‘caráter de restrição árdua,, da proibição cruenta’, ele impera sobre o eu. Contrariamente ao superego repressivo, o eu-ideal é sedutor. O sujeito de desempenho projeta a si mesmo na linha do eu-ideal, enquanto que o sujeito de obediência se submete ao superego. Submissão e projeto são dois modos de existência bem destintos. Do superego provém uma coação negativa. Ao contrário, o eu-ideal exerce uma pressão positiva no eu. A negatividade do superego restringe a liberdade do eu. O projetar-se do eu-ideal, ao contrário, é explicado como um ato de liberdade. Se o eu se enreda num eu-ideal inalcançável, vê-se literalmente fatigado ao extremo por ele. Do fosso quer se abre então entre o eu real e o eu-ideal, acaba surgindo uma autoagressividade.”

( Byung-Chul Han In a Sociedade do Cansaço. Petropólis: Editora Vozes, 2º edição ampliada, 2017, p.100)

 Pode-se-ia dizer, de modo meramente performático ( não  representativo), que o  abismo do eu é a vertigem da consciência e do desejo, a morte da vontade de potência, a agonia biopolítica dos corpos no aquário do simulacro da vida contemporânea. Mas mesmo tais aberrâncias verbais, não dão conta do absurdismo que nos oferece a atualidade. 

O mesmo, autor, desdobrando sua reflexão sobre a sociedade do Cansaço através da equivalente imagem de uma Sociedade da Transparência, que bem complementa a anterior, aprofunda, assim, o paradoxo entre liberdade e opressão através da igualmente paradoxal relação entre transparência e isolamento:

“ A sociedade de controle atual apresenta uma estrutura panoptica bastante específica. Contrariamente à população carcerária , que não tem comunicação mutua , os habitantes digitais estão ligados em rede e têm uma intensiva comunicação entre si. O que O que assegura a transparência não é o isolamento, mas a hipercomunicação. A especificidade do panóptico digital é sobretudo o fato de que seus frequentadores colaboram ativamente e de forma pessoal em sua edificação e manutenção, expondo-se e desnudando a si mesmos, expondo-se ao mercado panóptico.”

( Byung-Chul Han In a Sociedade da Transparência. Petropolis: Editora Vozes, 4º edição, 2019, p.108)

O  que aqui se coloca como desafio de um pensamento/espanto é o pânico da discurso crítico. 

 

 


 


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