quinta-feira, 5 de novembro de 2020

BANCO DE DADOS

 


 

Curtir,

Consumir,
Produzir opiniões. 

A realidade da tela,
Das redes sociais,
Não cabe no mundo real.

Mas acontece em nós 
Além do do domínio da representação, 
Através  da digitalização  dos afetos,
Do determinismo dos algoritimos,
No deserto de um massificado individualismo.

A vida virou um banco de dados 
Onde nos isolamos juntos,
Onde não somos nada
E tudo que existe é  a hiper realidade do mercado,
Da administração e gestão 
De um existir danificado.





terça-feira, 3 de novembro de 2020

VIDA DIGITAL

A vida está se tornando burra.
Previsível, programável, 
Normativa e banal,
Reduzindo o pensar e o sentir
A um fluxo de informações  inúteis.

A vida se faz  consumo,
Desempenho,  Likes , 
Sobrevivência e urgência 
Sem fundamento existencial.

A vida não  vive mais 
Em nossos hábitos,
Modos de existir
E fazer o mundo.

A vida agora
É  uma morte agendada
Nos olhos cegos dentro do espetáculo de uma onipotente tela
Onde ninguém importa
E os dados definem os atos
Contra a alma das coisas.

Sabemos , finalmente,
Toda potencial miséria 
De nossa fantasia de humanidade.





domingo, 1 de novembro de 2020

A ANCESTRALIDADE CONTRA A FAMÍLIA

Ancestralidade é oposto de família. Família é  um conceito que nos comunica um estatuto jurídico originário da antiga cultura do clã,  voltada para perpetuação  da herança  e patrimônio, para garantia da continuidade de falsas tradições.
Já ancestralidade, é  um conceito que nos diz vínculos orgânico e abstratos, que enlaçam indivíduos diversos no contar de uma história coletiva que faz o tempo dentro de muitos tempos, que inventa uma trama,na duração  da vida biológica, do impertinente dos corpos e da genética. 
A ancestralidade e aquilo que nos desconstrói e justifica como indivíduos através do vento da soma das épocas,  da glória e ruína das gerações que se sucedem em um drama quase eterno.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

DEFINIÇÃO DE ANSIEDADE

Vivo espantado comigo e com o mundo mergulhado num sonho, num delírio  absurdo de perder  o corpo  no mar.

Há em mim uma fome de naufrágios,
Uma vontade que não  tem realidade,
Que ama o impossível,
 O delírio e melancolia
De um morrer a tarde
Antes do por do sol 
De nossa frágil humanidade.

DESAFIO

Antes que o mundo acabe,
Respire e se embriague
Com um pouco de liberdade.

Tome um banho de lama
Contra toda ilusão  de humanidade.

Não  pense, aconteça,
Contra toda ilusão
De realidade.

INDETERMINAÇÃO E VIDA

Entre o que somos e aquilo que não  somos mais, há  uma zona de indeterminação,  de improviso, que da corpo ao inédito e imprevisível.
É  neste plano incerto de nós mesmos onde somos criadores autênticos e nos percebemos além das determinações e confissões e certezas, verdades ou identidades.
A incerteza, a ausência urgente de nós  mesmos, é  onde a vida se transforma e a ilusão do Ser não nos condiciona.
É onde o outro nos habita como movimento da própria vida.

PALAVRA ABRIGO

 


Dentro das palavras

inventei um abrigo

contra o silêncio do mundo.

Reaprendi infâncias,

reinventei meu corpo,

e acordei um mar na garganta.


Moro agora no verso e na prosa

que me acontece no sem tempo da imaginação.

Quase não sou gente.

Sou feito de imaginação,

de experimentações e ensaios

com a pele das coisas.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

ESTADO DE EMERGÊNCIA

 


 

 

Sucumbimos a caduquice da verdade,

a miséria da realidade

e a hipocrisia de velhas certezas.

O mundo que morre nos adoece.

E o futuro ignora o dia seguinte….

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

ETICA POETICA DO INTEMPESTIVO (UMA ANTI ONTOGIA)

 


 

O intempestivo não  é  apenas aquilo que escapa ao contingente e ao cotidiano. É  o que transborda, o que personifica a vontade de potência como o inumano da vida que há em nós. É algo que busca existência, que se afirma tornando-se o meio em que existe na medida em que o transforma e converte em plano imanente de maquinações,  de sentidos e paradoxos infinitos que produzem a diferença,  a aberrancia criativa do caos. 
O intempestivo é  o lado de fora, um acontecimento, que nos faz resistir ao presente mediante diversas e múltiplas estratégias de delinquência.

Ele é a poesia como ação ética,  como afeto e subjetividade criadora de singularidades. Resumidamente , ele é  o grande não  de um pensamento ainda selvagem, movente e incerto que faz do inventar conceitos e palavras aladas um território concreto de experimentação,  de intensidades e vizinhanças que nos conduzem a vida não orgânica das coisas, transfiguração de uma sensibilidade sem sujeito, como puro acontecimento e ambiência.  
Há  uma fissura na superfície do real que nos conduz além do exterior( sociedade) e interior ( pensamento diferenciado) no experimentar cotidiano de nós mesmos através de um corpo livre da ilusão  de alma e de todo juízo de deus.

Em uma entrevista concedida a Antônio Negri, O devir Revolucionário e as criações políticas ( ou Controle e Devir, in Conversações), Deleuze nos esclarece de forma muito oportuna a relação entre subjetividade, intempestivo e acontecimento, em sua dimensão politica rebelde e concreta:

Pode-se falar em processos de subjetivação quando se consideram diversas maneiras de por meio das quais os indivíduos ou as coletividades se constituem como sujeitos: tais processos são validos apenas na medida em que, quando ocorrem, escapam tanto aos saberes constituídos quanto aos poderes dominantes- mesmo que , em seguida engendram novos poderes ou tornem a integrar novos saberes. Contudo, no momento em que ocorrem, eles possuem uma expontaneidade rebelde. Não há nenhum retorno ao ‘sujeito’, isto é, a uma instância dada de deveres, de poder e de saber. Em vez de um processo de subjetivação, poder-se-ia falar também em novos tipos de acontecimento: acontecimentos que não se explicam pelos estados de coisas que os suscitam ou para os quais eles retornam. Eles se elevam por um instante, e é esse momento que importa, é essa chance que precisamos capturar. Ou, então, poder-se-ia falar simplesmente em cérebro: o cérebro é exatamente esse limite de um momento contínuo reversível entre um dentro e um fora, essa membrana entre ambos. Novas trilhas cerebrais, novas maneiras de pensar não se explicam pela microcirurgia. Ao contrário, é a ciência que deve se esforçar para descobrir o que pode ter ocorrido no cérebro para que possamos pensar desta ou daquela maneira. Subjetivação, acontecimento ou cérebro parecem-me um pouco a mesma coisa. Crer no mundo é aquilo que mais nos falta; nós perdemos o mundo, fomos despossuidos dele. Crer no mundo é também suscitar acontecimentos, mesmos pequenos, que escapem ao controle, ou fazer nascer novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos.”

in O devir Revolucionário e as Criações Políticas; Antônio Negri. Deleuze e Guattari: Uma Filosofia para o século XXI; organizado por Jefferson Viel. SP: Editora Filosófica Politéia, 2019, p. 125 e 126 

 Escapar aos saberes tradicionais, a própria ideia de sujeito, por meio do acontecimento, pressupõe, antes de tudo , um reaprendizado do corpo em novos espaço-tempos. 

 

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

SOCIEDADE DO DESEMPENHO E O AVESSO DA VIDA

 

O reverso do inverso é a transfiguração dos valores vigentes , a morte do social e do político em seu sentido moderno, a conversão da liberdade e emancipação racional em nova modalidade de servidão.
 
A população, categoria política essencial da cultura política do mito do Estado Nação, agoniza no território ( predominantemente urbano), disciplinado pelos tribunais de todas as razões, pela imaterialidade do novo mundo tecnológico, governado pele pathos do desempenho e do narcisismo, pela domesticação absoluta, através  do eu ideal e abstrato definido pela consciência e subjetividade moderna desde Descartes e  Hurme em  últimas suas transformações.  

Segundo Byung-Chul Han em sua A Sociedade do Cansaço.

 “ Na transição da sociedade de disciplinar para sociedade de desempenho o superego acaba se positivando no eu-ideal. O superego é repressivo. Pronuncia acima de tudo proibições. Com ‘o traço duro e cruel do dever de ordem’, como ‘caráter de restrição árdua,, da proibição cruenta’, ele impera sobre o eu. Contrariamente ao superego repressivo, o eu-ideal é sedutor. O sujeito de desempenho projeta a si mesmo na linha do eu-ideal, enquanto que o sujeito de obediência se submete ao superego. Submissão e projeto são dois modos de existência bem destintos. Do superego provém uma coação negativa. Ao contrário, o eu-ideal exerce uma pressão positiva no eu. A negatividade do superego restringe a liberdade do eu. O projetar-se do eu-ideal, ao contrário, é explicado como um ato de liberdade. Se o eu se enreda num eu-ideal inalcançável, vê-se literalmente fatigado ao extremo por ele. Do fosso quer se abre então entre o eu real e o eu-ideal, acaba surgindo uma autoagressividade.”

( Byung-Chul Han In a Sociedade do Cansaço. Petropólis: Editora Vozes, 2º edição ampliada, 2017, p.100)

 Pode-se-ia dizer, de modo meramente performático ( não  representativo), que o  abismo do eu é a vertigem da consciência e do desejo, a morte da vontade de potência, a agonia biopolítica dos corpos no aquário do simulacro da vida contemporânea. Mas mesmo tais aberrâncias verbais, não dão conta do absurdismo que nos oferece a atualidade. 

O mesmo, autor, desdobrando sua reflexão sobre a sociedade do Cansaço através da equivalente imagem de uma Sociedade da Transparência, que bem complementa a anterior, aprofunda, assim, o paradoxo entre liberdade e opressão através da igualmente paradoxal relação entre transparência e isolamento:

“ A sociedade de controle atual apresenta uma estrutura panoptica bastante específica. Contrariamente à população carcerária , que não tem comunicação mutua , os habitantes digitais estão ligados em rede e têm uma intensiva comunicação entre si. O que O que assegura a transparência não é o isolamento, mas a hipercomunicação. A especificidade do panóptico digital é sobretudo o fato de que seus frequentadores colaboram ativamente e de forma pessoal em sua edificação e manutenção, expondo-se e desnudando a si mesmos, expondo-se ao mercado panóptico.”

( Byung-Chul Han In a Sociedade da Transparência. Petropolis: Editora Vozes, 4º edição, 2019, p.108)

O  que aqui se coloca como desafio de um pensamento/espanto é o pânico da discurso crítico.