sábado, 18 de janeiro de 2020

A FLOR DA PELE


A pele nossa de cada dia nos abriga e forma.
Ela é   superfície,  atrito e encontro profundo
Entre o corpo e o mundo.

É carne, sangue e impressão,
Uma roupa viva que por nós  existe.
A pele é alma além da forma.

Nada é profundo.
Tudo é  pele e profano
em vital Sensualismo.


quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

DO CORPO, DA LIBERDADE


É no corpo que o mundo existe,
que o pensamento vira comportamento
através do dizível e do visível.
É também no corpo
que o poder se inscreve,
que a norma desenha a opressão do gesto.

Mas o mesmo corpo produz, ainda,
o  espontâneo e o novo,
na medida em que cria,
que deseja,
que inventa o inesperado
Na intuição do indizível,
para dar forma a liberdade
que ele próprio exige
como uma grande dança
De celebração do sensível.

A VIDA DOS ENUNCIADOS


Hoje não passamos de um lugar enunciativo,
onde as palavras convulsionam
e o falar engasga na garganta.

Expressar-se é um ato de criação
do qual já não somos capazes.

 As palavras circulam,
somos habitados por signos e símbolos,
afogados em sentidos,
até o limite da compreensão,
Mas a linguagem nos cala
No dizer que se impõe. 
 É  nosso silêncio que anima
tudo aquilo que é dito.

TEMPORALIDADE MÓRBIDA




O futuro tornou-se uma lembrança triste,
reminiscência de um tempo
onde eramos jovens
e o amanhã parecia possível.
Somos contemporâneos de passados
que nunca existiram
na ficção de um presente
desde sempre defasado
e carente de agora.

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

TEMPO E REVOLUÇÃO


Depois de maio de 1968
o tempo abandonou a história.

O devir acordou o absurdo
no pesadelo da eternidade
enquanto o instante explodia o século
derrubando a ditadura do  calendário.

Já não há mais antes,
nem depois.
A Historia perdeu a Razão.
Hegel foi decapitado!
Tudo transborda
No eterno retorno do  agora!

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

PALAVRAS AVULSAS




Palavras avulsas decoram o quarto.
Sei o ritmo da escrita fácil,
As velocidades das letras em combinado
E a harmonia do sentido
que suja o espaço em branco.

Tais palavras nunca são  profundas.
Apenas beliscam a consciência 
Tentando provocar um sorriso,
Desdizer a realidade,
No mais que  real 
Da imaginação e do risco
De transmitir o silêncio de ser
simulando melodias.







A POTÊNCIA DE QUASE SER




“Os homens, dizia em essência Kant, não são feitos destas madeiras duras e retilínias, com as quais fazemos mastros. Se as vezes, para alguns, existe ao longo da vida uma espécie de fidelidade a si mesmo, uma coerência, outros conhecem rupturas improváveis. Estes tornam-se irreconhecíveis a si mesmos e aos outros, cabendo-lhes varias vidas diferentes. Mas, em princípio, cada existência, mesmo a mais tranquila, contem um numero infinito de possibilidades que a cada instante reorganiza suas virtualidades.”

David Le Breton in Desaparecer de si: Uma tentação contemporânea

O ego, enquanto complexo psicológico que opera como centro da consciência, esta longe de  ser uma realidade continua, unitária. Constitui, ao contrário, um campo instável, sujeito a permanentes rearranjos e rupturas cujo desenrolar quase não percebemos.

Nunca permanecemos os mesmos.  Há em nós  um virtus (força ou potência) que nos impõe o possível como uma sombra de incerteza e transformação projetada em um porvir sempre renovado. 

O ego segue sempre a frente de sua auto manifestação concreta. É como uma miragem, como um duplo de si mesmo. Nunca se apresenta como identidade fixa. Manifesta-se,  ao contrario, como virtualidade e inacabamento que  nunca  se adéqua ao rosto.

A criança que fui um dia, por exemplo,  não esta contida naquele que sou hoje. Ela simplesmente desapareceu como manifestação circunstancial de um eu no qual nunca me reconheci por inteiro.

O eu, portanto, só existe como possibilidade, só é em si no movimento de tornar-se. Existe, portanto, na indeterminação de um quase ser, no complexo deslocamento de coisas dentro de coisas, através do movimento de corpos dentro de corpos, que não cabem na ilusão da homogeneidade e continuidade de um pensante e sensível eu que faz do mundo espelho da sua auto ilusão .





quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

A SOMBRA DO FUTURO



Busco um futuro livre de qualquer passado,
limpo do peso morto das humanidades,
das ilusões da razão na história.

Um futuro que  transborda sempre o presente
através da potência do virtual,
da indeterminação do inatual,
que recusa toda teleologia racional,
todo pragmatismo.

Busco um futuro onde a vida
evite o agora
e se faça sempre presente
através do inatingível,
do inacabamento  de viver na margem
de qualquer miragem de posteridade.


MEU NÃO SER



Meu não ser
é saber terra,
viver animal,
desfeito em natureza
e afeto.

Meu não ser
é devir
contra a história,
eterno retorno,
cosmovisão redentora,
impessoal.

Meu não ser
é um existir natural.

A PALAVRA MOVENTE


Sou escravo desta palavra torta que me liberta de mim mesmo, que nega o mundo e  se escreve no corpo, como afeto, movência, que alimenta imaginações profundas na superfície da consciência que rasga livros. 

Esta palavra que não respeita a gramática de qualquer moral ou verdade, é  expressão radical da vida impossível latente no vento de enunciados aberrantes. Ela é a intimidade de um niilismo que não  reconhece qualquer autoridade e nasce no ventre das agonias mais cotidianas e urgentes como abstrata e existencial paisagem.