terça-feira, 17 de setembro de 2019

UMA VIAGEM A LUA NOS PRIMÓRDIOS DA ERA DOS SIMULACROS




Realizado na França, em 1902, com roteiro e direção de George Méliès, mágico e ex-ator de teatro, auxiliado por seu  irmão Gaston Méliès, A Viagem a Lua ( Le Voyage dans a lune), que tem apenas, aproximadamente, 13 minutos de duração,  é considerado o primeiro filme de ficção científica da história do cinema e também o primeiro a usar técnicas de efeitos especiais.

Ainda hoje, sua famosa cena do homem pousando no olho da lua, frequenta o imaginário popular dos cinéfilos, apesar da estética e linguagem da arte das imagens em movimento ter mudado muito desde o inicio do século XX.   

Mas, apesar de suas pioneiras inovações técnicas, o   filme pode ser interpretado como uma critica ao cientificismo e uma ridicularização dos valores “modernos” que naquele limiar de século sustentavam em muitos um otimismo desmedido em relação a razão e ao progresso científico e tecnológico.

É muito verossímil que a imagem de cinco astrônomos sendo lançados a lua em uma capsula de canhão, atingindo em cheio um de seus olhos, mesmo  naquela época de sensibilidades ingênuas, deveria parecer um pouco bizarro  aos entusiasmados frequentadores das salas do cinematrógrafo. Até porque, estavam eles até  então, acostumados a um cinema mais realista e direto.

Especulações a parte, trata-se aqui de uma mera peça de entretenimento sem grandes pretensões filosóficas ou reflexivas. Mas é impossível vê-la hoje em  dia  sem adivinhar nela um certo humor anárquico em relação ao otimismo  de sua época que, diga-se de passagem, não duraria muito tempo. Um pouco mais de uma década depois, afinal, a Europa mergulharia na barbárie sem precedentes de  sua primeira guerra de nações comprometendo o ufanismo pós iluminista no potencial emancipatório da razão humana.

Em uma leitura retrospectiva a “modernidade” da experiência cinematográfica tecnificava a magia e inaugurava a época do simulacro que agora, mais de um século depois, parece prestes a ser levada as suas ultimas consequências, através da possibilidade do “pós cinema” das novas tecnologias de realidade virtual que prometem por de vez a perder nossa convencional noção de realidade.    


NEMETON



Uma porção de arco íris,
Um pouco de pó  de lua
E fogo do sol.
É  tudo que precisamos
Quando a natureza fala
Através de nós
E a imaginação acorda um cosmos
Contra a civilização  e seu caos.

Assim, cada um descobre em si  seu animal
Para se torna uma criança do vento
No verde ventre de seu Nemeton.

EXPERIÊNCIA ARTÍSTICA

Cada obra de arte reinventa a experiência de saber e sofrer o mundo pela primeira vez. Por isso a arte escapa ao tempo e transfigura o cotidiano.

É  necessário ter a imaginação  de uma criança  para bem compreender a arte é reinventar o mundo como  experiência estética,  cósmica e transbordante.

Sem arte a realidade seria insuportável.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

ESCRITURACÃO DO MUNDO E FUGA DE SI


As práticas de escritura, ou de criação e imaginação, são  uma terapêutica do sentido, da poesia. Pode-se falar também de uma transfiguração  do mundo e dos lugares da linguagem ordinária, do comportamento social que desfazem as paredes do cotidiano como uma recusa  do próprio eu.

Escrever é  não  estar em parte alguma, é  fazer da palavra um lugar de exílio de si, de reapresentação  da vida como experiência ética e estética.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

META ESPAÇO EXISTÊNCIAL


Talvez a existência não  passe de algo vago localizado  fora de nós. Talvez ela seja uma busca nunca concluída por uma materialidade definitiva.

Mas nós,  estas coisas feitas de coisas, até o micro do quase nada de milhões de partículas, somos  provisórios arranjos espaciais, detalhes em uma paisagem infinita de incertezas e caos, onde tudo se entrelaça  em coordenadas, movimentos e  inquietações de corpos materiais e imateriais.

Talvez a existência seja uma ilusão, uma composição provisoria de coisas diversas em um conjunto instável, em um estado sempre de transição  entre  diferentes formas de quase ser, onde tudo que não  existe agora já   é prenúncio de algo porvir.

terça-feira, 10 de setembro de 2019

EU CORPO


O eu transborda a linguagem.
Ele não cabe na consciência.
É extensão,
Corpo,
Matéria no espaço  movente
Que inventa o tempo,
Intensidades e afetos.
O eu é fragmento,
Desejo e necessidade
Como uma falta que preenche.
Tudo nele é relacionamento,
Espelho,
Composição provisória
Na incerteza do mundo.
O eu não é identidade,
Mas efeito.
Ele é o vazio
Entre o dentro e o fora.
Ele é  a dobra da ilusão
Que sustenta a realidade
E afasta a estranheza,
A certeza do caos.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

TRANSBORDAMENTO DISCURSIVO



Há  excedentes de sentido contaminando o entendimento.
O significado transborda em interpretações  conflitantes.
Nenhuma boa escolha é  possível na economia dos valores.
É sempre questão de subtração....

Impera um sentimento de dispersão,
De invenção e inversão
Que extrapola qualquer enunciado unilateral de verdade.

Posso tocar o ilegível  no nervo da frase,
Explorar os silêncios afundados no discurso,
Como um segundo texto invisível,
Contrariando quase tudo que foi dito.

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

IMAGEM MÁQUINA




A lente da maquina
Nunca registra
Os sentimentos,
As curvas, obstáculos e velocidades,
Que definem a intensidade do movimento
 De um momento vivido.

A maquina sabe ver apenas uma vez.
 Ela é algo que registra,
Estabelecendo um olhar sem memória.

Seja um filme
Ou uma fotografia,
A imagem maquina carece de alma,
É impressão
Que vira signo,
Fora do tempo,
No sempre igual do presente
De um simulacro de eternidade.

Mas o que é a realidade além do seu próprio efeito
Como imagem arquetípica e simulacro?

SOBRE CONSCIÊNCIA E EXISTÊNCIA



É impossível separar consciência e existência na produção da vida através de seus efeitos. A consciência inventa a existência na mesma medida em que a existência inventa a consciência. Ambas se fundem em memória, em sentimento e ação. São expressão do corpo, do meio, em suas múltiplas intercessões de processos vitais, arranjos e metamorfoses.

No grande mosaico da natureza, há apenas encontros dentro de encontros até o infinito das conjunções hipotéticas. Tudo se interpenetra.

Cada um de nós é um ponto de interseção, um improvável arranjo que se inventa e reinventa a todo momento. Não sei o efeito de ser o que sou, pois sofro o efeito de tudo que me compõem como detalhe e paisagem, dentro e fora. Não há, portanto, propósito em definições sobre o eu ou o intelecto isolado do meio. Existir é ser a vontade que circula e age através de cada coisa. É ser tudo e não ser nada. É saber um mundo no grão de areia que sofre a praia. Cada arranjo provisório de coisas da natureza é um efeito e um micro universo de coisas em transição.

Tudo isso nos deixa perplexos diante da vida. Afinal, nenhuma definição de vida da conta da experiencia de viver. Nada vive em si mesmo.  A vida escapa a linguagem na composição de existências, na interseção do orgânico e do inorgânico.         

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

ALÉM DA VERDADE E DO ERRO


Existe uma zona de interseção  entre o erro e a ilusão  que define o afeto ou efeito de verdade.


Por isso todo autêntico exercício de pensamento deve voltar -se contra si mesmo, ir além de seus enunciados. 

Pensar é  um exercício sempre inconclusivo, perene. Algo próximo a uma brincadeira que sempre se renova como prática de imaginação.

Um pensamento que se insurge contra a verdade, dá liberdade a razão para devir, ser corpo e experiência. Torna-se  um modo ético de existir, configurando uma forma de vida além do erro e da ilusão de qualquer convicção. Tudo se faz, assim, experimentação.

A verdade é um preconceito moral que superamos ao mergulhar na imediata experiencia das coisas.