segunda-feira, 13 de maio de 2019

SOBRE O DESLOCAMENTO DO EU


A posse de um eu já não nos determina. Nossas vidas são invisíveis. As multidões nos ultrapassam impondo o ritmo do impessoal, do padrão universal de consumo, dos modos de vida que já não cabem na existência de ninguém, mas a todos definem.

Nossos afetos são comuns, banais. Não nos tornam especiais. As biografias são descartáveis, variantes de enredos sociais pré definidos. Cada um de nós se tornou previsível, transparente para a organização normativa do real.

O que um eu ainda significa quando nosso comportamento deixou de ser criativo? Somos versões diferentes de um ego virtual pré concebido, apenas o conteúdo de um rótulo, de uma classificação. Nos reduzimos a qualquer tipologia social.

sexta-feira, 10 de maio de 2019

O NÃO SER DO TEMPO

Há um certo ponto no tempo, onde o próprio tempo, de tão intenso, já não persiste.


Mas não se trata da eternidade. É um instante tão ínfimo que não tem fundamento. Nele só ha a potência do que é virtual.

Só bem compreende isso, quem é capaz de duvidar da própria existência. Afinal, o que nos garante, que o Ser não passa de uma grande alucinação?

segunda-feira, 6 de maio de 2019

NIETZSCHE E OS PENSAMENTOS QUE ANDAM



Segundo Nietzsche, em um aforismo das Máximas e Flechas que abrem o   Crepúsculo dos Ídolos, apenas os pensamentos andados tem valor. Trata-se de uma crítica ao escrever sedentário, estático e contemplativo, que cala o corpo e carece de vida, na afirmação dos modernos intelectualismos, da moral, das normas e leis que ferem os espíritos livres que não se detém diante de nenhum princípio. 


É preciso arrancar os olhos para enxergar, encontrar a felicidade em uma meta. Uma meta que é a própria vida como destino. Não a fábula do mundo verdadeiro tão cara aos sábios de todo mundo. A vida é inimiga da sabedoria. Ela está nos pés descalços que procuram a terra fértil e provam sua irregularidade, seus desafios ao frágil equilíbrio dos escribas da verdade. Quantos de fato entre nós realmente aprenderam a andar?  O "homem" é um animal que não sabe andar, que não tem onde ir.

domingo, 5 de maio de 2019

SOBRE A ARTE DE DESENHAR


Não gosto de linhas. Prefiro desafiar minhas inércia inventando curvas. Nunca estou partindo de um ponto em busca de outro. Estou sempre buscando o vazio.

Talvez eu me torne refém de um círculo, retornado sempre de novo ao mesmo lugar. Como se isso fosse possível...

O plano ensina a indeterminação do ponto, a soberania do vazio sobre o traço. O desenho foge a geometria, inventa um campo, quase um quadro.

A SEGUNDA METADE DA VIDA OU A POESIA DO CREPÚSCULO


O aforismo 610 de Humano, demasiadamente humano, de Nietzsche é um convite a qualquer sabedoria de crepúsculo:

" Os seres humanos como maus poetas-  Assim como na segunda metade do verso, os maus poetas buscam o pensamento que se ajusta a rima, na segunda metade da vida, tendo se tornado mais receosas, as pessoas buscam as ações, atitudes e situações que combinem com as de sua vida anterior, de modo que exteriormente tudo seja harmonioso: mas sua vida já não é dominada e repetidamente orientada por um pensamento forte; no lugar deste surge a intenção de encontrar uma rima."

Na segunda metade da vida buscamos continuidades impossíveis, manter a rima de nossos atos e atitudes onde já não há mais do que uma sombra de quem fomos.

Mas sem forças para carregar o tempo acumulado no corpo, optamos pelo teatro de velhas posturas para que tudo pareça bem, pelo menos exteriormente.


Não nos aceitamos. Negamos a vida a poesia  do crepúsculo celebrando um sol que já não é mais radiante como na manhã da infância.

C G Jung consagrou sua psicologia analítica a este período da vida onde somos confrontados  com a finitude, com a fragilidade do ego e das certezas cotidianas.

É neste último período do ciclo biológico que o cuidado de si se faz uma exigência da existência e cada  um é desafiado pelo seu próprio abismo.

quinta-feira, 2 de maio de 2019

TERRA


A terra que nos engendra,
Onde nascemos
e aprendemos ser, 
Mudando, criando,
Sendo entre  corpos,
É extensão e imaginação.

Ela é puro movimento,
Diversidade e fecundidade.

A terra sabe a si mesma
Através de mim.
Pois vivo, tal como morro
Dentro da paisagem.

Meu corpo é a terra,
É devir, por vir
E eterno retorno.

quarta-feira, 1 de maio de 2019

FELICIDADE E FICÇÃO


" Em todas as vidas existe qualquer coisa de não vivido, do mesmo modo que em toda palavra há qualquer coisa que fica por exprimir. O caráter é a obscura força que se assume como guardiã dessa vida inticada: vela atentamente por aquilo que nunca foi e, sem que o querias, inscreve no teu rosto a marca disso. Por essa razão, a criança recem-nascida parece já ter semelhanças com o adulto: de fato, não há nada de igual entre esses dois rostos,  a não ser, num como noutro, aquilo que não foi vivido."
Giorgio Agamben in Ideia de Prosa

A felicidade é aquilo que nunca foi ou será, mas permanece como fantasia abstrata de uma vida ideal. Vários tempos, afetos e carências, se misturam na composição desta ficção que eleva o individual ao plano do coletivo, do impessoal.
A felicidade é o desejo personificado por sua plenitude intempestiva. Ela é uma recusa da contingência e da própria realidade, uma teimosia ou inadequação instintiva a vida como ela é.
Há um comércio estranho entre felicidade e literatura que revela a linguagem como um ato de transgressão.

CORPO PENSAMENTO

Um indeterminado desejo sem objeto engendra um pensamento, desenha um sentimento, expressando a vida como um movimento entre o dado e o por vir.


Há muitas possibilidades dentro deste instante. Há intensidades que situam o corpo dentro da paisagem.

O pensamento da forma ao desejo e transforma o tempo em um laboratório de subjetividades.

O pensamento se confunde com um espaço aberto de experiências que através do corpo ganha realidade.

Mas não há sujeito. Apenas a composição de coisas e estados compondo uma frase, produzindo uma intencionalidade onde o meio, o infinito e o íntimo inventam uma consciência.

O pensamento não se encontra em si mesmo. Ele é um saber que é expressão da extensão, ele é no corpo que já não se distingue dele.

terça-feira, 30 de abril de 2019

A MUSICA COMO PAISAGEM EM MOVIMENTO



A música é cinese.
Como tal dá voz ao mundo
Transfigurando o tempo.

A paisagem é musica,
Ritmo, velocidade,
Que situa os corpos,
Que inventa perspectivas.

A música é o intimo das coisas.
É tudo aquilo que nos acontece
E produz movimento.


A AVENTURA DA PALAVRA



Busco a palavra como fissura,
Como uma fuga,
Que leva a transcendência do cotidiano,
A uma outra forma de saber as coisas,
De sentir e apreender a realidade
Como experiência imprecisa e múltipla
De um quase dizer as coisas.

Busco a palavra como exercício de transfiguração e deslocamentos,
Como uma exploração do nada, do insatisfatório e do insuficiente,
Como testemunho do impessoal, do indeterminado,
Do que sempre será rascunho e inacabamento.

Quero a palavra que quase não é palavra,
Que recusa o signo e o significado,
Que extrapola o comunicável
E diz a carne do silêncio.
Uma palavra música, pintura,
Que expressa o fluxo do afeto
E registra encontros.