domingo, 17 de fevereiro de 2019

A VIDA CONTRA A POESIA

Uma vida que nada quer,
Que apenas se apresenta,
É a fonte de toda experiência.


Acontecemos sofrendo a existência,
Sabendo uns aos outros através de palavras.


Três refeições por dia nunca nos bastam.
Queremos devorar o mundo.
Temos fome de infinito.


Mas a vida nada quer,
Escapa às nossas palavras
Como escapamos uns aos outros.


O mundo é quase nada.
A vida não nos basta.
Queremos o brilho dos deuses.
Somos escravos de metafísicas,
Capachos de nossas palavras.


Mas a vida nada quer.
Por isso inventamos a poesia
Apostando na palavra
Contra a própria vida.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

O OUTRO DA EMOÇÃO



"A emoção não diz 'eu'. Como você mesmo disse, se está fora de si. A emoção não é da ordem do eu, mas do acontecimento. É muito difícil apreender um acontecimento, mas não acredito que essa apreensão implique a primeira pessoa. Antes seria preciso recorrer a terceira pessoa, como Maurice Blanchot, que diz haver mais intensidade na preposição 'ele sofre' do que em 'eu sofro'." 
Guilles Deleuze. A pintura inflama a escrita in Dois Regimes de Loucos: Textos e Entrevistas ( 1975-1995)


A emoção é uma espécie de possessão. É algo que vem de fora, que invade o eu, a consciência e, simplesmente, transborda.

Ela nos lança ao afeto sem a racionalidade eletiva e a teleologia do sentimento. Mas não há sentido em qualquer oposição entre emoção e pensamento. Ambos são grandezas psicológicas que transcendem o ego.

A emoção não é escolha. É sequestro. Ela acorda em nós um outro, um excesso. Ela nos põe em risco, nos ultrapassa,  sufoca e nos embriaga de caos.
A emoção é mais do  que afeto. É grito e ofuscação.

Aquele que sente não existe dentro do acontecer da emoção. Ela transcende o dualismo entre sujeito e objeto, fazendo o corpo confundir-se com o mundo na intensidade da experiência do dentro e do fora.

O EXTERIOR COMO INTERIORIDADE

A consideração do mundo é sempre uma consideração de si mesmo. A escrita e a fala, expressam esta coincidência entre o eu e o outro dentro de nós. Somos onde não estamos, somos a vida em todas as suas formas. Viver é um movimento para fora, uma exterioridade. Ninguém existe em si mesmo.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

DEFINIÇÃO DE LIBERDADE




Liberdade não é ter escolhas,
É afirmar-se como demiurgo de si mesmo,
Transcender-se,
Nadificar-se,
Absurdonizar-se,
Até que a própria realidade não tenha alternativas,
Até que  não haja mais fronteiras ou hierarquias
Entre o eu e o mundo.

Liberdade é quando a vida imita a arte
e inventamos nossas próprias escolhas.


segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

O CAMINHO


A PALAVRA PELO AVESSO


Meu objetivo é dessacralizar a palavra, transcender o verdadeiro e o falso, no ato abstrato da expressão. 

Sei que dizer é inventar a mim mesmo como experiência de mundo na intuição do por vir.

Por isso sou em todos os tempos da minha experiência descontínua de existir, sou onde não existo, na simultaneidade sincrônica da manifestação de todas as coisas.
A vida me ultrapassa em potência e sonho. A palavra não dá conta do pensamento. As palavras desenham imagens no simulacro de arquétipos. Dizer já não importa. O corpo fala e desenha silêncios dentro de um livro.

domingo, 10 de fevereiro de 2019

CARTOGRAFIA DE SI E ESTÉTICA


O encontro entre o "eu" e o"ele" que nos habita é um desafio cotidiano do pensamento.

Descobrir-se como exterioridade, como parte do mundo em sua intensidade de afetos e texturas, é compreender a superfície como o mais profundo das coisas. É adquirir uma sensibilidade de pele, de contato, que embaralha todos os sentidos.

É isso que torna possível o exercício gratuito de uma cartografia de si mesmo, a invenção cotidiana de uma estética da existência que dispensa qualquer fundamento, qualquer referencia intologica.

DIVERSIDADE

Aquele que não deseja ser um outro jamais será ele mesmo, nunca saberá a maestria do anonimato. Suas palavras íntimas serão colhidas na boca de todos.

É preciso perder o rosto, tocar a pluralidade, para inventar-se como singularidade. Ser um através dos outros é um longo trabalho de linguagem.

Sair da multidão informe é da forma a diversidade. É saber o "ele" que reinventa o "eu".

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

A VIDA DAS PALAVRAS


As palavras tem vida própria.
Elas criam seu próprio destino,
Suas questões, buscas e combinações.

Por isso  o texto sempre nos ultrapassa,
Seja como autores ou leitores.


A escritura é uma aventura que se inventa,
Que foge, engana e transforma.
Tudo é sempre questão de interpretação.

Não tenha a pretensão de ser um escritor
ou um bom leitor.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

ÉTICA E FORMA DE VIDA





Eudaimonia significava para os gregos “ser habitado por um bom daimon”. A expressão descreve um estado de bem estar ou felicidade bem personificado pela máxima estoica de “viver de acordo com a natureza”. É neste mesmo sentido que ela figura na Ética de Nicômaco de Aristóteles para o qual o caminho da felicidade é a virtude. Pensada como eudaimonia a felicidade não é um mero estado de consciência associado à experiência egóica. É um viver bem através dos preceitos da razão. 

Espinosa redimensionou o conceito de eudaimonia em sua Ética ao incorporar às paixões e os afetos a reflexão ética. O gnosiológico e o afetivo se complementam na teoria dos afetos exposta na terceira parte de sua Ética. Mas foi Foucault que, em seu retorno aos gregos, redescobriu a ética como uma estética da existência, como a construção de formas ou modos  de vida. Nesta nova perspectiva a ética não é a conformação a razão e a verdade, mas a disciplina inerente a criação e a expressão plena de nossos corpos, um afetar e ser afetado, através de técnicas de  cuidado de si e dos outros. A ética, nesta perspectiva, é antes de tudo o exercício da amizade no plano da vida pública e cotidiana a margem da busca por qualquer experiencia logocentrica e exterior de verdade.  

Inspirando-me nas pesquisas do "último Foucault", o que aqui me parece pertinente questionar é até que ponto a ética é uma busca abstrata pela felicidade através do bom exercício da razão, tal como afirma a tradição filosófica. Talvez em nossos dias ela possa ser pensada como um modo de inventar a si mesmo, uma forma de ser criativo, ou um prazer ou vivência estética de si. Em outras palavras, a ética hoje esta associada a produção da subjetividade como criação social de formas de vida coletivas e singularidades. Não se confunde com a meta abstrata de uma felicidade incorpórea que realiza um ethos, mas a própria plenitude do corpo e da vida,ou, a possibilidade de um voltar-se para si, um tomar a si mesmo como obra de arte além do bem, do mal, e do assujeitamento de um ideal impessoal de felicidade.

É este voltar-se para si que Foucault resgatou entre os antigos gregos através do cuidado de si que torna hoje a ética uma questão tão essencial em nossos dias enquanto estrategia de reinvenção de nós mesmos. 
Diante dos limites do tempo presente é sempre pertinente questionar o que podemos ainda nos tornar no devir da existência... E esta, ao meu ver, é o novo horizonte de uma reflexão ética ainda possível.