quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

REINVENÇÃO



"A vida só é possível
reinventada."


Estes versos de Cecília Meireles transcendem a palavra. Pois vida não é uma palavra. É algo quase impossível em meio ao lixo diário da existência, da sobrevivência, dos limites, dores, vazios e desencontros de céu e de lua, contra os quais a vida precisa ser reinventada para ser possível.


É urgente:
A vida precisa ser reinventada para ser possível!

A vida não é uma palavra....

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

A MULTIPLICIDADE DO VIVENTE

O vivente se confunde com o mundo orgânico. Ele é múltiplo na constituição de tudo aquilo que vive. Abarca o germe, o vegetal e o animal em suas interseções. Por isso não é possível uma ciência do vivente. Ele é impreciso entre o animado e o animado. É uma espécie de efeito e não uma presença. Tudo que existe produz um movimento vivente. Afinal, porque não podemos dizer que uma estrela vive? Mesmo quando no céu ela não existe, perpetuando-se como reflexo  na escuridão noturna, contra o tempo ela persiste.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

O NÃO SENTIDO DE SER

O ser que me define é tudo aquilo que me controla.
São meus órgãos além do organismo,
Os pensamentos, a vontade,
O desejo e a respiração.
É o ato e a fala.
É tudo isso que demasiadamente sou,
Mas que não sabe o ser.
Sem saber sou o mundo.
Sou química, física e abstração.
Encontro entre o orgânico e o inorgânico.
Sou o que simplesmente não faz sentido.
O resto é ilusão.

O DESAFIO DA FILOSOFIA


Sabemos desde Foucault que a contingência e a singularidade da nossa época define nossas sensibilidades, aquilo que nos é possível pensar e fazer. Nietzsche, antes dele, definiu sua filosofia como uma filosofia futura contra a singularidade de seu próprio tempo. Talvez está seja a condição de toda filosofia ainda possível: a recusa dos limites contra os quais o pensamento se defronta em todo contexto social vigente. Pensar o impensável, o improvável, reinventar a nós mesmos, é o que sempre se coloca novamente no horizonte daquele que se dedica ao desafio de pensar, de contemplar a esfinge  do tempo de agora e seus enigmas.

Uma vertigem sempre nos esclarece a filosofia, não como uma disciplina acadêmica, como um saber canônico, mas como uma experiência de linguagem, um confronto com a impessoalidade, com o amorfo de nossa condição humana. Ela mesma uma construção provisória, um artifício para o entendimento. 

É preciso uma boa dose de ceticismo para levar as últimas consequências a experiência filosófica contra a própria tradição filosófica, contra nossas certezas e premissas. O que nos move é a questão básica sobre o que o pensamento é capaz de criar , o quanto ele nos permite escapar do mais corriqueiro e naturalizado senso comum.

SOBRE O FATO DO PENSAMENTO

Não nos é possível uma genealogia do pensamento e da consciência. Só podemos dizer que pensar é estabelecer conexões entre um fora e um dentro, entre o eu e o mundo. É um processo que se amplia com nossa passividade e do qual somos em alguma medida inconscientes. Sofremos um pensamento. Não somos seus autores. Ele acontece no plano da linguagem, dá produção e circulação social dos signos e símbolos.

Pensar é um modo de produção da realidade que nos transcende.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

SOBRE A GEOGRAFIA DA ESCRITA

A palavra é sempre um dizer das coisas. Mas tal dizer, em todas as gramáticas possíveis, é sempre ficção.

O virtual define a palavra como potência. O conceito de realidade lhe escapa, apesar de sua intenção de verdade.

Se a palavra é o ser do próprio pensamento ela é antes de tudo um lugar, um plano. Escrever é percorrer a geografia viva das palavras construindo e reconstruindo constantemente sua paisagem. Escrever é basicamente um ato de imaginação, de criar imagens através de cenários conceituais.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

UMA FOLHA CAIU

Um pequeno poema de Cecília Meireles inventou, em franco ataque de lirismo inútil, uma vertigem de vento.
Um movimento de silêncios antigos acordou o tempo e o espaço nas permanências de um eterno retorno contra o imperativo dos significados.
Uma folha caiu em todos os tempos....

EPIGRAMA N 9

O vento vai,
A noite toda se atordoa,
A folha cai.

Haverá mesmo algum pensamento
Sobre essa noite? Sobre esse vento?
Sobre essa folha que se vai?

Cecília Meireles

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

ENTRE O PASSADO E O FUTURO

Não viver mais em um mundo prisioneiro do peso da tradição e da autoridade significa antes de tudo que já não  sofremos o peso de qualquer representação do passado. Somos livres para ousar o inédito, o imprevisível, contra todas as expectativas e normas estabelecidas. Ao mesmo tempo, carecemos de criatividade no cenário virgem de um princípio de século onde tudo está em aberto, suspenso e em mutação. Mas nos contentamos com citações e atualizações de passados que já não mais nos frequentam.

Ainda não somos capazes de vislumbrar o contemporâneo em toda a sua radicalidade. Enquanto o ontem devora o hoje, o novo agoniza e se espalha através de múltiplas versões de um futuro inconsciente. Tudo que se oferecer no horizonte volta-se, então, contra tudo aquilo que nos define na prisão do imediato do agora.

sábado, 24 de novembro de 2018

A GEOGRAFIA DAS MINHAS AUSÊNCIAS

Tenho sido desafiado pelo implacável tema de uma geografia das ausências. Nela cabem meus mortos, o desejo, as representações ocas dos discursos que tende sempre a verdade, minhas incertezas e frustrações diante da própria escrita que me escapa.

A vida e a palavra são preenchidas por ausências, povoadas por faltas que me preenchem. Sobre elas paira sempre um quase silêncio, uma presença não discursiva que é a própria nudez da existência. Hábito em minhas ausências. Elas são a pátria de todos os afetos.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O CREPÚSCULO DO PENSAMENTO

Podemos definir uma escala de probabilidade para julgar a veracidade de uma informação.

Afinal, em tempos em que o dito não busca o fato, mas o comentário, é razoável duvidar das fontes e informantes disponíveis. Pois nós mesmos estamos comprometidos ou corrompidos por determinada opinião, orientados  para moldar a realidade de acordo com certa versão que nos parece conveniente.

Selecionamos nossas informações como quem escolhe frutas na feira pois fomos reduzidos à consumidores de informações.
Não há mais um real ao qual elas se reportem. Tudo depende de interpretação e a informação visa apenas mais informação, a seleção e acumulo de  dados que previamente me escolheram como receptáculo e que são compatíveis entre si.

Desta forma, sou feito para determinado discurso em detrimento de outros. Replicar este discurso eleito é existir, sentir nele uma certeza que me define a ordem das coisas, que me sustenta o querer e dever ser do mundo. Estamos todos lutando contra os fatos, servindo a um determinado discurso.
Somos  agora espécies de copistas que corrigem o texto original. A veracidade é o que dá valor a uma informação. Os fatos são menores do que os acontecimentos e sustentam as guerras de opinião.

O valor corrompeu o conhecimento. A moral do rebanho se tornou absoluta. Nos tornamos escravos de opiniões e identidades coletivas, rótulos e bandeiras cognitivas.

Fomos corrompidos  pelo sentimento moral e o elevamos a condição de dispositivo de verificação. O tribunal da razão revelou-se como um novo tribunal  moral.