sexta-feira, 23 de junho de 2017

A MÁSCARA DO AUTOR E A AUTONOMIA DO DISCURSO

O autor é a persona delineada por um conjunto de signos e símbolos que estruturam um padrão de enunciados e configuração de  narrativas.

 Já uma obra autoral é uma singularidade. Singularidade que se define pela auto identidade de um discurso, pela sua forma especifica de dizer alguma coisa.

 Por isso  um autor não  pode ser um individuo concreto, mas um modo de dizer o mundo.


É assim que a escrita transcende quem escreve: Ela se impõem como jogo objetivo de significados em constante construção e reconstrução simbólica.

PALAVRAS E COTIDIANO

As palavras não são um instrumento  para expressão de nossos estados psicológicos  ou registros de consciência. Elas são a personificação do que somos no plano humano da existência. Elas são um objeto em si mesmo e o dizer não passa da vivencia de seu jogo simbólico/cognitivo.

Nossas vidas acontecem através de palavras.  Quanto mais densos e complexos nossos enunciados, mais articulada é nossa própria existência. A pesar disso, a vida cotidiana não é moldada por nossos discursos mais profundos sobre a realidade, mas pelo mais tacanho e superficial dizer das coisas concretas

quarta-feira, 21 de junho de 2017

IMAGINAÇÃO E EXISTÊNCIA

É cada vez menos possível a descrição de nós mesmos como lugar do acontecer da vida. Somos cada vez menos, através da introjeção de certos papeis sociais configurados por determinada época e formatação cultural, promotores de ações e transformações cotidianas da existência comum. Consequentemente, nos descredenciamos como sujeitos produtores de nós mesmos e nos reduzimos a consumidores de imagens impessoais que se replicam em variadas formatações  na circulação de ideias, emoções e angustias, através de todas as formas de mídia e narrativas. Nos tornamos receptores e reprodutores de imagens-sentido. 

UM LIVRO

Um livro é um objeto que quase nunca se resume aos seus próprios enunciados. Ostenta o nome do autor, a relevância do tema e as inquietudes do leitor. Muitas vezes diz menos do que  promete e se esconde em suas próprias paginas.

Um livro nunca é apenas um livro quando prova o sabor de diversas edições. Ganha, assim, sua própria historia, inventando memorias nas estantes e enfeitando nossas imaginações.

Mas um livro só vale a pena quando mais do que uma boa leitura acorda novas palavras na cabeça da gente, perpetuando-se como um texto .

Um livro, entretanto, também pode ser um objeto mudo.


terça-feira, 20 de junho de 2017

BOA LEMBRANÇA

Do ontem ficou um pouco,
Um gosto de sonho perdido
Que me inquieta
As margens do agora e sempre.

Fui preenchido por um bom momento,
Por um sopro, um movimento,
De existência intensa
Que não cabe no abismo
Da simples rotina.
Estar vivo é surpreender-se.


NOTA SOBRE O TEMPO PRESENTE

O tempo de agora é puro devir em sua enganosa regularidade. Posso senti-lo escapando, se transmutando em constantes variações de si mesmo. Paradoxalmente ele é constante, através do passado e do futuro.

Talvez o presente não passe de um tempo verbal, do ato e do fato em estado bruto, sempre se perdendo ou nos escapando na dissolução do absoluto de cada instante.


domingo, 18 de junho de 2017

NA CONTRA MÃO DA MULTIDÃO

" Um dos traços do Escravo é seu desejo de conformidade, sua vontade de estar ao lado do numeroso, da massa e dos grupos. Sozinho, ele está perdido. Ele quer o calor animal dos discípulos, os vapores da concentração e do espírito gregário. O mimetismo, eis sua qualidade essencial. Quando o hiperboriano evolui na mais franca das altitudes, o homem das multidões apodrece nos buracos da unidimensionalidade."

Michel Onfray in A sabedoria Trágica: Sobre o bom uso de Nietzsche

Aquele que anda sempre entre muitos não sabe distinguir a própria voz do coro da multidão. Nem mesmo conhece seu destino e as vontades do próprio coração.

Aquele que anda sempre entre muitos é puro  mimetismo.  Esta entre todos porque é ninguém. Vive significando o mundo sem tocar o não sentido da sua própria existência.

Apenas no abrigo da solidão pode alguém, dialogando com a própria sombra, vislumbrar o abismo de seus dias e a plenitude da ilusão de sua existência.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

FILOSOFIA DO NÃO SER II

No mercado contemporâneo das ideologias, o niilismo é mercadoria do mais alto valor de uso. Pois denuncia a nulidade de qualquer certeza, eliminando toda concorrência. Não há valor de troca na verdade. O vazio é a medida do desvalor de todos os enunciados com pretensão a verdade.
O próprio niilismo é uma não verdade....

FILOSOFIA DO NÃO SER

Desde Platão somos assombrados pela metafísica da verdade e atormentados pelo fantasma do bem e do justo. Somos obcecados pelo significado, pelo imperativo do Ser. Resistimos ao não sentido, a consciência da nadificação, do paradoxo da simples indeterminação de nosso estar presente no aqui e agora, quando somos apenas silêncio. Nenhum ideal ausente sustenta nossa ilusão presente. Apenas não somos através de tudo aquilo nos afirma a existência e sentimento de mundo.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

SOBRE A COMPLEXIDADE DO TEMPO PRESENTE

O conceito de tempo presente sempre me pareceu uma questão complexa. Afinal, ele comporta a coincidência (simultaneidade) de formatações e referências culturais diversas, camadas de  significações e referências que extrapolam o imediatismo do agora e o tornam contemporâneo de conteúdos simbólicos e psicológicos  que atualizam passados e, em alguns casos, insinuam futuros. Há uma sincronicidade de tempos e vivencias no mero acontecer do presente que transcende a linearidade cronológica. Fato que não deve surpreender ninguém dada a pluralidade de condições culturais que coabitam em uma mesma época.

Essencialmente, o tempo presente é devir e movimento de consciência. Como tal ele é ação e não um atributo abstrato dos fatos . Ele não  se identifica com um conjunto de formatações culturais  efêmeras e “presentistas” que em hipótese definiriam a contemporaneidade como ethos de uma determinada época. Afinal, ele também atualiza e dialoga com o passado.

Na medida em que as tecnologias digitais engendram uma nova experiência de mundo e sensibilidades a própria contemporaneidade passou a envelhecer constantemente e freneticamente apontar para versões mais complexas de si mesma.  O contemporâneo tornou-se indeterminado, praticamente um estar em movimento, deslocando de modo agudo nossos enraizamento em identidades e padrões de experiência cotidiana de mundo e existência.