O saber circular e pedagógico
personificado pelo livro é cada vez
menos sedutor . Os discursos já o transcendem
como meio ou artifício em tempos
de digitalização da própria percepção. Pois o livro não comporta a
fragmentação, a simultaneidade caleidoscópica do virtual como nova plataforma
de construção e circulação do conhecimento de forma anti sistemática e
constantemente aberta. Na medida em que reinventamos o olhar através da tela os
enunciados não cabem na monotonia e concretude do impresso.
Este Blog é destinado ao exercicio ludico de construção da minima moralia da individualidade humana; é expressão da individuação como meta e finalidade ontológica que se faz no dialogo entre o complexo outro que é o mundo e a multiplicidade de eus que nos define no micro cosmos de cada individualidade. Em poucas palavras, ele é um esforço de consciência e alma em movimento...entre o virtual, o real, o simbolo e o sonho.
quarta-feira, 7 de junho de 2017
FRAGMENTO E ENUNCIADO
O jogo de sentido entre a
dispersão avulsa e a totalidade dos meus enunciados tem por resultado um dizer
aberto. Nada é sistemático ou conclusivo. Afundo convulso no superficial do
significado. Pensar é como colecionar
cacos de espelho. Não passa de um jogo e, como tal, possui um componente
lúdico.
O dizer das coisas não é um dizer
de um eu que pensa, muito menos uma busca pelo desvelamento de qualquer
verdade, mas um acontecer de discursos que guardam em si mesmos seu próprio
sentido. Aforismos são mais interessantes do que tratados pois proporciona ao
dizer uma pluralidade de temas e enunciados que não se esgotam em qualquer
arbitrária convenção discursiva.
sexta-feira, 2 de junho de 2017
DESVIOS EXISTENCIAIS
A vida seguia seu curso
E o mundo sua sina.
Éramos órfãos de muitos futuros
Enquanto cultivávamos o passado
Nas estufas vazias do tempo
presente.
Nada dizia venturas,
Viagens ou casa nova.
Éramos os restos de nossos
projetos,
Os desviantes de alguma utopia.
quarta-feira, 31 de maio de 2017
A DECADÊNCIA DA HISTÓRIA
Tendemos a tomar o imediato do
agora como um momento crucial e emblemático. Projetamos nele nossas ansiedades
e o tomamos sempre como marco de rupturas e transformações. Afinal, diferente
do passado e do futuro, o tempo presente é caracterizado pela ação, pelo
acontecimento bruto e concreto. É onde as coisas efetivamente acontecem, tanto
para o bem quanto para o mal.
Mas não necessariamente o
presente é sinônimo de transformação. Sua dinâmica pode guardar inercias,
continuidades e muito pouco potencial transformador. Nossa época não
necessariamente é o momento máximo e
privilegiado de um suposto “processo histórico” onde nos encontramos
constantemente as margens de um futuro condicionado a realização e emancipação
da humanidade, tal como proposto pelo pensamento pós hegeliano, especialmente
em sua vertente marxiana.
É, ao contrário, atualmente muito
difícil vislumbrar um propósito racional ou teleologicamente orientado em nosso convulso acontecer coletivo;muito
menos vislumbrar um progressivo
desenvolvimento linear, positivo, da
cultura humana. Em que pese o fascínio despertado pelos avanços tecnológicos e
tensões geo politicas,que em muito definem
o jogo de xadrez mundial,não estamos avançado para nenhum ponto ideal do
acontecer da humanidade. Pelo contrário, toda a historia humana nunca inspirou
tamanho desencanto e ceticismo.....
segunda-feira, 29 de maio de 2017
SOBRE ENUNCIADOS E COISAS
O
dito e o feito foram desfeitos.
Por uma absoluta falta de
sentido,
Não cabem mais na ordem de
qualquer discurso.
O ato e o fato, justificado e
claro,
Teleologicamente orientado,
Agora inspira desconfianças.
As opiniões andam a deriva
No revolto oceano das reflexões
pós modernas.
Até mesmo o decomposto sujeito
deste enunciado
Não se sustenta em um parágrafos.
Inventou-se um novo tipo de
silêncio
Onde o não dito é a premissa do
revelado.
Todas as narrativas e
justificativas tem cheiro de metafísica.
quinta-feira, 18 de maio de 2017
BUKOWISKI E A LITERATURA
Charles Bukowiski (1920-1994) é
para mim o mais intenso e singular escritor do século XX. Sua literatura não
encontra paralelos e ocupa um lugar solitário na história das formas
literárias. È única e , como nenhuma outra, se faz carne, vida, através de cada
conto ou poema que o autor nos legou. O
eu autoral de Bukowiski é uma persona imperfeita, desconjuntada, que testemunha
os limites do humano, o desencantamento da existência cotidiana, em um mundo que já perdeu o sentido e nos legou o
hedonismo como um fardo.
Neste contexto, escrever é antes
de tudo uma estratégia de sobrevivência, uma forma de suportar o próprio peso.
È mesmo tudo que resta a fazer para não enlouquecer, como diz o titulo que
reúne suas cartas redigidas entre os anos de 1945 e 1993. Através de suas
missivas podemos desnudar uma fecunda
critica ao oficio de escritor e uma reavaliação do papel da literatura.
Em uma carta datada de
27 de março de 1986, destinada a William Packard, encontramos, por
exemplo, a seguinte e inspiradora passagem :
“Escrever é apenas o resultado daquilo
em que nos transformamos dia após dia ao longo dos anos, é uma maldita
impressão digital do eu e é isso ai. E tudo que foi escrito no passado não é
nada; o que é... é apenas a linha seguinte. E quando você não consegue chegar
na linha seguinte não significa que você esta velho, significa que você está
morto.”
(Charles
Bukowiski. Escrever para não enlouquecer. Porto Alegre: L&PM, 2016, p.222)
Para Bukowiki, escrever não era
uma técnica ou algo que se aprende, mas um exercício de si mesmo onde não
existem regras. Em uma outra carta de 16 de fevereiro de 1983, destinada a Loss
Glazier ele é ainda mais explicito neste sentido:
“ Se existem quaisquer bons
escritores , não creio que esses escritores saiam por ai, andem por ai, falem
por ai, por si, pensando ‘Eu sou um escritor’. Eles vivem porque não há nada
mais para fazer. O troço se acumula: os horrores e os não horrores e as
conversações, os pneus furados e os pesadelos, os gritos, as risadas e as
mortes e os longos espaços de zero e
toda essa coisa, isso começa a se totalizar e ai eles olham a máquina de
escrever e se sentam e o troço salta para fora, não há planejamento, apenas
ocorre: se eles ainda têm sorte.”
(idem, p.196)
Não há nada de grandioso ou
fantástico na arte de escrever. Trata-se apenas de um modo de saber o mundo e a
realidade como palavra viva que nos traduz em enunciados. Escrever é apenas uma espécie de muleta para
espíritos mancos. Bons escritores não são pessoas felizes...
domingo, 14 de maio de 2017
CONTRA LITERATURA
Abomino a retórica,
todos os artifícios e recursos
da linguagem.
Cultivo um estranho modo
de dizer selvagem
que implode o sentido
através do absurdo
que ultrapassa o paradoxo.
Tento dizer o impossível
de uma existência silenciosa
onde as palavras derretem na voz.
CORPO E SIGNIFICADO
Levo comigo as ilusões de uma vida inteira
de incertezas sobre tudo aquilo que nos faz humanos.
A astúcia da imaginação arquiteta a realidade
inventando as artimanhas do pensar.
Mas o que falo não é o que digo
entre representações e vontades.
A palavra habita o corpo
imperfeito e perecível
onde meu eu se perde em vertigens
se embriagando com qualquer verdade.
de incertezas sobre tudo aquilo que nos faz humanos.
A astúcia da imaginação arquiteta a realidade
inventando as artimanhas do pensar.
Mas o que falo não é o que digo
entre representações e vontades.
A palavra habita o corpo
imperfeito e perecível
onde meu eu se perde em vertigens
se embriagando com qualquer verdade.
quarta-feira, 10 de maio de 2017
SOBRE OS CONCEITOS DE INDIVIDUO E PESSOA
Tal como entendo, pessoa e indivíduo são conceitos antagônicos. Pois se o
conceito de pessoa remete a impessoalidade de uma condição universal, o indivíduo,
ao contrário, remete a singularidade irracional, a unicidade. Do ponto de vista
da vida coletiva o indivíduo personifica a liberdade como autodeterminação,
enquanto a pessoa representa a norma social.
Ambos, entretanto, reportam ao nosso existir imediato como um corpo
vivo, como uma condição e acontecimento material. Mas se a pessoa só pode se
constituir através de um enunciado e uma ordem simbólica, o indivíduo é também
um fato pré- verbal. É algo dado, mesmo que suas significações sejam também um
ato de linguagem.
Temos dificuldades para separar a
pessoa do indivíduo porque identificamos ambas as condições a premissa do eu e
da consciência. Por outro lado, diluímos
a noção de individualidade através da normatização do comportamento e
subordinação do particular ao universal. Nossa cultura dita “individualista” na
verdade exibe pouca consideração pelo individuo e pela individuação.
NOTA MARGINAL A LÓGICA DO SENTIDO DE GILLES DELEUZE
LÓGICA DO SENTIDO é um dos mais
fascinantes trabalhos deixados por Gilles Deleuze. Através dele, Deleuze nos
propõe uma teoria do sentido a partir de uma leitura da obra de Lewis Carroll
iluminada por considerações originais do pensamento estoico e seu lugar
decisivo na história da filosofia
ocidental.
A obra é estruturada através de
uma série de 34 paradoxos e, nas palavras do próprio autor, pode ser definida
como um “romance lógico e psicanalítico”. Para ele, Caroll foi o explorador e o estruturador
de um método serial em literatura. Os
estoicos, por sua vez, ao romperem com os pré- socráticos, os socráticos e os
platônicos, inventaram novas formas de pensamento onde paradoxos subvertem
tanto o bom senso quanto o senso comum, estabelecendo a ambiguidade, a dualidade e a incerteza, como
dimensões essenciais da própria linguagem. Ela estabelece seus limites na mesma medida
em que os extrapola, em que desloca o sujeito e a identidade.
“O paradoxo é, em primeiro lugar,
o que destrói o bom senso como sentido único, mas, em seguida, o que destrói o
senso comum como designação de identidades fixas.”
Os acontecimentos não devem ser
procurados em sua profundidade, mas na superfície. Parafraseando Deleuze, é
seguindo a fronteira, margeando a superfície, que passamos do corpo ao
incorporal. A continuidade do avesso e do direito substitui todos os níveis de
profundidade elevando ao nível da linguagem todo o devir e seus paradoxos.
A obra de Lewis Carroll
circunscreve no “mundo plano” do sentido-acontecimento, ou do
exprimível-atributo, onde tudo que se passa, passa-se na linguagem e pela
linguagem. O que significa que não devemos confundir aqui o acontecimento com
sua efetuação espaço-temporal em um estado de coisas.
Meu comentário é deliberadamente
marginal em relação ao denso conteúdo desta obra clássica da filosofia
contemporânea. O pequeno recorte aqui proposto em torno do lugar do paradoxo na
linguagem, apenas se destina a despertar alguma reflexão sobre o modo como
cotidianamente experimentamos a linguagem, sem reconhecer nela as ambiguidades
e dualismos que, muitas vezes, habitam nossos enunciados no jogo entre o falar
e o dizer e que transcende o eu das
proposições.
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