sábado, 15 de abril de 2017

SOBRE OS INCONVENIENTES DA CONSCIÊNCIA HISTÓRICA

A ideia de continuidade, de processo, de acumulação, que caracteriza a consciência histórica, é uma fantasia desastrosa legada pelo imaginário dogmático e cientificista dos oitocentos. Pois o existir humano é feito de descontinuidades, singularidades e ilegíveis silêncios de significação.

Uma dada época não se comunica com suas sucessoras, assim como uma configuração cultural circunscrita a uma sociedade e tempo não se relaciona com suas próprias mutações em termos de causalidade, mas toma a si mesma  como um parâmetro absoluto.

A história humana é um verdadeiro caos onde o passado não informa o tempo presente, nem mesmo em termos pedagógicos, mas o contradiz na exata medida em que é domesticado pela consciência histórica do momento e suas urgências e parcialidades.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

SOBRE LER E ESCREVER

"Os eruditos  são aqueles que que leram coisas nos livros, mas os pensadores, os gênios, os fachos de luz e promotores  da espécie humana  são  aqueles que leram diretamente no livro da vida."
A. Schopenhauer in  A  arte de Escrever.

Nunca acreditei na erudição e na compulsão de ler dos consumidores de livros adeptos do artificio do conhecimento enciclopédico. O único sentido da boa leitura é o cultivo da arte de escrever , de criar e inventar. Ler, pura e simplesmente por ler é uma habito infecundo. 
Os verdadeiros leitores vomitam, escrevem e se rendem a loucura e a convulsão do dizer....

Através do escrito pessoal e próprio, inventamos aquele outro da palavra que nos faz ser onde quase não existimos de tão intensa experiencia de existir

EU ESTATISTICA

O documento de identidade
é onde não posso ser reconhecido
ou decifrado.
Mas é o simulacro
através do qual me apresento
como parte do jogo
de existir de fachada,
de ser através de um emprego
e de uma casa,
que já não dizem nada
sobre todos aqueles que fui,

sou e serei
  além dos  números,

senhas e cadastros.

DECONSTRUINDO O PASSADO

"Do que sofre o´passado? Não há, mais proporção entre as coisas: um achará isto importante, outro achará aquilo. O passado se decompõe: este elemento parecerá simpático a alguém, que se manterá frio e indiferente diante de outro. As coisas insignificantes se encontrarão, além disso, perpetuadas."
F. Nietzsche in Fragmentos Póstumos e Aforismas

O passado foi reduzido a um apêndice do tempo presente e relegado as sombras do esquecimento. Aquilo que já está morto não faz mais diferença. Serve apenas como distração ou como uma forma de evasão lúdica para os momentos de lazer. As paginas da historia não dizem o futuro. Portanto, não oferecem qualquer suo prático. 

O fato é que já não somos mais oprimidos pelos "classicismos" e nem pela fantasia teleológica do processo histórico. O tempo presente e suas urgências é tudo que nos interessa em meio ao despropósito de todas as épocas.  O passado é como uma vitrine onde escolhemos com o que nos entreter  de acordo com o momento e com nosso temperamento. 

terça-feira, 11 de abril de 2017

SOBRE O MISERAVEL DO HUMANO

Na medida em que o conceito de humano substituiu a idéia de sagrado em nossas codificações de mundo e realidade, nos tornamos prisioneiros daquilo que não somos... os senhores deste mundo, o ponto mais alto da evolução biológica, quando não passamos do mais estupido dentre os animais. Como apontado por F. Nietzsche, a morte de "Deus"  também representa a superação de nossa humanidade... Não somos a medida do mundo. É preciso partir do mundo para chegar ao próprio mundo e não deste sonho que é o Homem.

O MUNDO COMO SIGNIFICADO

O mundo não passa do inventar de significados e sentidos , uma exigencia da existencia  humana que nos impoem  o desafio da inventar de uma realidade  plena de representacoes e propositos. Mesmo que isso não seja um dado objetivo, um atributo da realidade. Projetamos em todos os fenomenos  que experimentamos  nossa compulsão natural  por significacoes , nossa necessidade irracional  por propositos que , paradoxalmente, explica  a Razao  como instrumento da consciencia , como artificio do corpo fisico para adaptar-se a experiencia do mundo.

O MUNDO COMO PARADOXO

O mundo é o outro
que me inventa e transcende.
É o objeto que se revela sujeito
no inventar-se da realidade.
Ele é o falso absoluto
que me define efêmero,
irrelevante e incerto.

O mundo é essencialmente
tudo aquilo que não sou
quando só posso ser
através dele.

sábado, 8 de abril de 2017

A MÁSCARA DO AUTOR

"No ato de escrever, o momento mais cativante é o da condensação, da elipse, da rarefação. Recriar núcleos cada vez mais densos, em torno dos quais a luz fica desorientada, e o pensamento também, já que perde o sentido da sua origem. "
Jean Baudrillard in COOL MEMORIES II  Crônicas 1987-1990

Um texto transcende seus enunciados.
É pouco evidente naquilo que diz
na construção de imagens 
que extrapolam meta linguagens.
Quem escreve não domina o texto,
é seu escravo,
que através da máscara autoral
inventa significados
que não cabem em qualquer palavra.
O dito é a superfície do escrito,
o quase invisível através do indisíivel
do que foi pensado.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

O SENTIMENTO DA PAISAGEM

Embora a paisagem  seja composta pelo somatório de uma diversidade de objetos individualizados, seus detalhes me escapam. Apenas posso apreende-la como totalidade aberta, em movimento, onde cada detalhe se relaciona ao outro como peças de um quebra cabeça.

Percebo ritmos e movimentos que fazem do espaço povoado de coisas  uma especie de atmosfera que me envolve e reduz a mais um objeto entre tantos outros. O que vejo é parte de mim mesmo através da consciência do que me circunda. Sou um ponto dentro da paisagem e, portanto, a própria paisagem. 

O tempo e espaço ofusca o devir... Mas a paisagem é atemporal como um quadro em seu estático movimento de acontecer.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

SOBRE LER E ESCREVER

"O hábito de escrever é mais importante do que a prática da leitura. O que já foi dito por Schopenhauer em Parerga e Paraliponema (1951) . Em dado momento de seus aforismos ele nos remete nesta obra a um epigrama  curioso de A.W. Schelegel:

"Leiam com afinco os antigos, os verdadeiros
e autênticos antigos: O que os modernos dizem
sobre eles não significa muito."

Aquilo que se escreve ao sabor  das tendencias contemporâneas  esta normalmente fadado ao efêmero ou a prisão de sua época. É preciso buscar no atemporal as referências para o bem escrever e, assim, apreender o "espirito humano" sem se deixar contaminar pelas urgências do simples agora. Desta forma, nos qualificamos a pensar e escrever por nossa própria conta, dizendo o mundo e as coisas, segundo nossa mais intima e autentica sensibilidade. Não há maior contradição do que ler em demasia  sem cultivar o habito de inventar suas próprias linhas. Todo bom leitor é também um escrevinhador, uma vez que a leitura não é um ato passivo.