quinta-feira, 22 de setembro de 2016

LEITURA E INTERPRETAÇÃO

O ato da leitura, tal como o da escrita, é uma atividade criativa. A interpretação de um texto literário, sua re codificação como experiência do leitor, é uma reinvenção ou recomposição daquilo que é lido e não a simples e passiva atividade assimilativa de uma narrativa.

 Um texto literário deve nos dizer algo tanto quanto nos permitir uma leitura de nós mesmos de uma perspectiva não ordinária. Ou seja, ele não é “informativo”, mas “simbólico”, no sentido em que nos revela alguma coisa que transcende o que é simplesmente dito.

Eis o que nos proporciona a interpretação: a possibilidade de redimensionar uma narrativa a ponto de incorpora-la  a nossa própria experiência vivida através de uma  projeção psicológica.

Quando uma obra nos provoca uma releitura de nossa própria experiência do real, quando nos identificamos com seu conteúdo simbólico e imagético a ponto de dramatiza-lo no plano de nossos dilemas e emoções intimas, ampliamos nosso campo de significações e codificações do real.

Assim sendo, a leitura tem, em certa medida, um efeito passional ou afetivo, e nos leva a experiência de imagens e ideias das quais já “participamos”. Diria que geralmente nos interessamos por autores que nos dizem algo que responde as nossas inquietudes. 


Ler é uma forma de evasão...                                                                                                      

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

ESTRANHAMENTO

Ontem foi um dia banal.
Apenas lidei com o previsível dos fatos mornos,
Com o fardo do sempre igual.
O tempo passou miúdo e abstrato
Entre os meus vazios.
E eu quase me surpreendi outro
No estranhamento do meu próprio rosto.
No fundo é muito esquisito
Tudo aquilo que tomo

Como familiar.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

COISAS DITAS

De que modo o dito pode ser desdito?
As palavras ditas se cristalizam,
Mesmo quando esquecidas.
Possuem surpreendente autonomia
Sobre as intenções de seus autores.
Por isso cuidado,
Seja responsável ao dizer qualquer coisa,
Pois as palavras  se fecham em si mesmas

Depois de pronunciadas.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

ALÉM DA DICOTOMIA SUJEITO E OBJETO

A objetivação da realidade através do conhecimento cientifico apenas nos faz  prisioneiros de conceitos abstratos e pragmáticos. Ela formatou a realidade de tal maneira que nos fez  subestimar  a dimensão irracional de nossas representações do mundo. Somos movidos  pela vontade  e ela, em ultima instância, molda o modo como percebemos objetivamente a realidade. Pensar é também um modo de perceber e ter consciência das coisas,  é o que define a vontade como um continuo impulso para além de si mesmo. Pensar e querer equivalem na apreensão do mundo. Pois tudo que concebemos como realidade  objetiva é representação, parte de nosso próprio acontecer no mundo enquanto ente. Assim, a realidade é uma configuração subjetiva e pouco faz sentido a clássica dicotomia entre sujeito e objeto, pois ambos coincidem enquanto gramatica de mundo e no ato cognitivo na medida em que o sujeito define o objeto e ambos existem como ato linguístico. 

terça-feira, 13 de setembro de 2016

SOBRE O PENSAR FILOSÓFICO

É um equivoco buscar no pensar filosófico  algum tipo de normatização para a vida prática. Tudo que ele nos oferece é um estranhamento do cotidiano e do senso comum. Tomando como referencia Hannah Arendt em  A VIDA DO ESPIRITO: O PENSAR, O JULGAR, O QUERER, ouso afirmar que a existência humana não pode ser explicada ou entendida a partir do encadeamento causal ou dialético dos fenômenos que lhe definem. Sua essência é a liberdade, a constante possibilidade do novo, do inédito, como ato desinteressado, como devir do discernimento. 

terça-feira, 6 de setembro de 2016

PÓS CONCEITO

A realidade é um desacordo entre a verdade e os fatos.
Estou tão certo disso que me engano afirmando positivamente
Qualquer enunciado vazio sobre o assunto.
Já estou farto de dizer o mundo,
De saber qualquer coisa além
Do simples e imediato acontecer da minha existência.
Tenho urgências que não cabem em qualquer conceito,
Em nenhuma premissa,

Geralmente penso contra mim mesmo.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

O CORPO COMO REFLEXÃO

Enquanto buscava a tranquilidade desapaixonada dos essenciais silêncios fui, aos poucos, escorrendo de mim, escapando as ansiedades e vontades, as certezas e convicções, para me saber apenas no sentimento do corpo. Respirar, olhar, tocar, era o mesmo que pensar. Não havia distinção entre o fisiológico e o filosófico na consciência precária dos fenômenos externos. Tudo era para mim auto consciência e a contingencia era tudo que fazia sentido. A vontade é o ponto onde o dentro e o fora coincidem como vida em movimento. 

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

CO-AGENCIAMENTO, COLETIVO E LINGUAGEM

O coletivo é um hibrido de homens e coisas, uma infinitude de matérias heterogêneas entrelaçadas em uma rede de relações, compromissos e dissensos simbólicos  que nos levam a superação da logica dicotômica  estabelecida entre individuo e sociedade. Pois o coletivo é essencialmente linguagem,  lugar onde não há uma clara distinção entre as varias dimensões do real, na medida que é através delas que toda experiência possível torna-se inteligível enquanto tal. A premissa da linguagem, por sua vez, é o agenciamento, que como define Deleuze,

(...)  É uma multiplicidade que comporta muitos termos heterogêneos e que estabelece ligações, relações entre eles, através das idades, sexos, reinos - de naturezas diferentes. Assim, a única unidade do agenciamento é o co-funcionamento: é a simbiose, uma "simpatia". [p.84]- Gilles Deleuze e Claire Parnet: Diálogos, 1996.

O agenciamento é o principio de ligação das palavras, aquilo que estrutura o coletivo enquanto fenômeno totalizante, em outros termos,

....A unidade real mínima não é a palavra, a idéia ou o conceito; nem o significante, mas o agenciamento. É sempre um agenciamento que produz os enunciados. Os enunciados não têm por causa um sujeito que agiria como sujeito da enunciação, principalmente porque eles não se referem aos sujeitos como sujeitos do enunciado. O enunciado é o produto de um agenciamento, sempre coletivo, que põe em jogo, em nós e fora de nós, as populações, as multiplicidades, os territórios, os devires, os afetos, os acontecimentos. O nome próprio não designa um sujeito mas qualquer coisa que se passa, pelo menos entre dois termos que não são sujeitos, mas agentes, elementos. Os nomes próprios não são nomes de pessoas, mas de povos e tribos, de faunas e de floras, de operações militares e tufões, de coletivos, de sociedades anônimas e escritórios de produção. O autor é um sujeito da enunciação, mas não o escritor, que não é um autor. O escritor inventa os agenciamentos a partir de agenciamentos que se inventaram, ele faz passar uma multiplicidade na outra. O difícil é fazer conspirar todos os elementos de um conjunto não homogêneo, os fazer funcionar juntos. As estruturas estão ligadas às condições de homogeneidade mas não os agenciamentos. O agenciamento é o co-funcionamento, é a "simpatia", a simbiose. [p.65]
 idem.

O que aqui se apresenta é a recusa de qualquer logica dicotômica na construção e vivencia dos conceitos; uma concepção de relação entre as coisas que pressupõe o “lugar meio” do processo do dizer. Neste processo fluido, o coletivo, enquanto experiência ontológica, é um co-agendramento. Não há, assim, uma distinção entre individual e coletivo, já que o individual esta contido em um determinado ponto e, ao mesmo tempo, distribuído por toda uma rede de relações de fenômenos que compõem a totalidade do real.

Afinal, o que é um acontecimento?

UM TOQUE DE NARCISISMO

Deixo meus delírios a vontade.
Gosto da companhia das minhas antipatias,
Afetos, caprichos, humores e defeitos.
Nunca estou sozinho quando recolhido
Em meus mais íntimos recantos de rasa existência.
Sou acompanhado por pomposas fantasias,
Sonhos e imaginações errantes,
Contra o deserto e o mau gosto da realidade.
Por isso evito pessoas e gosto da superfície dos espelhos.

Em que outro lugar, afinal, poderia inventar bons diálogos?

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

CONTRA O DETERMINISMO DA EXISTÊNCIA

Antes a vida humana era determinada pelos astros  ou pela providencia. Hoje é determinado pela realidade social e econômica, segundo os atuais portadores da verdade objetiva de plantão. Sempre alguma forma de determinismo impõe ao mundo uma ordem e soluções.

Mas, pessoalmente, prefiro acreditar que há mais acasos condicionando minha existência do que causalidades, sejam metafisicas ou materialistas. Nunca terei a vida que espero, mas aquela que me será possível através da soma absurda de variáveis que não cabem em qualquer planejamento. O futuro sempre fica pelo caminho e é ingênuo acreditar unilateralmente no imperativo das  circunstancias.


Não  determino todos os fatos da minha vida, mas sei que sou uma  combinação complexa de fenômenos  internos e externos diversos, cuja totalidade escapa a qualquer racionalidade estreita.