sexta-feira, 20 de abril de 2012

NOTAS DO SUBSOLO

Escrita em 1864, a novela NOTAS DO SUBSOLO de Fiódor Dostoiévski permanece uma obra emblemática da literatura ocidental. Pois foi através dela que um dos grandes arquétipos da narrativa ficcional moderna encontrou sua origem. Refiro-me ao mito do anti herói, aqui personificado por um narrador anônimo identificado ao final da narrativa apenas pelo rótulo de “paradoxista”.

Trata-se de um longo monólogo dividido em duas partes em que o narrador intercala a beliciosa investida contra imaginários interlocutores e contra todas as tendências do pensamento do seu tempo com a coloquial exposição de suas experiências e angustias mais intimas.

Considero NOTAS DO SUBSOLO um texto incomum sobre os limites do mundo e das codificações humanas do real, uma brochura desafiadora aos lugares comuns da vida compartilhada em sociedade e a própria cultura.

Poder-se-ia dizer ainda que trata-se aqui do trágico testemunho da impotência do individuo frente ao mundo que lhe define...

Ilustro o presente comentário com alguns fragmentos da obra em questão:



“...estou convencido de que o homem nunca renunciará ao sofrimento verdadeiro, isto é, à destruição e ao caos. O sofrimento é a única causa da consciência. E, embora eu tenha declarado no inicio que , na minha opinião, a consciência é a maior infelicidade para o homem, eu sei que o homem ama a consciência e não a trocará por satisfação alguma.” P.46



“Porque para mim o que importa é brincar com as palavras, é sonhar, e quanto a realidade, sabe do que preciso? De que vocês todos vão para o diabo! É isso ai! O que eu quero é tranquilidade. Sou capaz de vender agora mesmo o mundo inteiro por um copeque para que me deixem em paz. Entre o mundo acabar e eu beber o meu chá, eu quero que o mundo se dane, quero ter sempre o meu chá para beber. Você sabia disso ou não? Pois eu sabia que era canalha, patife, egoísta, preguiçoso.” P. 140



“Um romance precisa de um herói, e aqui foram reunidos intencionalmente todos os traços para um anti-herói, e , o que é mais importante, tudo isso vai produzir uma impressão muito desagradável, porque nós todos nos desacostumamos da vida, uns mais, outros menos, e nos desacostumamos ao ponto de sentirmos às vezes uma certa repugnância pela verdadeira “vida viva”, e por isso não podemos suportar que nos façam lembrar dela. Pois chegamos ao ponto de quase achar que a verdadeira “vida viva” é um trabalho, quase um emprego, e todos nós no íntimo pensamos que nos livros é melhor. E porque as vezes ficamos irrequietos, inventamos caprichos? E o que pedimos? Nos mesmos não sabemos. Nós mesmos nos sentimos pior se nossos pedidos delirantes forem atendidos . Pois bem, façam uma experiência, deem-nos, por exemplo, mais independência, desamarrem as mãos de qualquer um de nós, ampliem nossa esfera de ação, relaxem a tutela e nós... eu lhe asseguro: nós imediatamente pediremos a volta da tutela. Sei que os senhores talvez fiquem bravos comigo, comecem a gritar e a berrar com os pés: “Fale somente sobre si mesmo e sobre suas misérias de subsolo, mas nunca ouse dizer todos nós”. Permitam-me, senhores, eu não estou me justificando quando digo todos. E , no que me diz respeito, eu apenas levei as ultimas consequências na minha vida aquilo que os senhores não tiveram coragem de levar nem à metade, e ainda por cima acharam que sua covardia era bom senso, consolando-se e enganando a si próprio com isso. De modo que talvez eu esteja mais “vivo” que os senhores. Olhem com mais atenção! Nós nem sabemos sabemos onde vive essa coisa viva, o que ele é, como chamá-la! Deixem-nos sós, sem livros, e imediatamente ficaremos confusos, perdidos- não saberemos a quem nos unir, o que devemos apoiar; o que amar e o que odiar; o que respeitar e o que desprezar. Até mesmo nos é difícil ser gente- gente com seu próprio e verdadeiro corpo e sangue; sentimos vergonha disso, achamos que é um desmérito e nos esforçamos para ser uma espécie inexistente de homens em geral. Somos natimortos, e há muito tempo nascemos não de pais vivos , e isso nos agrada cada vez mais. Estamos tomando gosto. Em breve vamos quere nascer da ideia, de algum modo. Mas basta, não quero mais escrever do “subsolo”... p. 1458/149



( Fidor Dostoievski. Nota do Subsolo. Tradução de Maria Aparecida Botelho Pereira Soares-Porto Alegre: L &PM, 2011 )



quarta-feira, 18 de abril de 2012

NOTA SOBRE A NOSTALGIA

Os bons tempos só se tornam bons depois que passam, depois de perdidos e reinventados como recordação e memória na matéria viva de nossas ilusões e ânsias.

Pode-se dizer, em outros termos, que nos arranjos das imaginações, o passado ganha a forma dos vazios da consciência de agora.

As diversas possibilidades de arranjos de memória em sua dimensão seletiva, mediante  eleições afetivas/subjetivas, revelam que quando invocado no presente, o passado é de certa maneira um ato de pura imaginação, uma construção identidária...



segunda-feira, 16 de abril de 2012

HERÁCLITO X WITTGENTEIN: UM LÚDICO EXERCÍCIO DE IMAGINAÇÃO FILOSÓFICA:


Trata-se , como afirmado no título,  de um ato de imaginação e linguagem contra os lugares comuns de nossas metafísicas certezas verbais...
Segundo uma das mais populares citações  filosóficas  atribuídas ao filósofo pré socrático Herácrito, é impossível a um homem banhar-se duas vezes no mesmo rio. Pois da segunda vez, nem o homem, nem o rio seriam os mesmos.
Parece-me, entretanto, absurdo que de alguma maneira  pseudo lógico um rio e um indivíduo possam ser outro na ocasião de um banho.
Isso porque o banho, não importa o rio, é sempre o mesmo enunciado de banho. Não faz diferença  se o rio é o mesmo ou outro. Um banho é um banho em qualquer rio contra toda metafísica representação de um devir que escapa ao mero fato linguístico...

NOTA SOBRE O INUTIL COTIDIANO

Metas e objetivos deixam de ser importantes quando vislumbramos apenas a vida nua e crua no acontecer das coisas onde o suceder dos dias, a simples sobrevivência, já é um grande objetivo a ser alcançado e re-alcançado constantemente.

Tudo o mais é no fundo mera decoração biográfica, fugaz e pragmático horizonte de passageiras rotinas onde nos embebedamos de nossas próprias personas.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

PSICOLOGIA DA ALIMENTAÇÃO


O almoço posto
Sobre a mesa
Me convida
Ao cotidiano ato
Do acontecer do corpo
Que sou
Em fome concreta e abstrata
De mundo exterior...
Toda refeição
É um concreto e abstrato ato
De exteriorização...

VAZIO DA CASA

A casa abandonada



E despida de telhados


Em suas paredes nuas


Ao sabor do vento,


É um ponto zero


De memórias humanas,


Um não lugar


De tempo e espaço


Onde silêncios gritam


O desfeito das coisas

segunda-feira, 9 de abril de 2012

MUDANÇA E SOCIEDADE

Desde o advento da alta modernidade, as codificações socioculturais das sociedades ocidentais apenas parcialmente definem o jogo societário estabelecido pelas diversas redes objetivas ou pessoais de intersubjetividade no definir-se de seu maior ou menor grau de organicidade.

Nos últimos dois séculos, pelo menos, a construção social da realidade embora ainda mantenha como elementar premissa a adesão voluntária ou coercitiva dos indivíduos a determinado cânone cultural epocal já não exige a homogeneização ou pacificação das consciências. Mesmo porque a cultura pós industrial introduziu padrões que transformaram a mudança e a inovação em padrão inerente a dinâmica social. Devir e instabilidade já não assustam o status quo cultural.

Esta tendência do imaginário ocidental para a mudança, que alcança cenários novos e mais amplos nesse limiar de milênio, permite a cada indivíduo uma liberdade maior para construção de experiências e vivencias que tendem a inovação e a criatividade.

Essa verdadeira ditadura da mudança constante pesa hoje sobre nossas cabeças em todos os níveis da experiência humana. Nossos hábitos, valores e visões de mundo são atualmente desafiados pelo império da novidade.

Já não é seguro fixar-se em coisa alguma...

AFORSMAS SOBRE LINGUAGEM E FILOSOFIA


A produção de significados é um ato linguístico



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Só podemos conhecer uma pessoa através do modo como ela diz as coisas..


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Há uma curiosa distancia entre o escrever e o falar, uma distância ontológica


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O distanciamento não é uma noção meramente espacial, ela é também cognitiva.


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Cada pessoa é uma presença física e concreta em seu gestual.





sexta-feira, 6 de abril de 2012

O AZUL DA TARDE

A mansidão de um sol frio
Define em azul a tarde
Que me envolve em lembranças
Cujo tempo pertence
A algum outro eu
Dentro de mim perdido.
Pois sei que sou em tudo
O sopro de um  simples
E provisório agora
que no tardar de tudo
me escapa...

quinta-feira, 5 de abril de 2012

TV, PÓS MODERNIDADE E ROCK

Defendo a tese de que o rock and roll, enquanto sub cultura urbana, característica que lhe aproxima e afasta do jazz, considerando o papel sócio cultural deste ultimo nos anos 20 e 30 nos USA, contou para sua construção enquanto  cultura social,  definitivamente com as possibilidades e recursos estabelecidos por  certas inovações tecnológicas que transformaram significativamente o imaginário e hábitos culturais no contexto da sociedade massificada do pós guerra.
Penso particularmente mais na difusão da cultura televisiva do que propriamente na radio difusão que fora essencial ao rock dos anos 50, mas limitada para as codificações  do cenário social e industrial do rock, principalmente, a partir dos anos 70.
Uma singular passagem de AS ORIGENS DA PÓS MODERNIDADE de Perry Anderson parece corroborar minha tese:

Comercializada a partir dos anos 50, a televisão só adquiriu importância maior nos anos 60. Mas enquanto a imagem era só em preto e branco, o veículo manteve uma marca  de inferioridade apesar de suas outras vantagens, como se fosse ainda uma enteada atrasada do cinema. O verdadeiro momento de sua ascendência só veio com a chegada da televisão em cores, que se generalizou no Ocidente no inicio dos anos 70, desencadeando uma crise  na industria cinematográfica, que ainda sofre os efeitos nas bilheterias. Se há um isolado divisor de águas tecnológico do pós moderno, ei-lo. Se compararmos o cenário que criou àquele do inicio do século, a diferença pode ser captada de forma bem simples. Outrora, em jubilo ou alarmado, o modernismo era tomado por imagens de máquinas; agora, o pós modernismo é dominado por  máquinas de imagens. Em si mesmos, o parelho de televisão e o terminal de computador  com que eventualmente se fundirá são objetos peculiarmente vazios-zonas nulas dos interiores domésticos ou burocráticos que não apenas são incapazes como “condutores de energia psíquica” como tendem a neutraliza-la. Jamenson constatou isso com uma força que lhe é característica: “essas novas máquinas podem se distinguir dos  velhos ícones futuristas de duas formas interligadas: todas são fontes de reprodução e não de ‘produção’ e já não são sólidos esculturais no espaço. O gabinete de um computador dificilmente incorpora ou manifesta suas energias  específicas da mesma maneira que a forma de uma asa ou de uma chaminé”
Por outro lado, embora tenham imagens resistentes, as máquinas despejam uma torrente de imagens  com cujo volume nenhuma arte pode competir. O ambiente técnico decisivo do pós moderno  é constituído por essas “cataratas de tagarelice visual”.

Perry Anderson. As Origens da Pós- Modernidade. Tradução: Marcus Penchel, RJ: Zahar, 1999, pg. 104/105   

Diferente do autor, que nenhuma virtude percebe nas novas codificações do real inauguradas pela cultura televisiva e, posteriormente, pelo computador, creio que as novas codificações do real introduzidas por tal cultura foram fundamentais para transformar nossa imagem de mundo, complexibiliza-las de um modo inédito. A proliferação de imagens, o imediatismo de sua  experiência direta, transformou e transforma ainda hoje sensibilidades... Ver os Beatles ou os Stones na TV foi ao longo dos anos 60, ou Led Zeppellin e Black Sabath nos anos 70, só para dizer alguns exemplos, uma “novidade” na época sem qualquer procedente. Questão que espero posteriormente aprofundar.