quinta-feira, 22 de outubro de 2009

UMA LEITURA PÓS MODERNA DO LUDICO DE VIAJAR



Uma das mais universais e atemporais imagens que decoram o rico universo do patrimônio simbólico da humanidade é a viagem. Não basta invocar a imagem de Ulisses, a saga dos argonautas ou os inúmeros relatos de viajantes da época dos descobrimentos marítimos de primórdios da modernidade, para dizer a essencialidade deste mito à condição humana. Isso porque ele transcende qualquer aventura épica contaminando o micro universo cotidiano do mais convencional individuo contemporâneo.

A final, toda viagem representa um deslocamento ontológico. Não importa muito seu destino, propósito ou a pré- disposição anímica daquele que se lança em seu roteiro. Mas para algumas pessoas viajar pode se confundir com o domínio de uma arte muda centrada na experiência radical do outro na relativização de si mesmo, em uma modalidade quase ilegível de evasão ou suspensão do cotidianamente vivido na experiência do inteiramente outro de um lugar desconhecido.
Viajar pode ser assim a chave de um múltiplo deslocamento; a um só tempo ontológico, social, cultural e, de varias maneiras, afetivo e intuitivo em discreta transgressão de si mesmo no afrouxamento de cristalizadas referências biográficas e pessoais de lugares e pessoas vividos como parte de nossa identidade.
Em outras palavras, em um mundo globalizado e cada vez mais multi cultural onde todas as distâncias e referências foram relativizadas por um desenvolvimento técnico cientifico sem procedentes, viajar pode ser algo mais do que visitar e conhecer lugares. Pode ser um desafio a velhas certezas da cultura gregária e nacional estabelecida pela modernidade mediante um exercício constante de desconstrução e reconstrução de si mesmo na incorporação da pluralidade e diversidade de uma realidade que nos faz cada vez mais indeterminados... como tudo que nos cerca.
Já não a contexto que domestique o caos infinito de possibilidades que agora definem o mundo que coletivamente inventamos a cada novo e desafiante dia...


terça-feira, 20 de outubro de 2009

Arthur Hugh Clough e a cultura vitoriana




“Se as esperanças eram ingênuos, os medos podem ser mentirosos”.

Arthur Hugh Clough

Nascido em Liverpool, Arthur Hugh Clough (1819-1861) foi um dos mais celebres poetas britânicos do século XIX. Sua poesia é profundamente vitoriana, marcada por uma religiosidade não ortodoxa, pois tanto sua vida como poesia personifica como nenhuma outra a crise religiosa que caracteriza a cultura na Inglaterra oitocentista. Justamente por isso, uma das temáticas centrais de sua obra é a indecisão ou a incapacidade de agir. Alem da questão religiosa, também lhe afligiram as crises políticas do seu tempo. Em 1848 o poeta viajou a França para testemunhar os conflitos que então sacudiam Paris e culminariam na experiência da Comuna.

Embora inspirados por um mundo bem diferente do nosso, os poemas de Clough ainda nos encantam com seu profundo sentimento de impotência que, de outras formas e por razões diferentes, nos são contemporâneos...
 
In a London Square

Put forth thy leaf, thou lofty plane,
East wind and frost are safely gone;
With zephyr mild and balmy rain
The summer comes serenly on;
Earth, air, and sun and skies combine
To promise all that's kind and fair:—
But thou, O human heart of mine,
Be still, contain thyself, and bear.
December days were brief and chill,
The winds of March were wild and drear,
And, nearing and receding still,
Spring never would, we thought, be here.
The leaves that burst, the suns that shine,
Had, not the less, their certain date:—
And thou, O human heart of mine,
Be still, refrain thyself, and wait.

Tradução livre e precária:
 
Em uma avenida de Londres

Estende a folha teu plano elevado, tu
Oriente vento e geada são seguramente findados;
Com a chuva leve e refrescante
O verão vem serenamente;
Terra, ar, sol e céu a combinar
Prometem tudo que é justo: --
Mas tu, ó meu coração humano,
É fadado ainda, a conter a ti mesmo, e suportar.
Os dias de dezembro foram breves e frios,
Os ventos de março foram selvagens e melancólicos,
E, tendo-os afastados e próximos, 
pensamos presente
A primavera.
As folhas que nascem, os sóis que brilham,
Não tinham, no entanto, a data certa: --
E tu, ó meu coração humano,
é ainda fadado a abster-te e esperar.




NIETZSCHE E O SIGNIFICADO DA HISTORIOGRAFIA



A coletânea ESCRITOS SOBRE A HISTÓRIA reunindo fragmentos de Fredrich Nietzsche sobre o tema, é uma referência indispensável para os críticos da modernidade e, mais especificamente dos defensores da pretensão a objetividade do conhecimento histórico.
Pode-se dizer que a historicidade, esta grande invenção do século XVIII, é inerente a imagem de mundo cristalizada pelo espírito moderno e suas teleologias racionais assentadas sobre o vicio da verdade que inspira toda tradição ocidental.
O mais radical exemplo de tal filosofia encontra-se no sistema hegeliano e na sua concepção de História como processo contra a qual Nietzche se insurge ferrenhamente em sua critica ao historicismo. É essencialmente contra a idéia de totalidade, de universal e identidade articuladas pela racionalidade sistêmica dos conceitos que Nietzche elabora sua critica a historiografia de seu tempo.
Para ele, o mundo, o homem e a natureza existem em devir, em uma intricada pluralidade de processos ou fluxos inspirados por uma potência cega condicionada apenas ao acaso e a necessidade.
Nestes termos, perde qualquer sentido a hipótese de uma “História Universal” ou racional. O que é muito coerente com a leitura que o filosofo fazia de sua época como um momento de reviravolta de todos os valores e na qual anunciava a boa nova da “Morte de Deus” ou do fim definitivo de toda metafísica, de todas as finalidades e sentidos tradicionais.
Destaca-se na coletânea aqui comentada a “ II Consideração intempestiva sobre a utilidade e os inconvenientes da História para a vida”,onde o autor desenvolve a premissa de que o elemento histórico e o elemento a-histórico são igualmente necessários à saúde de um indivíduo, de um povo e de uma cultura:

“... A serenidade, a boa-consciência , a atividade alegre, a confiança no futuro,- tudo isto depende, num individuo, assim como num povo, da existência de uma linha de demarcação entre o que é claro e visível e o que é obscuro e impenetrável, da faculdade de sentir com um poderoso instinto quando é necessário ver as coisas sob o ângulo histórico, e quando não. Este é exatamente o princípio sobre o qual o leitor é convocado a refletir: o elemento histórico e o elemento a-histórico são igualmente necessários à saúde de um individuo, de um povo, de uma cultura.”

( II Consideração Intempestiva sobre a utilidade e os inconvenientes da História para vida. In Fredrich Nietzsche. Escritos sobre História./ Apresentação, tradução e notas de Noeli Correia de Mello Sobrinho. RJ: Ed. PUC-Rio; SP, Loyola, 2005, p.74 )

Tal relativização da consciência histórica elege a vontade livre como cifra para a singularidade humana. Sem ela o individuo dilui-se na impessoalidade do processo histórico, torna-se um apêndice dele, o mesmo ocorre com uma cultura ou “povo”. A individuação,.. A singularidade social e pessoal, reside no a-histórico de uma “consciência irônica de si mesmo” além de toda referencia de processo e sentido temporal...

PRIMAVERA E MATERIA




Rendo-me ao paraíso

De pequenas vontades
E mínimos prazeres
Que enfeitam os dias doces
De primavera.

Tudo se faz demasiadamente
Simples
No acontecer do querer
Que me sustenta.

Sinto-me vivo em cada coisa
Que conquisto e faço
Em lúdico exercício
De físico e concreto
Pensar das coisas
em simbólicos paradoxos.

ESPECULAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE PÓS-CULTURA

Depois do fim do longo século XX, marcado por tensões ideológicas e violências sociais e políticas, é cada vez mais difícil associar cultura a identidades coletivas orgânicas e coerentemente articuladas em um ethos ou sensibilidade.

Já não cabe a cultura re-presentar socialmente o mundo, mas formatar a superficialidade e aparência do individuo em meio ás cotidianas frivolidades inerentes a existência.
A cultura agora não passa de uma mascara densa e inútil que vestimos para viver nossas fantasias de realidade...

domingo, 18 de outubro de 2009

NOTA PARA REDEFINIÇÃO DO CONCEITO DE CULTURA



Nossas representações contemporâneas de mundo são um amalgama impreciso e incerto composto de inúmeras citações. Já não cabe falar mais em visões de mundo ou ideologias, pois já não somos capazes de acreditar ou viver de acordo com qualquer prerrogativa de fé ou crença em qualquer invenção do intelecto humano.

Sabemos que equações matemáticas ou tautologias não remetem a qualquer realidade objetiva. Categorias como “necessidade”, “leis naturais” ou “valor” não são aplicáveis de modo convincente as descrições do real que nos povoam e orientam cotidianamente.
Tal ceticismo em relação as possibilidades do conhecimento humano nos afasta da sedução da verdade, da vocação que temos para nos confundir com criações do intelecto a ponto de derivar delas identidades e visões de mundo. Toda modalidade de saber já não passa de uma relativa codificação do real sobre a qual nunca estamos inteiramente seguros.
Nem mesmo a maior ou menor eficácia alcançada por este ou aquele campo do conhecimento cientifico personificados por suas realizações pragmáticas, parece ser um critério valido para atribuir valor a qualquer pensamento. Pois não importa quais sejam suas premissas ele será irremediavelmente arbitrário e unilateral...
Em poucas palavras, deslocado da idéia de verdade e de significação ontológica os saberes humanos convertem-se cada vez mais em performance do espírito. O que significa que, se para modernidade o método das ciências naturais foi o grande modelo para construção de saberes, a arte tende a desempenhar papel análogo no indeterminado da pós modernidade.

BIG NIGHT

Agora mesmo

Há flores florescendo
Em algum telhado
De antiga casa de subúrbio,
Luzes decorando calçadas
No espelho de uma poça
De chuva
E tropeços embriagados
No caos do passeio público.

A noite me abraça
Enquanto visto
Minha própria sombra
Na magia da madrugada.
Nada mais existe
Alem deste instante
Simples...

terça-feira, 13 de outubro de 2009

SOBRE O NÃO SENTIDO DA VIDA E A IMANÊCIA COMO PRINCÍPIO

Vivemos todos abandonados ao passar do tempo, entregues ao aleatório acontecer das coisas, administrando emoções e pensamentos diversificados e conflitantes.

Tudo faz pouco sentido... Mas a vida, pura e simplesmente, parece-me suficiente em meio ao acumulo do efêmero e das imanências cotidianas.
Tudo é aparência... Não há qualquer profundidade a explorar ou nos iludir como meta. Apesar de nossas intuições de transcendências, o tempo sempre nos ultrapassa na simplicidade tosca do dia a dia e nada há alem disso...

RED DAY

Preciso

de uma gota de silêncio
para olhar a vida
nos olhos
e explorar nervoso
todas as cores
da existência. ,
esquecer-me
Tão completamente
A ponto de perceber
A beleza de um dia aberto
Em riscos e possibilidades...

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

ALLEGORIES OF READING

Sob o apagamento

Constante do tempo,
Procuro-me em restos
De infância,
Em desfeitos momentos
E metafísicas ruínas
De familiares lugares perdidos...

Em parte alguma me encontro
Ou surpreendo em encanto
De estar simplesmente
No mundo...




Todas as coisas
Passam mudas
Em progressivo infinito
Para o absoluto vazio
Que constantemente
Nos transforma em realidades...