Uma das mais universais e atemporais imagens que decoram o rico universo do patrimônio simbólico da humanidade é a viagem. Não basta invocar a imagem de Ulisses, a saga dos argonautas ou os inúmeros relatos de viajantes da época dos descobrimentos marítimos de primórdios da modernidade, para dizer a essencialidade deste mito à condição humana. Isso porque ele transcende qualquer aventura épica contaminando o micro universo cotidiano do mais convencional individuo contemporâneo.
A final, toda viagem representa um deslocamento ontológico. Não importa muito seu destino, propósito ou a pré- disposição anímica daquele que se lança em seu roteiro. Mas para algumas pessoas viajar pode se confundir com o domínio de uma arte muda centrada na experiência radical do outro na relativização de si mesmo, em uma modalidade quase ilegível de evasão ou suspensão do cotidianamente vivido na experiência do inteiramente outro de um lugar desconhecido.
Viajar pode ser assim a chave de um múltiplo deslocamento; a um só tempo ontológico, social, cultural e, de varias maneiras, afetivo e intuitivo em discreta transgressão de si mesmo no afrouxamento de cristalizadas referências biográficas e pessoais de lugares e pessoas vividos como parte de nossa identidade.
Em outras palavras, em um mundo globalizado e cada vez mais multi cultural onde todas as distâncias e referências foram relativizadas por um desenvolvimento técnico cientifico sem procedentes, viajar pode ser algo mais do que visitar e conhecer lugares. Pode ser um desafio a velhas certezas da cultura gregária e nacional estabelecida pela modernidade mediante um exercício constante de desconstrução e reconstrução de si mesmo na incorporação da pluralidade e diversidade de uma realidade que nos faz cada vez mais indeterminados... como tudo que nos cerca.
Já não a contexto que domestique o caos infinito de possibilidades que agora definem o mundo que coletivamente inventamos a cada novo e desafiante dia...