A crise de representação que configura a cultura contemporânea afeta especialmente o pensamento critico, esta tendência filosófica que busca a partir do modelo das ciências naturais a construção de conceitos e definições cada vez mais “precisas”, um esforço reflexivo em permanente auto superação analítica de si mesmo inspirada no mito de um “saber absoluto” a ser alcançado.
Tal metafísico objetivo, que conduziu muitos filósofos e pensadores a balburdia e confusão de indagações, definições e explicações infinitas sobre “O que é o mundo, as coisas e o pensamento”, definitivamente exauriu-se...
Já não há nenhum objeto que seja legível ao conhecimento... apenas a performance lingüística como estratégia de livre representação de um real que absolutamente nos escapa e sobre o qual não temos nada a dizer.
No tempo presente pensar identifica-se com a desconstrução do próprio pensamento... ou com a arte ou o jogo de codificar a própria imaginação...
Um dos ensaios mais interessantes da coletânea The Beatles and Philosophy BY Michael Baur and Steven Baur, é o de James Crooks “ PEGUE UMA CANÇÃO TRISTE E FAÇA-A MELHORAR: OS BEATLES E O PENSAMENTO PÓS MODERNO. Uma determinada passagem deste ensaio me é particularmente cara por definir com precisão o significado da contra cultura que os Beatles representaram e ainda representam através de uma leitura pós moderna através do “efeito Nowhere Man”, diga-se de passagem uma de minhas canções prediletas dos Beatles:
“ As palavras “deixe-me de fora!” exprimem alienação -um tema central para os Beatles do começo do fim. As vozes narrativas de “Misery”, I call Your Name”, “You Can’t Do That, “I’m a Loser”, “I’m a Loser”, “I’m Down”, “Run for Your Life”, e “I’m Looking Throught You” pertencem a amantes alienados. As mulheres retratadas em “Eleanor Rigby”, “Lady Madonna” e “She’s Leaving Home” são amigas e parentes alienadas. As pessoas Em Paperback Writer, “A Day in the Life”, “Taxman” e “Piggies” são consumidores ou trabalhadores alienados. Cantar esse tema não é, em si, algo particularmente notável. Os grupos de rhythm’n’blues que deram origem ao rock e suas conseqüências já eram, de forma coletiva,uma cultura de reclamação nutrida e sustentada por um elenco de personagens que foram deixados de fora, ou se excluíram, de relacionamentos, famílias e da corrente principal da sociedade. A quantidade de variações é impressionante. A antologia “ deixe-me de fora” dos Beatles parece incluir todos os modos de alienação- incluindo aquele audível com clareza nas obras de Heidegger ( 1889-1976), Foucault ( 1926-1984) e várias gerações de seguidores dedicados à critica minuciosa do pensamento moderno e suas instituições. Ela é reproduzida de maneira simples e elegante na letra de “Nowhere Man”.
Segundo a explicação de Jonh, essa canção nasceu de sua frustração com seu próprio bloqueio criativo ( “Não me vinha nenhuma inspiração. Eu fiquei aborrecido e fui me deitar; tinha desistido., Então, pensei em mim mesmo como o “homem de lugar nenhum” [“nowhere man”]- sentado em sua “terra de ninguém” [“nowhere land”] ). Uma breve reflexão sobre o dilema que apresentei a pouco, no entanto, revela uma referência mais ampla. Se o pensamento moderno e todas suas instituições já são, em essência, revolucionários, se o mundo moderno é definido por uma série de crises e reformas, então, um critico minucioso- que seja absolutamente sério no que diz respeito à dissensão- não tem onde se colocar. Parta Heidegger, Foucault e espíritos semelhantes, o problema com a modernidade é que, como os borgs da série Jornada nas Estrelas: A Nova Geração, ela assimila toda oposição-ou, em termos mais técnicos- “totaliza” seus próprios valores e métodos. Sérios pensadores pós modernos, precisamente para ser sérios, devem reportar-se ao estado do mundo como se tivessem um status de refugiados em algum outro lugar-asilo, em um tipo de “nowhere land” filosófico.”
( James Crooks. Peguem uma canção triste e faça-a melhorar: Os Beatles e o pensamento pós moderno, in Os Beatles e a Filosofia: Nada que você pensa que não pode ser pensado/tradução de marcos Malvezzi. SP: Madras,2007 p.182-3 )