SOBRE HISTÓRIAS DE FADAS de J. R.R. Tolkien (1892-1973) é um livro indispensável a plena compreensão de seu complexo mundo ficcional. Ao discutir a natureza e significados deste gênero literário o autor nos oferece um interessante painel sobre a função e lugar da fantasia no imaginário moderno e contemporâneo que, decisivamente traduz sua própria concepção literária.
Alem do ensaio que lhe da titulo, também compõe a brochura um pequeno conto intitulado FOLHA POR NIGGLE que pode ser interpretado como uma cândida alegoria do processo de criação artística.
De um modo geral, após a leitura dessas duas preciosas peças literárias, originalmente publicadas respectivamente em 1938 e 1947, nos sentimos compelidos a uma consideração mais cuidadosa e menos ingênua da arte narrativa personificada pelo universo das Histórias de fadas a ponto de vislumbrar sua contemporaneidade, sua importância para a experiência de nossa própria condição humana enquanto sofisticado e precioso exercício de imaginação criadora em meio ao nosso caos cotidiano.
A originalidade das formulações de Tolkien pode ser exemplificada pelos seguintes fragmentos onde a articulação entre realidade e fantasia nas histórias de fadas contraria em boa medida o senso comum:
“... E de fato as histórias de fadas tratam em grande parte, ou ( as melhores) principalmente, de coisas simples e fundamentais, intocadas pela Fantasia, mas essas simplicidades tornaram-se mais luminosas pelo seu ambiente. Porque o criador de histórias que se permite “tomar liberdades” com a Natureza pode ser seu amante, não seu escravo. Foi nas histórias de fadas que primeiro pressenti a potência das palavras e o prodígio das coisas, como pedra, madeira, ferro, árvore e grama, casa e fogo, pão e vinho.”
( J.R.R. Tolkien. Sobre História de Fadas/tradução de Ronald Kyrmse. SP: Conrad Editora do Brasil, 2006, p.67)
Falando mais especificamente de uma das várias modalidades de “escapismo” das histórias de fada, Tolkien considera qunto a estrutura de sua narrativa que,
“O consolo das histórias de fadas, a alegria do final feliz, ou mais corretamente da boa catástrofe, da repentina “virada” jubilosa ( porque não há um final verdadeiro em qualquer conto de fadas), essa alegria, que é uma das coisas que as histórias de fadas conseguem produzir supremamente bem, não é essencialmente “escapista” nem “fugitiva”. Em seu ambiente de conto de fadas- ou de outro mundo- ela é uma graça repentina e milagrosa: nunca se pode confiar que ocorra outra vez. Ela não nega a existência da discatástrofe, do pesar e do fracasso: a possibilidade destes é necessária a à alegria da libertação. Ela nega ( em face de muitas evidências, por assim dizer) a derrota final universal, e nessa medida é evangelium, dando um vislumbre fugaz de alegria Alegria além das muralhas do mundo, pungente como o pesar”
( idem. P. 77)