terça-feira, 23 de setembro de 2008

O DESAFIO DO VENTO

Um vento adentra curioso
A janela aberta
Buscando a suave música
Que neste instante povoa
O quarto, a alma
E as coisas.
Trata-se de um vento
Antigo e sem nome
Onde tudo
Permanece e passa
Como a imagem de um segredo
Diante da magia de um espelho.

Sou esse vento
Que sinto e vejo
No confortável frio
E ritmo de carne
Na canção que vivo
Em abstrato mundo
E vazio de céu fechado.

CRÔNICA RELÂMPAGO XXXVI

Nada é tão estranhamente misterioso quanto aquilo que conhecemos como passado. Afinal, se só o sabemos através de fragmentos de memória, é porque seu pleno domínio e acontecer nos escapa em presentes. Coisa que acontece até o ponto de torná-lo tão aberto e incerto quanto o futuro no complexo jogo que existe entre a memória, o esquecimento e o relativo desconhecido que define a distância ou ausência do que se foi.
Em certas circunstancias, redescobrir “coisas perdidas” revela-se uma curiosa forma de construir futuros a partir da redefinição De nossas experiências guardadas no fundo do tempo vivido.
Em poucas palavras, o passado esta longe de afigurar-se como uma modalidade morta de tempo no perpetuo se fazer de nós mesmos até nos reduzirmos ao próprio passado e a ausência.

DEVANEIO NOTURNO

Em algum impreciso ponto
De sonho e encanto
Vislumbro mil mundos
Nas dez mil coisas
De um dia aberto
Em diversas realidades.
Nele não imperam verdades
Apenas a sombra
De palavras e fantasias
Que me oferecem
Um sol na noite
Em embriagues de vida
E fome de sonho.

domingo, 21 de setembro de 2008

JUNG E O ULISSES DE JAMES JOYCE


Uma das mais criativas interpretações do significado do Ulisses de James Joyce foi ao meu ver a realizada por Jung em um breve ensaio literário originalmente publicado em Berlim no ano de 1932. Nele o autor de modo realmente instigante explora os significados desta verdadeira obra prima da literatura universal enquanto expressão dos dilemas humanos de sua própria época, dos desafios existenciais dos quais de muitas formas ainda nos são contemporâneos Afasta-se, entretanto, de muitos dos seus outros interpretes ao não rotulá-la como uma obra simbólica frisando assim seu caráter consciente/racional. O que poder-se-ia ser explicado pelo fato de Ulisses definir-se acima de tudo como uma fascinante experiência discursiva onde o falar, o dizer e o pensar se distanciam do cognoscível e dos nossos usos convencionais da linguagem na invenção dos significados... Trata-se da construção de uma nova mitologia, paradoxalmente secular e niilista.

Seja lá como for, para JUNG:

“... O artista é s em querer o porta voz dos segredos espirituais de sua época e, como todo profeta, é de vez em quanto inconsciente como um sonâmbulo. Julga está falando por si, mas é o espírito da época que se manifesta e, o que ele diz, é real em seus efeitos.
Ulisses é um documento humano de nosso tempo, e mais, é um segredo. É bem verdade que ele pode libertar os que estão presos espiritualmente e que sua frieza consegue congelar, até a medula, não só o sentimentalismo, mas o próprio sentimento normal. Mas estes efeitos salutares não esgotam a sua essência. Dizer que foi o próprio diabo quem apadrinhou a obra é uma observação espirituosa interessante, mas não satisfaz. Há vida na obra, e a vida nunca é apenas má e destrutiva. Na verdade, tudo o que de imediato podemos apreender neste livro é negativo e solúvel, mas pode-se pressentir algo intangível, uma intenção secreta que lhe dá sentido e, portanto, valor. Seria este mosaico colorido de palavras e imagens “porventura” simbólico? Por Deus, não estou me referindo a uma alegoria, mas ao símbolo como expressão de uma essência inatingível. Neste caso deveria ao menos bruxulear um sentido oculto em algum lugar nesta tecidura estranha. Aqui e acolá deveriam ressoar sons já ouvidos em outros tempos e em outros lugares, talvez em sonhos raros ou nas obscuras sabedoria de raças esquecidas. Não se pode contestar esta possibilidade. Mas eu, pessoalmente, não consegui encontrar a chave. Pelo contrário, o livro me parece ter sido escrito no estado de mais plena consciência; não é sonho, nem revelação do in consciente. Penso até que mostre um propósito mais forte e uma tendência mais exclusiva do que o Zaratustra de NIETZSCHE ou a segunda parte do Fausto de GOETHE. Talvez por isso Ulisses não possua a característica de obra simbólica. ( ...) Pois “simbólico” significa que uma essência poderosa e inconcebível reside oculta no objeto, seja espírito ou mundo; e que o homem faz desesperados esforços para enquadrar numa expressão o segredo que lhe escapa. Para tanto deve-se dirigir ao objeto com todas as suas forças mentais e penetrar todos os véus reluzentes, a fim de trazer a superfície o outro que jaz oculto nas desconhecidas profundezas.
Mas o que perturba no Ulisses é que, atrás de milhares e milhares de véus, nada existe. Não se dirige ao espírito e nem ao mundo. Frio como a lua, observando de uma distância cósmica, permite que a comédia da criação, da existência e do desaparecimento siga o seu curso. Espero sinceramente que Ulisses não seja simbólico; pois do contrário não terá atingido seu objetivo. Qual o segredo tão ansiosamente guardado e encoberto com cuidado impar durante essas intoleráveis 735 páginas? Melhor não despender energias e tempo com infrutíferas caças ao tesouro. Nada pode haver atrás disso, pois do contrário a nossa consciência estaria novamente comprometida com o espírito e o mundo, perpetuando para sempre os Srs. Daedalus e Bloom e enganados pelas dez mil aparências. É exatamente isso que Ulisses quer evitar: ele quer ser um olhar lunar, uma consciência desligada do objeto; não escravizado por deuses , nem pela luxuria; não preso por amor ou ódio, por convicção ou preconceito. Ulisses não diz isto, mas age assim: o despreendimento da consciência é a meta que começa a se manifestar por trás da cortina nebulosa deste livro. Este é certamente o verdadeiro segredo da nova consciência cósmica que não é revelada aquele que leu conscienciosamente as 735 páginas, mas àquele que durante os 735 dias contemplou o seu mundo e a sua própria mente através dos olhos de Ulisses.”
( C G JUNG. Ulisses um Monologo/ tradução de Maria de Moraes Barros, in Obras Completas de C G Jung Vol. XV. O espírito na arte e na ciência. Petrópolis: Vozes, 1985, p.107-8)

DA DESCONSTRUÇÃO DO MUNDO E DO APRENDIZADO DA SINGULARIDADE

O despreendimento da consciência exigido pelos rápidos e nervosos ritmos da existência contemporânea e seu ethos pragmático/ utilitário nos leva a questionar se ainda podemos nos dar ao luxo de sermos “sentimentais”, subjetivos, em nossas escolhas e experiências de um mundo que, de muitas maneiras, tornou-se ilegível aos teleológicos significados religiosos e morais tradicionalmente atribuídos a vida e a existência.
A realidade afigura-se agora para nós como um complexo emaranhado de abstrações e linguagens com o qual interagimos mais pela superficialidade de nossos sentidos e sensações imediatas do que pelas acrobacias do espírito.
O mundo não mais “significa”, nossas certezas esfarelam-se como as identidades coletivas e culturais que até à pouco definiam a experiência societária. A troca entre os homens é agora mediada pelo difuso sentimento de um estranhamento continuo entre indivíduos dispersos em sua própria pluralidade e privacidade. Este estar entregue e preso a si mesmo mais do que ao mundo e as pessoas, ter que aprender a lidar com sua complexa realidade interna, talvez seja um dos mais significativos desafios ou questões deste inicio de milênio.

UM POEMA DE S.T. COLERIDGE...


PHANTOM

“All look and likeness caught from earth
All accident of kin and birth,
Had pass’d away. There was no trace
Of aught on that ilumined face,
Uprais’d beneath the rifted stone
But o fone spirit all her own-
She,she herself, and only she,
Shone throught her body visibly.”

APARIÇÃO

“Todo aspecto terreno e semelhança
Tudo o que do nascer trouxe de herança,
Passou. Em sua face iluminada
Não existe nenhum sinal de nada
Germinando onde a pedra se fendeu...
O que se vê é um espírito só seu-
Pois é ela, ela própria, ela somente,
Brilhando no seu corpo transparente.”


Tradução de Paulo Vizioli

sábado, 20 de setembro de 2008

MOMENTO

Surpreendo-me em silêncio
A margem do dia
E a sombra das horas
Desenhando vazios
Em um céu nublado
Fechado a sentimentos.

Em meus pensamentos
Reúno sobras de sonhos antigos,
Perdidos desejos e amanhãs partidos.

Tudo que sou se faz
Na possibilidade do impossível
Que me desafia o juízo.

COLERIDGE E A QUESTÃO DA IMAGINAÇÃO


Segundo Paulo Vizioli, S T Coleridge foi o responsável pela introdução do Idealismo Alemão na Inglaterra construindo assim as bases filosóficas do romantismo inglês. Quanto a tais bases é muito significativa uma passagem de sua Biografia Literária onde, através do conceito de “imaginação secundária” o autor nos oferece uma peculiar interpretação da noção de “inspiração” que tão significativamente traduz o ethos romântico em sua versão mais popular.

Da imaginação, ou poder esemplástico

“A IMAGINAÇÃO, pois, considero ou primária ou secundária. A meu ver, a imaginação primaria é a energia viva e o agente primeiro de toda percepção humana; é como que uma repetição, na mente finita, do eterno ato de criação do in finito EU SOU. À imaginação secundária considero um eco da anterior, coexistindo com a vontade consciente; identifica-se com a primária quanto ao tipo de atuação, dela diferindo apenas quanto ao grau e quanto ao modo de operar. Ela dissolve, difunde, dissipa, a fim de recria; e, onde esse processo se torna impossível, ela ainda assim se esforça, em todo caso, para idealizar e unificar. É essencialmente vital, da mesma maneira como todos os objetos ( enquanto objetos) são essencialmente fixos e mortos.
A FANTASIA, pelo contrário, não tem outras fichas para jogar alem de coisas fixas e definidas. A fantasia nada mais é , na verdade, que um modo da memória emancipado da ordem do tempo e do espaço; ela se mescla com aquele fenômeno empírico da vontade que designamos com a palavra ESCOLHA, e é por ele modificada. Mas, a exemplo da memória ordinária, deve receber prontos, da lei da associação, todos os materiais de que se serve.”


(Samuel Taylor Coleridge. Poemas e excetos de Biografia Literária/Introdução, seleção, tradução e notas de Paulo Vizioli. SP: Nova Alexandria, 1995, p.149)

CRÒNICA RELAmpago XXXV

O que faz definitivamente o acontecer de uma biografia humana, entre o acaso e o que chamamos destino, é a AMBIÇÃO... a busca pela realização de qualquer emotiva imagem de futuro na idealização personificadora de determinados caros e eleitos objetivos, desejos ou simplesmente alguma vontade de vida imaginada que de algum modo nos parece satisfatória.
Contrariando tal impulso, a vida normalmente, neste ou naquele campo, nos parece significativamente insatisfatória ou, em outros casos, se torna algo muito diferente daquilo que esperávamos ou buscávamos na trilha aparentemente certa de nossos ideiais e teleologias pessoais.
Este desacordo entre a vida que queríamos e a que temos é o que define a própria condição humana do ponto de vista do individuo singular. Ter auto consciência de si mesmo, afinal, é vivenciar tal deslocamento entre o real e o virtual de nossas auto representações, mergulhar no quebra cabeça que as ambições, enquanto estranha energia do movimento impreciso de ser, nos conduz ao desafio de cada dia.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

BUSCA

Um acaso desenha
Paisagens de atos
No abstrato
Do meu vago sentimento
De todas as coisas.

Deixo-me em céu aberto
No aprendizado da esperança
E dos limites dos risos
Cotidianamente construídos
No quase nada de rotinas.

Sou em tudo futuro,
Torto esboço de mim mesmo
No esforço de saber um rosto.