Assim sendo, considero instigante e provocador aqui tecer um breve e superficial comentário sobre dois filmes, aparentemente ingênuos e simplistas.
Refiro-me as Crônicas de Narnya e a Bússola de Ouro que, de modos distintos, parecem atualizar a velha linguagem dos contos de fada em um simbolismo contemporâneo e surpreendentemente imaginativo.
Em ambos os casos, crianças são as protagonistas centrais da narrativa, cujo principal argumento é seu envolvimento com “outros mundos”, com um universo mágico pouco acessível à realidade dos adultos e definida por uma natureza encantada.
Se no imaginário ocidental, na construção de uma vivência e imagem da criança/infância, de muitos modos predominou a imagem da criança divina aprisionada pela mitologia cristã, atualmente vemos emergir representações variantes da infância associadas a um resgate e valorização do universo do fantástico e do “desconhecido” como componentes da própria maturidade psiquica.
Desta forma, as criticas e sanções da igreja de Roma contra o filme A Bússola Dourada lançado no ultimo natal, são compreensíveis, embora não justificáveis dentro da dinâmica de um mundo cada vez mais plural e interrogativo quanto à afirmação universal de qualquer verdade religiosa ou laica.
A bússola de Ouro, é um exercício único de imaginação... Afinal, a partir da realidade de um mundo imaginário onde qualquer versão xamânica de natureza humana nunca se perdeu e as almas humanas são personificadas por “daimons”, por formas animais que nos acompanham, dialogam e protegem, o desconhecido de uma pluralidade de outros mundos e realidades possíveis surge como um desafio aos conservadores guardiões da ordem estabelecida e suas verdades.
Tal fantasia, essencialmente inspirada em uma imagem pagã de natureza, conduz a muitas interrogações... Mas prefiro esperar a previsível continuação desta fascinante aventura cinematográfica para aprofundar minha leitura.