Para o homem ocidental deste inicio de milênio, condicionado aos padrões de uma cultura urbana e industrial, a imagem arcaica representada pela antiga cultura celta, que tantas marcas deixou no imaginário europeu ocidental, pode despertar um certo sentimento de evasão e encanto por sua enganosa simplicidade e surpreendente complexidade de significados e conteúdos.
Um dos exemplos disso, certamente não o mais significativo, é a geografia do sagrado personificada em bosques e florestas que traduziam a experiência de uma natureza encantada, de uma materialidade mágica povoada de “poderes” e grandezas” passiveis de interações com a dimensão propriamente humana da existência.
A imagem do “bosque encantado” como personificação do sagrado involuntariamente se contrapõe as diversas imagens de templos e monumentos erguidos pelas mais diversas civilizações urbanas, onde a experiência do irracional é domesticada por abstrações racionais e anti-naturais do sagrado...
Recorro aqui a um antigo trabalho do pesquisador britânico T. G. E. Powell para fornecer um resumido quadro sobre o tema do nemeton:
“... Passemos agora aos recintos de árvores sagradas, imagens e outros objetos de veneração. Com excepção de santuários, como o de Roquepertuse e Entremont, situados numa área particularmente aberta às aquisições de tipo mais refinado, os lugares santos dos Celtas, anteriores ou exteriores ao Império Romano, parecem ter sido do tipo mais singelo.
Uma forma muito generalizada parece ter sido a do bosque sagrado, ou extensão de terreno em que cresciam tufos de árvores. Parece ser esta a implicação geral do vocábulo nemeton, que está amplamente distribuído em topônimos por todas as terras onde passaram os celtas. Alguns exemplos são Drunemeton, o santuário e centro de reunião dos Gálatas da Ásia Menor, Nemetobriga, na Galiza espanhola, Nemetodurum, de que derivou o nome moderno de Nanterre. Na Grã Bretanha havia um lugar Veneraton, e no sul da Escócia um Medionemeton. Na Ilanda, fidnemed queria dizer um bosque sagrado, mas uma glosa latina para nemed dá sacellum, que indica um pequeno santuário ou recinto. Determinado glosário do século VIII contem uma palavra plural ( nimidas) evidentemente derivada de nemeton, e define-a em termos dos lugares sagrados dos bosques, e o cartulário do século XI da abadia de Quimperlé faz referência a um bosque chamado Nemet, mostrando assim a continuidade da tradição celta na Bretanha. Há, igualmente, as referências de autores clássicos aos bosques em que os druidas executavam os seus ritos e sacrifícios, mas a palavra cética em questão não é referida nessas passagens.
(...)
Parece, na verdade, que nemeton pode ter chegado a ter vastíssimas aplicações, e duas categorias há de locais, alem dos bosques, que assim podem ter sido designados. Na primeira contam-se aqueles em que tinham lugar as concentrações anuais do tuath, ou tribo. O centro de Drunemeton, na Gália, e as varias sedes reais da Irlanda, Emain Macha, Tara, Cruachain e outras são possíveis exemplos. Estes ajuntamentos populacionais não poderiam realizar-se convenientemente numa mata, porque corridas, jogos e reuniões públicas de vários gêneros constituíam elementos essenciais desses festivais. Na Irlanda verifica-se que os lugares tradicionais são de fato mais notáveis pelos seus monumentos funerários do que pelos sinais de habitação ou defesa, e na literatura são as elevações funerárias que são recordadas e apresentadas como razão de celebração naquele local.
Na segunda, porem, nemeton parece ter- se aplicado a santuários menores, ou locais, a julgar pela equiparação do termo sacellum, e a uma inscrição dos tempos romanos em Vaiso, Vaucluse, para comemorar o estabelecimento de um nemeton em honra de Belesama. Deve referir-se, certamente, a qualquer espécie de estrutura.”
(T G E Powel. Os Celtas. Portugal: Editora Verbo, 196 ( Coleção Historia Mundi , p. 144 et seq.),