quarta-feira, 25 de junho de 2008

TEOGONIA II



De um modo geral, na mitologia das origens surgida na Grécia arcaica, Eros apresenta-se como o grande principio motor e ordenador do cosmos, uma força que impele e que move. Na Teogonia de Hesíodo, podemos observa-lo como um impulso vital, uma espécie de “principio de ligação” capaz de imobilizar e despir de sua divindade o próprio Zeus levando-o a assumir a forma de animais como o cisne ( para seduzir Leda) ou de um touro ( rapto de Europa).
Segundo Diotima de Mantineia no Banquete de Platão, Eros não é propriamente um deus, mas um poderoso daimon, um gênio mediador entre a realidade dos deuses e dos mortais.
Essa imagem arcaica de Eros me parece ter inspirado Jung na definição do binário Anima/Animus, uma vez que é justamente como “principio de ligação” que o feminino é definido por ele enquanto grandeza psíquica. Em contrapartida, o principio masculino, identificado a Logos, parece remeter ao advento da Filosofia e a transcendência do mito.

DRUIDA


À sombra do velho carvalho
Aprendo as palavras do vento,
Descubro o profundo do verde
Que se espalha
Em todas as ditreções
Do dizer da terra.
Leio o céu de hoje
E do ontem
Vagando nas brumas
De algum perdido futuro.
Sou apenas um grão de pólen
Percorrendo vazios
E existências
Na suave canção eterna
Da natureza mãe.
No mais profundo dos ermos
Vislumbro mil liberdades.

TEOGONIA I



Originalmente composta na Grécia dos secs. VIII ou VII a C., a Teogonia de Hesíodo nos conduz a experiência viva da cultura arcaica grega, ou seja, anterior ao advento da polis, do alfabeto e da difusão da moeda. Produto, portanto, de uma tradição oral, os cantos de Hesíodo revelam todo o poder e riqueza simbólica da palavra ainda livre das amarras de um código lingüístico abstrato-conceitual. Predomina neste precioso texto a imagética, o mito e o símbolo personificados pela palavra cantada, receptáculo por excelência da anto-poetica do sagrado.
O nascimento dos deuses e do mundo dar-se a partir da coincidentia oppositorum, da integração dos opostos e do constante jogo dos contrários articulados por uma quaternidade primária em profunda enandiotromia: Eros, Khaos, Terra e Tártaro.
Tal quaternidade é o principio de toda descendência sagrada, do jogo mágico de uniões ( Eros) e dissociações ( Khaos) através do qual nascem as sucessivas gerações de deuses e o próprio cosmos.

domingo, 22 de junho de 2008

NEMETON


Para o homem ocidental deste inicio de milênio, condicionado aos padrões de uma cultura urbana e industrial, a imagem arcaica representada pela antiga cultura celta, que tantas marcas deixou no imaginário europeu ocidental, pode despertar um certo sentimento de evasão e encanto por sua enganosa simplicidade e surpreendente complexidade de significados e conteúdos.
Um dos exemplos disso, certamente não o mais significativo, é a geografia do sagrado personificada em bosques e florestas que traduziam a experiência de uma natureza encantada, de uma materialidade mágica povoada de “poderes” e grandezas” passiveis de interações com a dimensão propriamente humana da existência.
A imagem do “bosque encantado” como personificação do sagrado involuntariamente se contrapõe as diversas imagens de templos e monumentos erguidos pelas mais diversas civilizações urbanas, onde a experiência do irracional é domesticada por abstrações racionais e anti-naturais do sagrado...
Recorro aqui a um antigo trabalho do pesquisador britânico T. G. E. Powell para fornecer um resumido quadro sobre o tema do nemeton:

“... Passemos agora aos recintos de árvores sagradas, imagens e outros objetos de veneração. Com excepção de santuários, como o de Roquepertuse e Entremont, situados numa área particularmente aberta às aquisições de tipo mais refinado, os lugares santos dos Celtas, anteriores ou exteriores ao Império Romano, parecem ter sido do tipo mais singelo.
Uma forma muito generalizada parece ter sido a do bosque sagrado, ou extensão de terreno em que cresciam tufos de árvores. Parece ser esta a implicação geral do vocábulo nemeton, que está amplamente distribuído em topônimos por todas as terras onde passaram os celtas. Alguns exemplos são Drunemeton, o santuário e centro de reunião dos Gálatas da Ásia Menor, Nemetobriga, na Galiza espanhola, Nemetodurum, de que derivou o nome moderno de Nanterre. Na Grã Bretanha havia um lugar Veneraton, e no sul da Escócia um Medionemeton. Na Ilanda, fidnemed queria dizer um bosque sagrado, mas uma glosa latina para nemed dá sacellum, que indica um pequeno santuário ou recinto. Determinado glosário do século VIII contem uma palavra plural ( nimidas) evidentemente derivada de nemeton, e define-a em termos dos lugares sagrados dos bosques, e o cartulário do século XI da abadia de Quimperlé faz referência a um bosque chamado Nemet, mostrando assim a continuidade da tradição celta na Bretanha. Há, igualmente, as referências de autores clássicos aos bosques em que os druidas executavam os seus ritos e sacrifícios, mas a palavra cética em questão não é referida nessas passagens.
(...)
Parece, na verdade, que nemeton pode ter chegado a ter vastíssimas aplicações, e duas categorias há de locais, alem dos bosques, que assim podem ter sido designados. Na primeira contam-se aqueles em que tinham lugar as concentrações anuais do tuath, ou tribo. O centro de Drunemeton, na Gália, e as varias sedes reais da Irlanda, Emain Macha, Tara, Cruachain e outras são possíveis exemplos. Estes ajuntamentos populacionais não poderiam realizar-se convenientemente numa mata, porque corridas, jogos e reuniões públicas de vários gêneros constituíam elementos essenciais desses festivais. Na Irlanda verifica-se que os lugares tradicionais são de fato mais notáveis pelos seus monumentos funerários do que pelos sinais de habitação ou defesa, e na literatura são as elevações funerárias que são recordadas e apresentadas como razão de celebração naquele local.
Na segunda, porem, nemeton parece ter- se aplicado a santuários menores, ou locais, a julgar pela equiparação do termo sacellum, e a uma inscrição dos tempos romanos em Vaiso, Vaucluse, para comemorar o estabelecimento de um nemeton em honra de Belesama. Deve referir-se, certamente, a qualquer espécie de estrutura.”

(T G E Powel. Os Celtas. Portugal: Editora Verbo, 196 ( Coleção Historia Mundi , p. 144 et seq.),

CRÔNICA RELÂMPAGO XXX

Algumas vezes, fazer a coisa certa, realizar em atos nossas mais positivas auto imagens, constitui um erro no aprendizado e experiência do mundo. Nem sempre seguir uma cartilha pessoal de existência é a melhor resposta a dadas situações vividas.
As vezes é imprescindível saber fugir ao próprio rosto e preceitos...desafiar-se e descobrir possibilidades até então não vislumbradas de estratégias de existência.
Na vida, muitas vezes, o mais decisivo é o improviso, o salto no escuro representado pela superação de padrões comportamentais insuficientes para dar conta de situações cuja dinâmica nos obrigam a qualquer novidade.
Isso acontece mais comumente na vida de qualquer pessoa do que se imagina. Mas quase sempre optamos pelo caminho fácil ou cômodo dos continuísmos. Tal atitude conservadora é em grande medida o que nos determina a singularidade do nosso destino e os limites de nossas individualidades.

AUTO CONTEMPLAÇÂO

Procuro viver
Sem saber
o tênue limite
Que diferencia
A dor e o sonho.

Tento ser menos
Do que realmente sou,
Desconstruindo meu suposto eu
Na ignorância de rotas perfeições.


Quero saber apenas
Meu mínimo absoluto
Em um canto de tempo
Onde contemplo
A vida espalhada ao acaso
Entre a bagunça dos fatos.

DIA NUBRADO

Uma paz antiga
Decora-me os atos,
Embriaga o tempo
Que se deixa lento
No fazer das coisas
Entre mansidões
E penumbras.

Há algo
De sonho e infância
No rosto de um dia
Sem sol com sabor de chuva.

Algo que escapa
A palavra
No intenso sentimento
De mim mesmo
Dentro das horas
E do frio.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

ENCONTRO E ACASO

Quase não lembro seu rosto,
o contorno do seu corpo
diante de mim
como esfinge.

Nos vimos tão pouco
no viver de nossas personas
em ato e fato
das prisões cotidianas
entre labor e obrigações.


Muito pouco...

Mas na formalidade da ocasião,
do frio do dia,
um sonho acordou de repente
e sem pedir
pelo resto de toda a minha vida.

Assim aprendi seu nome,
sua poesia,
seu calor,
sentimento e sentido
dentro de mim.

LUDICO E SOCIEDADE

Vejo sem usar os olhos
mil coisas de pensamento
e imagens de mundo.

Vejo acasos de sombras nas pessoas,
o fundo escuro dos fatos em caos,
a duvida essencial
contra a qual nos insurgimos
buscando o falso de algum sentido.

Vejo o passado e o futuro
na face do meu presente.

Só não vejo a mim mesmo
brincando em meus entimentos.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

SHAKESPEARE AND LOVE



O amor apresenta-se na obra de Shakespeare de modo tão complexo e surpreendentemente familiar que ainda em nossos dias são publicadas coletâneas de citações do velho bardo sobre o tema. Um bom exemplo é o “livro presente” Helen Exley intitulado Shakespeare e o Amor, originalmente publicado no reino Unido em 1999 pela Exley Ptd.
Na obra de Shakespeare, vale dizer, o amor surge como um jogo de linguagem e um desregramento dos atos e pensamentos. Ele é como um raio fulminante a transfigurar a razão e os sentimentos.


“ O amor não é mais do que uma loucura
podendo eu asseverar-vos que merece
quarto escuro e chibatadas, da mesma forma
que os dementes”
(Como Gostais, III : ii)


Sarcasmos como esse misturam-se em sua obra a representação do amor como expressão do maravilhoso, das extravagâncias e obsessões ocasionadas por suas fantasias e atmosfera feerica.
Por outro lado, sujeito ao capricho das dificuldades, sejam aquelas impostas pela família, a sociedade ou pelo próprio destino, a maior fonte de incerteza do amor esconde-se em sua própria natureza. Pois o amor em Shakespeare é também inconstância e incerteza; é como o olhar que corre...

“ O amor é pleno de contradições;
menino caprichoso, trapalhão,
Ele nasce no olhar e, como o olhar,
Cheio de formas soltas, usos, hábitos,
Muda de tema com o olhar que corre,
Variando de objeto como o que v~e.
( Trabalhos de Amor Perdido, V ii, 700-5)


Nada disso, entretanto, apaga a poesia dos amantes, a iniciação e sabedoria personificada pela experiência amorosa, pela contemplação mágica dos olhos da amada .

“ Isso aprendi dos olhos femininos:
Deles tirou sua chama Prometeu;
Eles são livro, arte, academia,
Em que o mundo se mostra e
Se alimenta."
( Trabalhos de Amor Perdido, IV, iii, 350-4)


Em Shakespeare encontramos o amor codificado em uma linguagem que, embora ainda não corresponda a formula moderna do amor romântico, também não se enquadra inteiramente na codificação do amor cortês, embora dela esteja de alguma maneira mais próxima...