Publicada entre nós em 1998, a coletânea de ensaios intitulada Sobre a História do celebre historiador britânico Eric Hobsbawn, oferece generosamente uma rica leitura dos dilemas da historiografia contemporânea, das suas polêmicas metodológicas e impasses ideológicos, de modo amplo e elegante. Mesmo quando não concordamos com o autor é impossível ignorar sua sinceridade e rigor intelectual.
Mas quero aqui desta interessante obra resgatar uma única questão: a relação entre a historiografia e a construção de um mito moderno: o nacionalismo. Tema já trabalhado pelo autor em A Invenção das Tradições.
Procurando ser breve, valho-me de um fragmento de ensaio da obra em questão para dizer os impasses que se escondem no imaginário coletivo em torno da problemática das identidades sociais modernas e ainda, de inúmeras maneiras, contemporâneas:
“O Problema para os historiadores profissionais é que seu objeto tem importantes funções sociais e políticas. Essas funções dependem de seu trabalho- quem mais descobre e registra o passado além dos historiadores?-, mas ao mesmo tempo estão em conflito com seus padrões profissionais. Essa dualidade está no cerne de nosso objeto. Os fundadores da Revue Historique tinham consciência disso quando declararam, no avant-propos de seu primeiro número que “Estudar o passsado da França, que será nosso interesse principal, é hoje uma questão de importância nacional. Isso nos possibilitará restabelecer ao nosso país a unidade e a força moral de que necessita”.
É claro que nada estava mais longe de suas mentes confiantes e positivas que servir a nação de outro modo quer não servir a busca da verdade. No entanto, os não acadêmicos que necessitam e consomem a mercadoria que os historiadores produzem, e que constituem o seu mercado mais amplo e politicamente decisivo, não se incomodam com a nítida distinção entre os “procedimentos estritamente científicos” e as “construções retóricas” que eram tão fundamentais para os fundadores da Revue. Seu critério do que é “boa historia” é a “história que é boa para nós”- “nosso país”, “nossa causa”, ou simplesmente “nossa satisfação emocional”. Quer gostem disso ou não, os historiadores profissionais produzem a matéria-prima para o uso ou abuso dos não-profissionais.
Que a história esteja indissoluvelmente ligada a política contemporânea- como continua a demonstrar a historiografia da Revolução Francesa- provavelmente não é hoje uma dificuldade importante, pois os debates dos historiadores, pelo menos em países de liberdade intelectual, são conduzidos dentro das normas de disciplina. Além disso, muitos dos debates mais carregados de conteúdos ideológico entre historiadores profissionais referem-se a questões sobre as quais os não-historiadores menos sabem e se importam. No entanto, todos os seres humanos, coletividades e instituições necessitam de um passado, mas apenas ocasionalmente o passado é revelado pela pesquisa histórica. O exemplo padrão de uma cultura de identidade, que se ancora no passado por meio de mitos disfarçados de história, é o nacionalismo. Ernest Renam observou a mais de um século, “ Esquecer, ou mesmo interpretar mal a história , é um fator essencial na formação de uma nação, motivo pelo qual o progresso dos estudos históricos muitas vezes é um risco para a nacionalidade”. As nações são entidades historicamente novas fingindo terem existido durante muito tempo. É inevitável que a versão nacionalista de sua história consista de anacronismos, omissão, descontextualização e, em casos extremos, mentiras. Em um grau menor, isso é verdade para todas as formas de identidade, antigas e recentes.”
( Eric Hobsbawn. Não basta a história de identidade, in Sobre a História/ tradução de Cid Knipel Moreira- SP: Companhia das Letras, 1998, p284 et seq.)
Mas quero aqui desta interessante obra resgatar uma única questão: a relação entre a historiografia e a construção de um mito moderno: o nacionalismo. Tema já trabalhado pelo autor em A Invenção das Tradições.
Procurando ser breve, valho-me de um fragmento de ensaio da obra em questão para dizer os impasses que se escondem no imaginário coletivo em torno da problemática das identidades sociais modernas e ainda, de inúmeras maneiras, contemporâneas:
“O Problema para os historiadores profissionais é que seu objeto tem importantes funções sociais e políticas. Essas funções dependem de seu trabalho- quem mais descobre e registra o passado além dos historiadores?-, mas ao mesmo tempo estão em conflito com seus padrões profissionais. Essa dualidade está no cerne de nosso objeto. Os fundadores da Revue Historique tinham consciência disso quando declararam, no avant-propos de seu primeiro número que “Estudar o passsado da França, que será nosso interesse principal, é hoje uma questão de importância nacional. Isso nos possibilitará restabelecer ao nosso país a unidade e a força moral de que necessita”.
É claro que nada estava mais longe de suas mentes confiantes e positivas que servir a nação de outro modo quer não servir a busca da verdade. No entanto, os não acadêmicos que necessitam e consomem a mercadoria que os historiadores produzem, e que constituem o seu mercado mais amplo e politicamente decisivo, não se incomodam com a nítida distinção entre os “procedimentos estritamente científicos” e as “construções retóricas” que eram tão fundamentais para os fundadores da Revue. Seu critério do que é “boa historia” é a “história que é boa para nós”- “nosso país”, “nossa causa”, ou simplesmente “nossa satisfação emocional”. Quer gostem disso ou não, os historiadores profissionais produzem a matéria-prima para o uso ou abuso dos não-profissionais.
Que a história esteja indissoluvelmente ligada a política contemporânea- como continua a demonstrar a historiografia da Revolução Francesa- provavelmente não é hoje uma dificuldade importante, pois os debates dos historiadores, pelo menos em países de liberdade intelectual, são conduzidos dentro das normas de disciplina. Além disso, muitos dos debates mais carregados de conteúdos ideológico entre historiadores profissionais referem-se a questões sobre as quais os não-historiadores menos sabem e se importam. No entanto, todos os seres humanos, coletividades e instituições necessitam de um passado, mas apenas ocasionalmente o passado é revelado pela pesquisa histórica. O exemplo padrão de uma cultura de identidade, que se ancora no passado por meio de mitos disfarçados de história, é o nacionalismo. Ernest Renam observou a mais de um século, “ Esquecer, ou mesmo interpretar mal a história , é um fator essencial na formação de uma nação, motivo pelo qual o progresso dos estudos históricos muitas vezes é um risco para a nacionalidade”. As nações são entidades historicamente novas fingindo terem existido durante muito tempo. É inevitável que a versão nacionalista de sua história consista de anacronismos, omissão, descontextualização e, em casos extremos, mentiras. Em um grau menor, isso é verdade para todas as formas de identidade, antigas e recentes.”
( Eric Hobsbawn. Não basta a história de identidade, in Sobre a História/ tradução de Cid Knipel Moreira- SP: Companhia das Letras, 1998, p284 et seq.)