terça-feira, 8 de abril de 2008

FRONTEIRAS, PASSAGENS, PAISAGENS NA LITERATURA CANADENSE


Um dos livros mais interessantes que li nos últimos tempos foi a coletânia organizada pela professora Maria Bernadette Porto intitulada Fronteiras, Passagens e Paisagens na Literatura Canadense que resume o dialógico esforço de pesquisadores brasileiros e canadenses em torno da produção literária no Canada e sua leitura da experiência única da realidade e significado simbólico do continente americano no contexto daquilo que, em termos culturais, poderíamos chamar de extremo ocidente em sua versão americanista . Cabe observar que a citada coletânia ocupa-se privilegiadamente do Canadá Francês. Mas, definitivamente, vale à pena reproduzir aqui uma passagem da apresentação da obra, feita por sua organizadora, na qual comenta brevemente os ensaios reunidos :

“Baseando-me no conceito de “coletividade nova” que designa o conjunto de sociedades criadas a partir do séc. XVI, em decorrência de migrações provenientes da Europa em direção a territórios considerados novos, Gérard Bouchard nos fornece pistas para compreender a formação do imaginário e da identidade quebrenses graças à apropriação do espaço e de si mesmo realizada no interior desta comunidade.
Ao privilegiar em seu ensaio a análise do confronto entre cultura erudita e cultura popular no Quebec, o sociólogo salienta conseqüências, visíveis ainda hoje, do projeto de letrados que se esforçavam para a criação de uma cultura nacional graças a uma literatura calcada no modelo francês, em detrimento da cultura popular que vicejava através de uma língua hibrida onde se inscreviam os sinais da americanidade. Em decorrência da ação dos letrados, valorizou-se a idéia de homogeneização da sociedade canadense francesa. Daí decorreria, aos olhos de Bouchard, a dificuldade de vivenciar a dupla relação com a Europa e a América, conhecida até hoje pelos quebranistas.

(...)

A partir de um olhar critico que foge a qualquer tendência a considerar o feminino através de uma perspectiva essencializante, Sandra Regina Goulart de Almeida desenvolve reflexões em que problematiza as questões de gênero e o termo pós-colonial em referência ao Canadá. Ao ressaltar a inscrição do feminino na paisagem literária canadense, a autora salienta o lugar de onde falam escritoras contemporâneas: tirando partido das margens, do lócus dos exilados, tais escritoras encaram o espaço de alteridade onde se encontram como fértil e transgressivo e ai questionam as brechas e os silêncios do discurso partriacal. Adotando a visão de um outro lugar, buscam uma escrita “aparentemente impossível e irrepreensível”, uma cartografia própria para a voz feminina. Assim, ocupam “um inevitável entre-lugar, [...] um espaço que se situa ao mesmo tempo dentro e fora do circulo de produção pós-colonial [...] dentro e fora da estrutura de poder partriacal”.
(Maria Bernadette Porto (org.) Fronteiras, Passagens, Paisagens na Literatura Canadense. Niterói: EdUFF:ABECAN, 2000, p. 8)

Através de um fragmento do ensaio da própria organizadora presente na coletânea, podemos assim resumir o espírito desta singular coletânia:

“... Falar em fronteiras, passagens e paisagens próprias a América remete-nos, antes de tudo, à noção de metamorfose, ao devir de povos cujas histórias supõem experiências plurais de desterritoriarização e de outros enraizamentos.
(...)
Trata-se, ainda, de levar em conta a América como espaço privilegiado de coletividades novas, surgidas num passado relativamente recente, em decorrência de migrações internacionais ou intercontinentais a partir de velhas áreas de povoamento em direção a territórios novos ( BOUCHARD, 1986). Apesar de diferenças em seus percursos históricos, tais populações apresentam em seu intinerário os seguintes traços, pelos quais se atualiza a prática da metamoforse: a) o fenômeno de continuidade ou ruptura ( em maior ou menor grau) em relação ao modelo cultural da mãe pátria; b) utopias de recomeço e de reconstrução cultural; c) gestos de apropriação do novo território ( no plano material e simbólico) ( BOUCHARD, 1996).

( idem p. 51 et seq.)

OLD

As sobras do vento
E das dores do tempo
Passeiam sem dó
Pelo indeterminado pensamento
Do meu amanhã.

Nada tenho a dizer
Sobre o hoje
Ou sobre as coisas
Aleatoriamente espalhadas
Na superfície
Da mesa da sala deserta.

As time goes by
That old feeling
Sumertime.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE ACONTECIMENTO

A maioria dos dias não passam de notas de rodapé para o grande texto que é cada existência humana.
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A noção de acontecimento tornou-se negativa na medida em que nos reconhecemos em rotinas biográficas para as quais a regra é o fato previsível de nossas ritualísticas obrigações diárias.
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O acontecimento, enquanto ocorrência de um inesperado evento de significados e implicações imprevistas, em seu aspecto sombrio, confunde-se com a fatalidade e o indesejável de uma desconstrução trágica de contextos vividos ( confronto com a morte ou ocorrencia de acidentes).
Em seu aspecto positivo, entretanto, vivenciamos a experiência do acontecimento quando realizamos viagens a lugares distantes e inéditos, quando nos retiramos da cultura e cotidiano em que estamos inseridos e percorremos o desconhecido de qualquer estrangeira paisagem física e humana.
O que entendo aqui por acontecimento é muito mais do que a banal ocorrência de fatos e eventos, mas a vivência de situações numinosas, alheias ao cotidiano e prenhe de significado psicológico e imagético.

A DESCONSTRUÇÃO DA PALAVRA

Preservar o tempo através de missivas, diários e memórias foi uma das paixões difusas das abastardas classes medias vitorianas. Tais narrativas não literárias corresponderam a um modo ingênuo e otimista de conservar para alem de si e do momento a concretude do efêmero, a imediata experiência do vivido através da qual desenha-se a singularidade de uma biografia. Através desses relatos buscava-se construir alguma compreensão de si através da fugacidade da experiência intima e privada, de sua continuidade, diversidade e unidade, ao longo do intervalo cronológico definidor da própria vida singular.
Nos dias de hoje tal habilidade em grande medida se perdeu tanto quanto o médio controle do vocabulário e da gramática, indispensáveis mesmo a esse exercício lúdico de leitura e escrita intima.
Indo um pouco mais longe e reafirmando teses que já sustentei aqui em outro momento, diria que a palavra escrita deixou de definir a cultura e a civilização do mundo ocidental. A palavra já não é mais “sentida” como um espelho da natureza, da vida e das coisas, já não goza de qualquer importância significativa para a construção ou “materialização” de nossa experiência de existência. Não estamos mais restritos em nossa consciência do externo do mundo aos muros de qualquer discurso ou verdade.
Se quer buscamos uma continuidade entre o que fomos, o que somos e o que seremos, relegando o efêmero a dimensão do descartável e provisório reservado sem pudor a experiência da sucessão de dias que faz a vida e naturalmente se perde.
O sentimento contemporâneo do mundo é cada vez mais um aprendizado do metafórico deserto que nos envolve intimamente...

domingo, 6 de abril de 2008

HUH ME WORRY


The time nevermore
The soul nevermore
the song nevermore
and the melody
whose child
chose jour face
to understand
the world.

But jan sessions
Who will listen sttill
the downtown
in the past
in case of she can touch
the face of the future
in the old neughborhood house.

( Poema escrito originalmente em ingles com a indispensável participação da amiga Nora Soares de Magalhães)

Versão em portugues:

Nunca mais o tempo...
Nunca mais a alma,
nunca mais a melodia
na qual a criança
escolheu seu rosto
para esclarecer o mundo.

Mas uma jam sessions
ainda escutaria
na parte baixa
do passado
caso pudesse tocar
o rosto do futuro
na velha vizinhança.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

OS 50 MAIORES ESCRITORES BRITÂNICOS


No inicio deste ano o Jornal The Times disponibilizou em seu site uma interessante lista reunindo os 50 maiores escritores britânicos desde 1945. O que é mais interessante nesta iniciativa é a construção de um cânone capaz de dizer a produção literária britânica contemporânea, considerando a barbarie representada pela Segunda Grande Guerra e suas tragicas consequencias para a vida cultural europeia.

Lista dos 50 Maiores Escritores BritânicosThe Times5 de janeiro de 2008

1. Philip Larkin - The Whitsun Weddings (1964)
2. George Orwell - Nineteen Eighty-Four (1964)
3. William Golding - To the Ends of the Earth: A Sea Trilogy (1980-89, que inclui Rites of Passage)
4. Ted Hughes - Crow (1972)
5. Doris Lessing - The Golden Notebook (1961)
6. J. R. R. Tolkien - O Senhor dos Anéis (1954-55)
7. V. S. Naipaul - In a Free State (1971)
8. Muriel Spark - The Prime of Miss Jean Brodie (1961)
9. Kingsley Amis - Take a Girl Like You (1960)
10. Angela Carter - The Bloody Chamber (1979)
11. C. S. Lewis - O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa (1950)
12. Iris Murdoch - The Sea, The Sea (1978)
13. Salman Rushdie - Midnight’s Children (1981)
14. Ian Fleming - Casino Royale (1953)
15. Jan Morris - Pax Britannica: The Climax of Empire (1968)
16. Roald Dahl - Charlie and the Chocolate Factory (1964)
17. Anthony Burgess - The Wanting Seed (1956)
18. Mervyn Peake - A trilogia Gormenghast (1946-59)
19. Martin Amis - Money (1984)
20. Anthony Powell - A série A Dance to the Music of Time (1951-75)
21. Alan Sillitoe - The Loneliness of the Long-Distance Runner (1959)
22. John Le Carré - The Spy Who Came in From the Cold (1963)
23. Penelope Fitzgerald - The Blue Flower (1995)
24. Philippa Pearce - Tom’s Midnight Garden (1958)
25. Barbara Pym - Tom’s Midnight Garden (1958)
26. Beryl Bainbridge - The Birthday Boys (1991)
27. J. G. Ballard - Crash (1973)
28. Alan Garner - The Owl Service (1967)
29. Alasdair Gray - Lanark (1981)
30. John Fowles - The French Lieutenant’s Woman (1969)
31. Derek Walcott - Omeros (1989)
32. Kazuo Ishiguro - The Remains of the Day (1989)
33. Anita Brookner - Hotel Du Lac (1984)
34. A. S. Byatt - The Virgin in the Garden (1978)
35. Ian McEwan - The Child in Time (1987)
36. Geoffrey Hill - Mercian Hymns (1971)
37. Hanif Kureishi - The Buddha of Suburbia (1990)
38. Iain Banks - The Wasp Factory (1984)
39. George Mackay Brown - Magnus (1973)
40. A. J. P. Taylor - The Trouble Makers (1957)
41. Isaiah Berlin - Russian Thinkers (1978)
42. J. K. Rowling - A série Harry Potter (1997)
43. Philip Pullman - Fronteiras do Universo (1996)
44. Julian Barnes - Flaubert’s Parrot (1984)
45. Colin Thubron - In Siberia (1999)
46. Bruce Chatwin - On the Black Hill (1982)
47. Alice Oswald - Dart (2002)
48. Benjamin Zephaniah - Propa Propaganda (1996)
49. Rosemary Sutcliff - The Eagle of the Ninth (1954)
50. Michael Moorcock - Mother London (1988)

LITERATURA INGLESA XXIV


Originalmente publicado em 1922, o romance Ulisses do escritor irlandês James Joyce ( 1882-1941) é uma das mais originais e interessantes obras da literatura inglesa do séc. XX. Impossível descrevê-la em poucas palavras e muito menos falar sobre o seu impacto no cenário literário da primeira metade do ultimo século. Ao lado de Finnegans Wake e Dublinenses esta obra compõe o cânone joyceano e pode ser considerada o marco inicial do modernismo europeu.
A narrativa complexa, multilingue e fragmentada deste romance povoado de códigos cifrados e collages em um fascinante jogo simbólico proporciona ao leitor uma verdadeira viagem ao extraterritorial compreendido pelo prodigioso imaginário joyceano. Nesse sentido, a referência a Odisséia de Homero não é absolutamente gratuita. Joyce reinventa o mito de Ulisses na mesma medida em que o supera transformando-o em matéria viva de linguagem e do próprio cotidiano. Desta forma, no prosaico ambiente de Dublin, no correr de um único e banal dia por sua paisagem transcrita na experiência de dois personagens, o Ulisses de Joyce nos leva a infinita e inacabável busca do nosso próprio e fugidio centro e realidade de mundo.
Cabe por fim lembrar o itinerário dos 18 capítulos do romance nos permite inúmeras analogias com a Odisséia de Homero. Mesmo não sendo indispensável à leitura da obra, é interessante re-visitar o texto grego para adentrar mais profundamente em seu fantástico imaginário.
Em meu caro exemplar da tradução de Ulysses realizada por Antônio Houais, há uma breve introdução não assinada que assim o descreve mais formalmente:

“ A ação de Ulisses transcorre em Dublin num único dia , 16 de junho de 1904, e é narrada através de um prelúdio em três partes, um núcleo de 12 capítulos e um final tripartido. A divisão ternária, em perfeita simetria, evoca as significações cabalísticas do três. Estudos recentes de lingüística, com auxilio de computador, dão Ulisses como a obra de estrutura matematicamente mais perfeita de toda a literatura. A linguagem utilizada por Joyce, que vai do poema à opera, do sermão à farsa, contem não apenas termos usuais- da prosa clássica à mais grosseira gíria-, mas também elementos criados pelo escritor com base em seus conhecimentos de latim, grego, sâncrito e uma vintena de idiomas modernos. Fazendo um paralelo com a Odisséia de Homero, Joyce cria uma viagem experimental ao mundo de hoje, obtendo vigorosa síntese de suas descobertas cientificas, seus problemas sociais, religiosos, estéticos, sexuais. As personagens centrais correspondem aos protagonistas do epopéia grega: Molly Bloom, esposa do herói., é Penélope; Stephen Dedalus é Telêmaco; Leopold Bloom é Ulisses. Na versão de Joyce, a imagem de Ulisses é a de um ser arrasado, traído pela mulher, totalmente destinto do invencível herói criado por Homero.”

DELIRIO LUNAR

O pálido olho do dia
Cai sobre mim
Em serena expectativa
De céu fechado.

Caleidoscópios ensinam-me o mundo
Em noites de tempestades
De cores e movimentos

A vida me percorre
Em um tiro
De jornal aberto
Compondo fatos distantes.

Percebo-me longe
De mim mesmo
Em cada golpe de sorte
E de imaginações perdidas.

O futuro só dura um segundo
No prenuncio de um mágico
Acaso
De ato aberto de existência.

I feel a little espace out
In heat of the sun.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

O AMOR COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO


A obra do sociólogo alemão Niklas Luhmann ( 1927-1998) abrange uma considerável quantidade de temas, desde a teoria geral da sociologia, da ciência, do direito, do poder, da religião até uma sociologia da intimidade, etc. Podemos classificar sua sociologia como uma teoria dos sistemas elaborada como alternativa ao conceito tradicional de causalidade utilizado pelo funcionalismo.
Nesse sentido, seu método pressupõe a realidade social como uma pluralidade complexa, como um conjunto de interações diversas que produzem conjuntos de sistemas e sub-sistemas definidores de ethos coletivos e, ao mesmo tempo, de alternativas de tendências que configuram o horizonte de experiências que é o próprio mundo.
Mas a pesquisa que pretendo aqui enfocar, dentre as tantas realizadas pelo autor, é aquela apresentada em seu clássico estudo O AMOR COMO PAIXÃO: PARA A CODIFICAÇÃO DA INTIMIDADE, na qual Luhmann aplica com maestria o método aqui muito superficialmente apresentado.
O código do amor como paixão surge na França do séc. XVII como alternativa ao então desgastado código do amor cortes inspirado no séc. XII pela chamada matéria da Bretanha. Trata-se obviamente aqui de uma interpretação possível para origem do amor romântico que figura ainda nos dias de hoje como um código de intimidade, da descoberta do outro como objeto.
Cabe considerar que, segundo Luhmann:

“... o meio de comunicação amor não é um sentimento em si mesmo, mas um código de comunicação cujas regras determinarão a expressão, a formação, a simulação, a atribuição indevida aos outros e a negação de sentimentos, bem como a assunção das conseqüências inerentes, sempre que tiver lugar uma comunicação deste gênero. Como demonstraremos nos capítulos seguintes, já no século XVII, e apesar de todo o ênfase posto no amor como paixão, tem-se plena consciência de que se trata de um modelo de comportamento simulável e que se nos depara antes de embarcarmos na demanda do amor; modelo de comportamento que está disponível enquanto orientação e como consciência do respectivo alcance, antes de acontecer o encontro com o outro, tornando também notória a falta deste, o que por sua vez se pode transformar mesmo num destino. O amor poderá então movimentar-se em primeiro lugar e em certa medida numa zona indefinida e ser orientado para um modelo prospectivo generalizado que facilite a seleção capaz, porem, de perturbar também uma realização emocionalmente aprofundada. Trata-se de uma significação do significado, enraizada no código que proporciona a aprendizagem do amor, a interpretação dos indícios e a transmissão de pequenos sinais para exprimir grandes sentimentos; é o código que permite a experiência da diferença bem como o destaque dado à ausência de realização.”

(Niklas Luhmann. O amor como paixão. Para a codificação da intimidade. Tradução de Fernando Ribeiro. RJ/Lisboa: Editora Bertrand Brasil/ Difel, s/d, p.21)

NIILISMO

Vivo apenas
Do provisório
De cada dia,
Das incertezas futuras
E ausências presentes.

Não pretendo
Mais do que
O acaso
De construir-me
Desconstruindo caminhos,
Refazendo ventos
Na liberdade
De não seguir
Em qualquer direção
Do pensamento.