segunda-feira, 5 de novembro de 2007

AS DEUSAS E A MULHER: NOVA PSICOLOGIA DAS MULHERES


Nas últimas décadas assistimos ao desenvolvimento, principalmente nos Estados Unidos, de uma ampla releitura da mulher e do feminino enquanto realidade e imagem psíquica ou simbólica. A hoje chamada “nova psicologia das mulheres”, inspirada pela psicologia analítica inaugurada por C G Jung, é um dos mais fecundos produtos deste revisionismo cultural.
Um interessante exemplo é o trabalho da psiquiatra norte americana Jean Shinodra Bolen: As Deusas e a Mulher: Nova Psicologia das Mulheres. Neste, a partir da imagem de sete deusas gregas: Demeter, Perséfone, Hera, Hestia, Atena, Ártemis e Afrodite, a autora procura apreender através de padrões comportamentais e traços de personalidade elementares os múltiplos imperativos psíquicos que definem o movimento diverso de coisas que é cada mulher.
Como ressalta a autora, a condição feminina é condicionada não apenas a estereótipos culturais em seu relacionamento com o mundo, mas também a grandezas arquetipícas peculiares em sua relação consigo mesma.
A compreensão destas grandezas psíquicas interessa tanto as próprias mulheres quanto aos homens, pois nos conduz a uma consciência e a uma experiência mais complexa da própria condição humana. O mito da Grande Deusa e das deusas enquanto imagem da psique coletiva mostra-se pertinente em tal empreendimento na medida em que:

“Quando um mito é interpretado intelectual ou intuitivamente, isso pode resultar em alcance novo de compreensão. Um mito é como um sonho do qual nos lembramos, até mesmo quando não é compreendido, porque ele é simbolicamente importante. De acordo com o mitologista Joseph Campbell, ‘ Sonho é mito personalizado; mito é sonho despersonalizado’. Não é de admirar que os mitos invariavelmente pareçam algo algo vagamente familiar”
( Jean Schinoda Bolen. As Deusas e a Mulher: Nova Psicologia das Mulheres/ tradução de Maria Lydia Remédio; revisão de Ivo Storniolo. SP: Paulus,1990 ( Coleção Amor e Psique), p. 2)

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

O SONHO DO HUMANO

Surpreendi-me ontem
conversando com o ar
em algum intervalo de ceu
aberto em meu pensamento.
Bebi as horas
e devorei a noite
até perceber
o quanto não passo
de um sonho estranho
da mãe natureza.

O AMANHÃ

Não sou destes
que vivem
em função dos dias futuros.
Sei que eles não existem,
que jamais existirão,
e o passado
me observa distraido
em algum ponto estático
do meu futuro.

O TEMPO QUE PASSA

O fluir do momento
me inquieta
no incerto rumo
de mim mesmo
no passar das coisas.

Nada é definido,
Tudo é a ventura.

Em cada segundo
uma esfinge me ensina
que no fundo de cada fato
há um segredo de obscuro acaso.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

O SIGNIFICADO DO HELOWEEN


As origens do hoje chamado “Dia das Bruxas” remetem as tradições estabelecidas e difundidas entre as diversas tribos celtas que em torno de 600 a.C. e 800 d.C. habitaram a Gália e as Ilhas Britânicas.
Na tradição celta, entre o por do sol do dia 31 de outubro e o dia 1º de novembro, ocorria a noite sagrada ( Hallow evening) que simbolizava o fim do verão e o inicio do novo ano. Comemorava-se neste contexto, por volta de 1º de novembro, o festival do Samhain, cujo o nome significa literalmente “fim do verão”.
Neste período, os celtas acreditavam que ocorria um enfraquecimento das fronteiras entre os mundos dos mortos ( ancestrais) , dos deuses e dos homens.
O Helloween moderno, celebrado hoje em dia em paises como os Estados Unidos, Irlanda Inglaterra e até mesmo Brasil ( no hemisfério sul a data seria 30 de abril), possui basicamente duas linhas distintas de vivência simbolica: a carnavalesca, associada ao folclore do “dia das bruxas” ou do trick or treat , e a neo pagã, mais diretamente inspirada na tradição celta. Neste segundo caso, é comum acender-se velas em uma das janelas de casa em homenagem aos mortos ou reunir-se em torno de fogueiras para comer, beber e apresentar oferendas aos deuses e aos ancestrais.

LITERATURA INGLESA XII


Frankenstein ou O Prometeu acorrentado de Mary Shelley ( 1797-1851) é um livro que dispensa apresentações dado que por muitos caminhos, principalmente o cinematográfico, penetrou em nossas imaginações ao ponto de converter-se em um mito contemporâneo. Escrita no séc XIX a obra dialoga de certa maneira com o sec. XVIII, seja pela forma epistolar ou pela associação equivocada ao romance gótico tão popular na Inglaterra setecentista.
Em linhas gerais podemos interpretá-la, como convencionalmente se faz, como uma crítica ao cienficismo, mas pessoalmente a considero uma crítica a própria natureza humana, aos seus sonhos de grandeza e otimistas ilusões de progresso. Afinal, é a bizarra criatura do Dr. Frankenstein que personifica em seu infortúnio, destino e vingança o mais autentico e humano sentimento do mundo.
A referência ao mito de Prometeu no subtítulo deste fascinante escrito sugere uma saborosa ambigüidade: Afinal, a quem ele se refere? Ao cientista que desafia e domina a natureza ou a sua criatura que se volta contra o seu próprio criador?
Um detalhe importante é que a autora deste magnífico texto foi uma menina de 19 anos...


“....A medida em que ia lendo, porém, aplicava muita coisa a meus próprios sentimentos e condição. Achava-me parecido, e ao mesmo tempo estranhamente diferente dos seres sobre os quais lia e cuja conversa escutava. Solidarizava-me com eles, compreendia-os parcialmente, mas não tinha sua formação mental. Eu não dependia de ninguém nem era aparentado com quem quer que fosse. Também para mim era:


Vario o caminho, mas para a alegria e a tristeza
Sempre franco.

E não havia ninguém para lembrar-me. Minha figura era hedionda e minha estatura formidável. Que significava isto? De onde viera eu? Qual o meu destino? Tais perguntas ocorriam-me com freqüência e permaneciam como um enigma indecifrável.”
(
Mary Shelley. Frankenstein. Tradução de Evertin Ralph. RJ: Ed. Tecnoprint AS, s.d., p.69)
DUVIDAS

Vivo inúmeras questões.
Algumas nunca terão respostas.
São como portas fechadas
ou muros
a protegerem os domínios da desrazão.
Diante deles descubro
a magia de ocasionalmente
não pensar,
de viver as surpresas do acaso
neste pequeno sonho
que chamamos vida.


PERSPECTIVA

Guardo esperanças
no fundo do bolso esquerdo
para as noites de duvidar,
de querer respostas urgentes
e exigir destinos,
inventar caminhos
na alma rasgada
em fome de mundo e de céu aberto.

Guardo esperanças no bolso
para os dias de ir
alem de mim
em um grito de infinito,
de saber todas as coisas
mais que mim mesmo.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

INQUIETAÇÃO

As vezes
As palavras corrompem
O silêncio
tentando dizer
o impossível
de um sentimento
vago e impreciso.
Alguma coisa inerte
de vermelho d'alma
e azul de corpo
que nos inquieta
em vontades de querer
ser um outro de nós mesmos.
Momento em que a vida
parece explodir
dentro da gente,
em que tudo se faz um grito
do próprio silêncio
no intuir profundo
de uma máxima existência
na banalidade de respirar.

CRÔNICA RELÂMPAGO XII

Estamos acostumados a associar erro a engano. Nada mais humano que enganar-se... Mas, por outro lado, também associamos erro a limitação, a um não saber ou opção equivoca. Desta forma todo erro nos surge vinculado ao conceito de verdade e esclarecimento. Como se conhecimento não fosse também uma forma de limitada e provisória opção de qualquer coisa, uma construção e uma escolha, em lugar de inequívoco acerto ou apropriação mais profunda de um suposto real. Talvez, o maior de todos os erros seja justamente nosso sentimento de certezas na infinita e caótica pluralidade de possibilidades que define a vida no além do bem e do mal ....

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

LA MORT LE ROI ARTU


Nada fácil falar brevemente sobre La mort le roi Artu, romance anônimo da primeira metade do séc XIII escrito em francês arcaico, obra profundamente dramática, recheada de ricas imagens e que narra o crepúsculo da Távola Redonda.
Heitor Magale, na introdução que faz para sua primorosa tradução em português, assim a apresenta a obra, situando-a dentro do ciclo arthuriano:

“A morte do rei Artur é um romance do seculo XIII atribuído, em seu próprio manuscrito, a Gautier Map e constitui-se no último livro da primeira prosificação ou Vulgata do conhecido Ciclo Arturiano. Antes dessa prosificação, a matéria havia sido tratada em romances em verso e em textos latinos em prosa. No século XII, quando Chrétien de Troyes estava compondo seus romances em verso, a prosa era praticamente reservada para traduções do latim, comentários ou paráfrases de textos sagrados, particularmente sermões. No século XIII, a prosa tornou-se veículo das crônicas em vernáculo. Quando aconteceu de autores principiarem a transformar em prosa os romances arturianos em verso, por volta de 1210, os textos acabaram por revelar-se mais históricos e religiosos. O foco mudou da cavalaria cortês para a busca do Graal e a matéria organizou-se num ciclo de obras que passou a ter como objetivo recontar toda a estória do Graal, desde as origens na paixão de Cristo até a completa realização da busca do Santo Vaso pelo cavaleiro eleito. “
( Heitor Magale; Introdução in A Morte do Rei Artur/ Anônimo; tradução Heitor Magale/ SP: Martins Fontes: 1992 ( coleção Gandhãra); p. 10.

Um resumo satisfatório de tão rico texto seria inútil, o que me faz apenas destacar alguns pontos e questões que nem de longe o esgotam mas que particularmente me interessam. Assim sendo, cabe dizer que, embora produto de uma cristianização mais sistemática da matéria da Bretanha, ainda é possível perceber nesta narrativa alguma tensão entre o imaginário pagão e cristão. Basta invocar por exemplo o confuso destino do Rei Arthur. Em seus últimos momentos Artur aparece em companhia do cavaleiro Gilfrede que, a seu pedido, devolve, mesmo que relutante, Excalibur a Dama do lago. No momento seguinte o mesmo cavaleiro, vale ressaltar, após a “maravilha” de uma forte e repentina chuva, testemunha o rei ser levado pelas fadas lideradas por Morgana em uma nau. Em um segundo momento, entretanto, o mesmo Gilfrete localiza uma capela negra onde encontra surpreendentemente o túmulo do rei. Justapõem-se, assim dois destinos na narrativa oriundos certamente de diferentes fontes e versões utilizadas na composição do texto. O fato é que tal contradição ganha uma dimensão significativa na medida em que um desfecho “pagão” aparece contraposto a intencionalidade “cristianizadora” representada pelo enterro cristão do rei.
Entretanto, a mais rica e significativa referência pagã na obra é certamente a aparição da deusa Fortuna as vésperas da trágica batalha:

“ ...O rei deitou-se em sua tenda acompanhado apenas de seus camareiros. Depois que dormiu, pareceu-lhe que uma dama vinha à sua presença, a mais bela, como nunca tinha visto no mundo, que o levantou da terra e o levou a mais alta montanha que nunca vistes, lá assentou-o sobre uma roda. Naquela roda havia assentos, dos quais uns subiam e outros desciam, o rei observava em que lugar da roda estava sentado e via que seu assento era o mais alto. A dama lhe perguntava:
-Artur, onde estás?
-Senhora, disse ele, estou numa roda alta, mas não sei qual é.
-è , disse ela, a roda da Fortuna.
Então perguntou-lhe:
-Artur, o que vês?
-Senhora, parece-me que vejo todo o mundo.
-É verdade, disse ela, tu o vês; não há muita coisa de que não tenhas sido senhor agora; e de todo circulo que vês foste o mais poderoso rei que já existiu. Mas tal é o orgulho terreno, que não há ninguém, por mais alto que esteja, a quem não convenha cair do poder do mundo.
Então o pegava e o estrebuchava a terra tão vilmente, que ao cair, parecia ao rei Artur que estava todo quebrado e que perdia toda a força do corpo e dos membros.”

(A Morte do Rei Artur/ Anônimo; tradução Heitor Magale/ SP: Martins Fontes: 1992 ( coleção Gandhãra); p. 204 et seq.)

PUER AETERNUS/PERSPECTIVA


PUER AETERNUS

Todo o meu presente
é o passar do momento
em vazio devir de acasos.
Onde sonho a própria realidade
construindo verdades
com a mágica argila de fantasias.

Sei carrancudas infâncias
no saber do dia
buscando uma fatia de luz
em cada oco acontecimento
de vida
até o ofuscar dos fatos
no revelar-se dos atos.

PERSPECTIVA

Um enervado amanhã
faz-se leve e superficial
banalidade
no fato do dia seguinte.

Um amanhã novamente adiado
a deixar o vagar da vida
em ritmo de espera e espectativa.

Tudo é o presente
de uma rotina
que me faz ser
no inexistir do meu rosto.

Nega-me a face o destino
em labirinto de signos urbanos
enquanto uma frase decora
o céu azul de um sonho:
Tomorrow is the first day
of the rest of your life.