segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Walt Whitman :A POETICA DA LIBERDADE


Ao lado de Emily Dickinson, Walt Whitman (1819-1892) é um dos  fundadores da poesia norte americana. Protagonista e autor privilegiado da invenção da America e do radical ideal de liberdade personificado pela utopia do novo mundo. Inegavelmente, sua poesia é um verdadeiro canto de liberdade, seja por meio das imagens, que tão bem traduzem seu individualismo radical, sua paixão pelas coisas, as pessoas, a vida e o mundo, seja através do apoteótico exercício do verso livre na absoluta ruptura com a tradição ocidental.

A singular vitalidade, simplicidade da poética de Wihtman, o conduziu a um lugar único na poesia de língua inglesa e também do novo continente, convertendo-o em uma espécie de profeta ou peregrino da liberdad por vir.. Sobre isso, é pertinente certa consideração de Paulo Leminski:

“Ouve-se , por trás das tempestades verbais de Whitman, alguns raios e relâmpagos dos sermões de igreja, vociferados por furibundos pastores apocalípticos de pequenas comunidades religiosas dos Estados Unidos, todas heréticas em relação a algum credo tradicional ( presbiterianismo, calvinismo, puritanismo, luterarismo), tudo dentro da melhor tradição do fragmentarismo localista das igrejas protestantes. A mãe de Whitman era “quaker”. E transmitiu-lhe a fé, tipicamente “quaker”, na luz interior.
Sem entender a fé “quaker”, não se entende Walt Whitman.
A seita fundada pelo inglês George Fox ( 1624-1691) caracterizou-se pela recusa radical a toda liturgia religiosa e sacerdócio, confiando apenas na presença do Espirito Santo na consciência individual. Na inspiração. Além ou contra as autoridades.”
(Paulo Leminski. Introdução in Walt Whitman. Folhas das Folhas de relva ( Leaves of Grass). Seleção e tradução de Geir Campos. SP: Brasiliense, 2º ed, s/d; p.8 et seq.)


Seguem alguns versos de Whitman como um revigorante drinque de liberdade para aqueles que celebram e vivem intensamente todas as possibilidades do porvir.


A SOMBRA IMAGEM MINHA


A sombra imagem minha

que para cá e para lá
vai procurando um jeito de viver
através da conversa, da barganha
-quantas vezes eu dou por mim parado
a ver por onde ela passa,
quantas vezes indago e ponho em dúvida
que aquilo seja realmente eu;
mas entre os meus amantes
e no cantarolar destas canções,
ah, eu não duvido jamais
que aquilo seja realmente eu.

VIDA

Sempre a indesencorajada alma do homem
resoluta indo a luta.
( Os contingentes anteriores falharam?
Pois mandaremos novos contingentes
e outros mais novos.)
Sempre o cerrado mistério
de todas as idades deste mundo
antigas e recentes;
sempre os ávidos olhos, hurras, palmas
de boas vindas, o ruidoso aplauso;
sempre a alma insatisfeita,
curiosa e por fim não convencida,
lutando hoje e sempre,
batalhando como sempre.

(Walt Whitman. Folhas das Folhas de relva ( Leaves of Grass). Seleção e tradução de Geir Campos. SP: Brasiliense, 2º ed, s/d)

MERLIM

Uma das mais fecundas reinterpretações contemporâneas da matéria da bretanha que conheço é a peça teatral Merlim oder Das Wüste Land (Merlim ou a Terra Deserta) de Tankred Dorst elaborada em colaboração com Ursula Ehler. Este contemporâneo “Merlim” , de modo sarcástico procura dizer nosso próprio tempo, ou mais precisamente, o fracasso de suas utopias polÍticas e os limites dos ideais de boa sociedade. Talvez, justamente por isso, ele nos remeta também as íntimas florestas, aos nossos sonhos mais inocentes e gratuitos de mera e serena existência em um mundo de incertezas... “Quero ser como o Mago Merlim passear no bosque e escutar as cantigas do vento, voar como as aves ser o lobo que espreita a caça oculto nas pedras na noite calada quero falar com o espirito das fontes ver tombarem as árvores antigas ser jovem e ter toda a idade que passa e ser rei da floresta encantada” ( Merlim ou a Terra Deserta/ Tankred Dorst com a colaboração de Ursula Ehler; tradução de Lya Luft. RJ: Paz e Terra, 1984

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

LITERATURA INGLESA XI


.K. Chesterton ( 1874-1936) foi um ensaísta e romancista inglês da primeira metade do sec.XX do qual me confesso de muitas formas distante. De sua obra, é verdade, conheço apenas O Homem que Era Quinta Feira ( 1904), ignorando involuntariamente outras escritos mais expressivas como A Esfera e A Cruz, O Clube de Ofícios Estranhos e ainda seus ensaios sobre literatura e trabalhos jornalísticos. Impossível, portanto, fazer a partir de uma única obra uma avaliação conclusiva deste autor. Mas tenho razões para crer que essa leitura de uma única obra pode revelar algumas impressões em certa medida pertinentes para apresentar o literato em questão.
O Homem que era Quinta Feira constrói-se a partir do confronto/diálogo entre dois poetas: Gregory, o anarquista de cabelos ruivos, e Syme, menos idealista e, além de poeta, policial. Ambos acabam se envolvendo em uma curiosa organização anarquista encabeçada por um conselho central composto por sete membros. Cada um deles tem por codinome um dos dias da semana. Na ocasião do envolvimento dos dois poetas, a citada organização encontrava-se na iminência de eleger um novo quinta feira, dado o falecimento do ocupante do cargo em um recente atentado. Embora Gregory se candidate para o cargo é inesperadamente Syme quem vence a exótica eleição... Trata-se de uma história insólita sobre policiais e anarquistas, recheada de humor, reflexões religiosas e pacifistas.
Para um leitor de inicio do sec. XXI, este interessante livro possui um sabor de cândida ingenuidade, um certo otimismo humanitário que o faz mais próximo das ilusões do seculo XIX do que propriamente das contradições, conflitos, dramas e incertezas do séc. XX, para não falar do tempo presente. Não por acaso, em 1922 seu autor seria um dos co-fundadores de um movimento intelectual de inspiração humanitária e cristã cognominado Distributismo revelando-se assim, ao lado de sua vertente humorística uma inconveniente tendência utópica.


"... Querem que lhes diga o segredo de todo o mundo? É que somente conhecemos as costas do mundo. Vemos tudo por trás, e tudo nos parece brutal. Não é uma árvore, mas o posterior de uma árvore. Não é uma nuvem, mas o posterior de uma nuvem. Não vêem que tudo está se curvando e escondendo a face? Se eu pudesse rodeá-lo e passar para a frente..."


(G.K. Chesterton. O Homem que era Quinta Feira. RJ: Editora Tecnoprint, 1987, s/d, p.152)

DELÍRIO


Sei que meu lugar
é o mero finito,
sem Deuses
e além de todo sagrado
no acaso de provisória lucides
Mas flores existem e dançam
Em vendavais de desejos.
Um futuro brilha cego e tranqüilo
No céu que cai
Além e sobre mim.
O sol e o sal da terra
esclarecem a noite
Que em segredo corre
na novidade da manhã.
Enquanto isso,
Nas águas que comem os tempos,
sombras sussurram
a imensidão.
Pois bem,
Me desfaço no infinito
apenas porque me sinto
no acontecer disso tudo.

.

CRÔNICA RELÂMPAGO XI

Uma perfeita alegoria para a vida cotidiana é o ato imaginário e vivo de contemplar horizontes. Viver seria alegoricamente, nesse caso, vivenciar a imagem de um "horizonte aparente" em permanente transição para um "horizonte profundo".
Seriamos assim precários e temporários hóspedes de alguma definição de horizonte em constante movimento ou mutação. Indo um pouco mais longe, o horizonte seria a única realidade que realmente existe na medida em que por definição é inatingível, como o próprio sumo da vida...

ROTINA E DEVANEIO

A rotina
é um deserto de insignificâncias,
um sonho em busca de realidade
ou da liberdade de freeways
rasgadas na alma.
Toda rotina
é um lugar de passagem,
de evasão e sombra,
para nossas imagens
de felicidade e lúdico.
Um quase acontecer
de nós mesmos...

CG JUNG: PSIQUE, HISTÓRIA E FANTASIA CRIATIVA


"De onde procedem então essas fantasias mitológicas, se não têm qualquer origem no Inconsciente pessoal e por conseguinte nas experiências da vida pessoal? Sem dúvida provêm do cérebro- precisamente do cérebro e não de vestígios de recordações pessoais, mas da estrutura hereditária do cérebro. Tais fantasias sempre têm um caráter original, "criativo" : assemelham-se a novas criações. Evidentemente derivam de uma atividade criativa do cérebro e não simplesmente de uma atividade reprodutiva. Sabe-se que juntamente com o nosso corpo recebemos um cérebro altamente desenvolvido que traz consigo toda a sua história e que, ao atuar criativamente, vai haurir a inspiração fora de sua própria história. Fora da história da humanidade. É bem verdade que por " história" entendemos a história que nos fazemos e que chamamos "história objetiva". A fantasia criativa nada tem a ver com esta história, mas somente com aquela história remotíssima e natural que vem sendo transmitida de modo vivo desde tempos imemoriais, isto é, a história da estrutura do cérebro. E esta estrutura conta sua história que é a história da humanidade: o mito indeterminável da morte e do renascimento e da multiplicidade de figuras que estão envolvidas neste mistério."
( JUNG, CARL GUSTAV, "Sobre o Inconsciente", in Civilização em Transição, Obras Completas , Vol.X/3, p.15)

ANIVERSÁRIO


Aniversário
é um dia qualquer,
igual a todos os outros,
mas que dentro de mim
acorda
um sentimento impreciso
de alma no tempo.
Sofro a adivinhação dos destinos
que se perderam no passar de tudo,
o sentimento confuso
da soma de rostos e roupas
que me vestiram
na imprecisão de tantas fases, faces
e momentos,
até não saber, afinal,
entre todas as coisas acumuladas
da vida
o que definitivamente me define
em meio ao caos dos anos.

O que sei
É o quanto é impossível ter o conforto
de sinopses de existência,
vestir o passado
com fantasias de dever cumprido
e metas atingidas
ou, simplesmente,
idealizar futuros no delírio
de abstratos e pretendidos destinos.
Somos o que somos
no estar das coisas,
somos um não ser permanente,
esquecimento e descoberta
do acaso da própria individualidade
na mágica aventura da vida
que nos conduz relutantes
a um mágico e hipotético
infinito.

CRÔNICA RELÂMPAGO X


Ao contemplarmos a fotografia de uma paisagem que experimentamos cotidianamente, não raramente temos uma impressão diferente dela. Talvez porque sua representação em duas dimensões estabeleça obrigatoriamente um distanciamento, uma objetivação unilateral do observado, que nos induz a um ocupar-se mais cuidadoso, embora indireto, de suas peculiaridades. Muito diferente acontece quando temos a paisagem como pano de fundo para o teatro de nossas ações.
Cotidianamente as paisagens mundanas nos escapam no exercício automático de nossos atos, no acontecer irrefletido do imediato de nossas vidas. Só lhe damos alguma atenção quando a confrontamos em um quadro ou em uma fotografia. Perdemos constantemente a pequena magia do gosto e alma dos lugares onde constantemente e sem perceber esquecemos qualquer coisa de nós mesmos...

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

LITERATURA INGLESA X


Impossível falar sobre a literatura de lingua inglesa sem celebrar a poesia de Robert Burns ( 1759-1796), o poeta nacional da Escócia e pelo qual nutro um profundo carinho. Burns foi autor das letras de canções populares até hoje cantadas em todo o mundo. Um bom exemplo é sua Auld Lang Syne ( Aos velhos tempos passados) que, em português ficou conhecida, sabe-se lá porque, como “Adeus amor, eu vou partir”. A letra original é, ao meu ver mais cativante e expressiva do que a pobre versão em português nada digna da original do autor.
Creio que basta um passeio pelos versos desta cândida melodia para provar a lírica bárdica e cômica que caracteriza esse belo poeta. Ainda hoje, os escorceses se reunem no dia 25 de janeiro, data de seu nascimento, para celebra-lo nos alegres e divertidos Burns Suppers ( Jantares de Burns).

AOS VELHOS TEMPOS PASSADOS
Coro
Pelos velhos tempos passados, meu amigo,
Pelos bons tempos passados,
Beberemos mais um copo em lembrança
Pelos velhos tempos passados.
I
Deveríamos esquecer os velhos amigos,
E nunca mais os relembrar?
Deveríamos esquecer os velhos amigos
De muitos tempos passados!
II
Certamente pagarás tua rodada de cerveja
E eu pagarei a minha,
E ainda beberemos à saúde dos amigos
Pelos velhos tempos passados!
III
Nós dois correremos pelos morros
E colheremos belas margaridas ,
Mas depois andaremos muitas milhas
Desde os velhos tempos passados.
IV
Nos dois atravessaremos riachos
De manhã cedo até a noitinha,
Mas entre nós se ergueram mares bravios
Desde os velhos tempos passados.
V
E aqui está minha mão, fiel amigo,
E da-me também a tua,
E tomaremos um belo trago
Pelos velhos tempos passados.
Coro
Pelos velhos tempos passados, meu amigo
Pelos bons tempos passados,
Beberemos mais um copo em lembrança
Pelos velhos tempos passados.

(Robert Burns. 50 Poemas.Tradução, introdução e notas de Luiza Lobo, colaboração e seleção de Ross Roy. RJ: Relume Dumará, 1994, p. 120 et seq.)