quinta-feira, 18 de outubro de 2007

LITERATURA INGLESA XI


.K. Chesterton ( 1874-1936) foi um ensaísta e romancista inglês da primeira metade do sec.XX do qual me confesso de muitas formas distante. De sua obra, é verdade, conheço apenas O Homem que Era Quinta Feira ( 1904), ignorando involuntariamente outras escritos mais expressivas como A Esfera e A Cruz, O Clube de Ofícios Estranhos e ainda seus ensaios sobre literatura e trabalhos jornalísticos. Impossível, portanto, fazer a partir de uma única obra uma avaliação conclusiva deste autor. Mas tenho razões para crer que essa leitura de uma única obra pode revelar algumas impressões em certa medida pertinentes para apresentar o literato em questão.
O Homem que era Quinta Feira constrói-se a partir do confronto/diálogo entre dois poetas: Gregory, o anarquista de cabelos ruivos, e Syme, menos idealista e, além de poeta, policial. Ambos acabam se envolvendo em uma curiosa organização anarquista encabeçada por um conselho central composto por sete membros. Cada um deles tem por codinome um dos dias da semana. Na ocasião do envolvimento dos dois poetas, a citada organização encontrava-se na iminência de eleger um novo quinta feira, dado o falecimento do ocupante do cargo em um recente atentado. Embora Gregory se candidate para o cargo é inesperadamente Syme quem vence a exótica eleição... Trata-se de uma história insólita sobre policiais e anarquistas, recheada de humor, reflexões religiosas e pacifistas.
Para um leitor de inicio do sec. XXI, este interessante livro possui um sabor de cândida ingenuidade, um certo otimismo humanitário que o faz mais próximo das ilusões do seculo XIX do que propriamente das contradições, conflitos, dramas e incertezas do séc. XX, para não falar do tempo presente. Não por acaso, em 1922 seu autor seria um dos co-fundadores de um movimento intelectual de inspiração humanitária e cristã cognominado Distributismo revelando-se assim, ao lado de sua vertente humorística uma inconveniente tendência utópica.


"... Querem que lhes diga o segredo de todo o mundo? É que somente conhecemos as costas do mundo. Vemos tudo por trás, e tudo nos parece brutal. Não é uma árvore, mas o posterior de uma árvore. Não é uma nuvem, mas o posterior de uma nuvem. Não vêem que tudo está se curvando e escondendo a face? Se eu pudesse rodeá-lo e passar para a frente..."


(G.K. Chesterton. O Homem que era Quinta Feira. RJ: Editora Tecnoprint, 1987, s/d, p.152)

DELÍRIO


Sei que meu lugar
é o mero finito,
sem Deuses
e além de todo sagrado
no acaso de provisória lucides
Mas flores existem e dançam
Em vendavais de desejos.
Um futuro brilha cego e tranqüilo
No céu que cai
Além e sobre mim.
O sol e o sal da terra
esclarecem a noite
Que em segredo corre
na novidade da manhã.
Enquanto isso,
Nas águas que comem os tempos,
sombras sussurram
a imensidão.
Pois bem,
Me desfaço no infinito
apenas porque me sinto
no acontecer disso tudo.

.

CRÔNICA RELÂMPAGO XI

Uma perfeita alegoria para a vida cotidiana é o ato imaginário e vivo de contemplar horizontes. Viver seria alegoricamente, nesse caso, vivenciar a imagem de um "horizonte aparente" em permanente transição para um "horizonte profundo".
Seriamos assim precários e temporários hóspedes de alguma definição de horizonte em constante movimento ou mutação. Indo um pouco mais longe, o horizonte seria a única realidade que realmente existe na medida em que por definição é inatingível, como o próprio sumo da vida...

ROTINA E DEVANEIO

A rotina
é um deserto de insignificâncias,
um sonho em busca de realidade
ou da liberdade de freeways
rasgadas na alma.
Toda rotina
é um lugar de passagem,
de evasão e sombra,
para nossas imagens
de felicidade e lúdico.
Um quase acontecer
de nós mesmos...

CG JUNG: PSIQUE, HISTÓRIA E FANTASIA CRIATIVA


"De onde procedem então essas fantasias mitológicas, se não têm qualquer origem no Inconsciente pessoal e por conseguinte nas experiências da vida pessoal? Sem dúvida provêm do cérebro- precisamente do cérebro e não de vestígios de recordações pessoais, mas da estrutura hereditária do cérebro. Tais fantasias sempre têm um caráter original, "criativo" : assemelham-se a novas criações. Evidentemente derivam de uma atividade criativa do cérebro e não simplesmente de uma atividade reprodutiva. Sabe-se que juntamente com o nosso corpo recebemos um cérebro altamente desenvolvido que traz consigo toda a sua história e que, ao atuar criativamente, vai haurir a inspiração fora de sua própria história. Fora da história da humanidade. É bem verdade que por " história" entendemos a história que nos fazemos e que chamamos "história objetiva". A fantasia criativa nada tem a ver com esta história, mas somente com aquela história remotíssima e natural que vem sendo transmitida de modo vivo desde tempos imemoriais, isto é, a história da estrutura do cérebro. E esta estrutura conta sua história que é a história da humanidade: o mito indeterminável da morte e do renascimento e da multiplicidade de figuras que estão envolvidas neste mistério."
( JUNG, CARL GUSTAV, "Sobre o Inconsciente", in Civilização em Transição, Obras Completas , Vol.X/3, p.15)

ANIVERSÁRIO


Aniversário
é um dia qualquer,
igual a todos os outros,
mas que dentro de mim
acorda
um sentimento impreciso
de alma no tempo.
Sofro a adivinhação dos destinos
que se perderam no passar de tudo,
o sentimento confuso
da soma de rostos e roupas
que me vestiram
na imprecisão de tantas fases, faces
e momentos,
até não saber, afinal,
entre todas as coisas acumuladas
da vida
o que definitivamente me define
em meio ao caos dos anos.

O que sei
É o quanto é impossível ter o conforto
de sinopses de existência,
vestir o passado
com fantasias de dever cumprido
e metas atingidas
ou, simplesmente,
idealizar futuros no delírio
de abstratos e pretendidos destinos.
Somos o que somos
no estar das coisas,
somos um não ser permanente,
esquecimento e descoberta
do acaso da própria individualidade
na mágica aventura da vida
que nos conduz relutantes
a um mágico e hipotético
infinito.

CRÔNICA RELÂMPAGO X


Ao contemplarmos a fotografia de uma paisagem que experimentamos cotidianamente, não raramente temos uma impressão diferente dela. Talvez porque sua representação em duas dimensões estabeleça obrigatoriamente um distanciamento, uma objetivação unilateral do observado, que nos induz a um ocupar-se mais cuidadoso, embora indireto, de suas peculiaridades. Muito diferente acontece quando temos a paisagem como pano de fundo para o teatro de nossas ações.
Cotidianamente as paisagens mundanas nos escapam no exercício automático de nossos atos, no acontecer irrefletido do imediato de nossas vidas. Só lhe damos alguma atenção quando a confrontamos em um quadro ou em uma fotografia. Perdemos constantemente a pequena magia do gosto e alma dos lugares onde constantemente e sem perceber esquecemos qualquer coisa de nós mesmos...

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

LITERATURA INGLESA X


Impossível falar sobre a literatura de lingua inglesa sem celebrar a poesia de Robert Burns ( 1759-1796), o poeta nacional da Escócia e pelo qual nutro um profundo carinho. Burns foi autor das letras de canções populares até hoje cantadas em todo o mundo. Um bom exemplo é sua Auld Lang Syne ( Aos velhos tempos passados) que, em português ficou conhecida, sabe-se lá porque, como “Adeus amor, eu vou partir”. A letra original é, ao meu ver mais cativante e expressiva do que a pobre versão em português nada digna da original do autor.
Creio que basta um passeio pelos versos desta cândida melodia para provar a lírica bárdica e cômica que caracteriza esse belo poeta. Ainda hoje, os escorceses se reunem no dia 25 de janeiro, data de seu nascimento, para celebra-lo nos alegres e divertidos Burns Suppers ( Jantares de Burns).

AOS VELHOS TEMPOS PASSADOS
Coro
Pelos velhos tempos passados, meu amigo,
Pelos bons tempos passados,
Beberemos mais um copo em lembrança
Pelos velhos tempos passados.
I
Deveríamos esquecer os velhos amigos,
E nunca mais os relembrar?
Deveríamos esquecer os velhos amigos
De muitos tempos passados!
II
Certamente pagarás tua rodada de cerveja
E eu pagarei a minha,
E ainda beberemos à saúde dos amigos
Pelos velhos tempos passados!
III
Nós dois correremos pelos morros
E colheremos belas margaridas ,
Mas depois andaremos muitas milhas
Desde os velhos tempos passados.
IV
Nos dois atravessaremos riachos
De manhã cedo até a noitinha,
Mas entre nós se ergueram mares bravios
Desde os velhos tempos passados.
V
E aqui está minha mão, fiel amigo,
E da-me também a tua,
E tomaremos um belo trago
Pelos velhos tempos passados.
Coro
Pelos velhos tempos passados, meu amigo
Pelos bons tempos passados,
Beberemos mais um copo em lembrança
Pelos velhos tempos passados.

(Robert Burns. 50 Poemas.Tradução, introdução e notas de Luiza Lobo, colaboração e seleção de Ross Roy. RJ: Relume Dumará, 1994, p. 120 et seq.)

TRANSFIGURAÇÃO

Um pequeno torpor
de leve tédio
por um instante
me faz livre
de mim mesmo.
Por um segundo
de incômodo silêncio
sinto-me no vento
correndo o dia
em liberdade.
Sobre as ruínas
dos passados dias em branco
quase me sinto tudo que sou,
vazio de mim
e pleno de vida.

ESCRITA ENIGMA
O signo vivo
em labirinto de cifras
e significados
não é palavra.
É o escrever-se
de um eu fugidio
em querer ouvir-se falar.
Arquiforma
de evadidas consciências
em um rasgo de noites
no piscar de olhos
de um sonolento instante.

SOBRE O TEMPO


Segundo MARIE LOUISE VON FRANZ em ADIVINHAÇÃO E SINCRONICIDADE, no “espirito do tempo” estão consteladas certas interrogações e problemas psicológicos. Em outras palavras, cada época possui tendências e possibilidades específicas desenhando um perfil, um padrão particular de sensibilidades e pré-disposições coletivas. Podemos facilmente identifica-los através do mais banal dos modismos, padrões iconográficos, musicais, ou ainda, de um conjunto de temas que norteiam toda vida científica, religiosa e cultural em um determinado período. O encadeamento aparentemente imprevisível e espontâneo de fatos, muitas vezes obedece a orientação natural do estado psicológico ou arquétipo constelado na vida social. Uma observação da citada autora sobre a noção de historicidade inerente a mentalidade que caracteriza a tradição cultural chinesa é particularmente interessante:

“...Os chineses têm uma percepção intuitiva disso e, portanto, pensam que a melhor maneira de escrever a História consiste em obter o quadro real de um momento do tempo no passado, coletando todos esses eventos coicidentes, os quais, em conjunto, fornecem um quadro legível da situação arquetípica existente naquele tempo, e isso propicia novamente a idéia de um campo. Poderíamos dizer que os eventos se mostram num campo ordenado de tempo e que esse é o modo como os chineses usam o número. O número fornece informação sobre um conjunto de eventos ligados pelo tempo. A cada momento existe um outro conjunto, e o número informa sobre a estrutura qualitativa dos feixes de eventos temporalmente reunidos.” (FRANZ, Marie Louise von Adivinhação e Sincronicidade: A Psicologia da Probabilidade Significativa. SP: Cultrix,1987; p. 85)

Alguns podem ver nesta exposição da representação chinesa do tempo algum parentesco com a história positivista e sua obsessão doentia pelos acontecimentos. Mas estamos diante de coisa bem diferente, como sabe qualquer um que esteja mais ou menos familiarizado com a filosofia do I CHING: O LIVRO DAS MUTAÇÕES. Na mentalidade tradicional chinesa, os fatos encadeiam-se em função de um padrão que lhes transcende. Parafraseando RICHARD WILHELM, pouco considerados em si mesmos, todo acontecimento no mundo visível é o efeito de uma “imagem”, isto é de uma “idéia” que apenas tem plena realidade em um mundo invisível. Em poucas palavras, ele é a conseqüência no tempo concreto e abstrato de um evento supra-sensível ou simbólico. Poder-se-ia dizer, em linguagem mais secular, que os acontecimentos são construções mentais, que o próprio mundo é um teatro da mente...