quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

PSICOMOTRICIDADE


A Psicomotricidade é um processo orgânico e cognitivo de construção de si e do mundo que nos permite lidar com o fato evidente de que o acontecer humano não se limita, de modo unilateral, ao reino mágico da consciência ou ao logocentrismo da palavra escrita. 

A psicomotricidade não deve ser, portanto, apenas uma referência para o desenvolvimento infantil, mas uma forma de apreender o que somos nós em sua totalidade.

O essencial da vida dispensa o artificio das palavras. Residi no corpo e em suas manifestações. Viver é  inquietude, um constante deslocamento. Existir é estar em movimento através de um corpo que responde ao mundo e, assim,  nos inventa como aquilo que somos condicionados, biológica, afetiva e cognitivamente a um dado ambiente. 
Criar ambiências, sempre provisórias, mais do que propriamente territórios, é o modo como existimos. 

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

DO EXISTIR AO VIVER


Existir  não é viver...
A vida tem sido
um ideal difícil,
quase impossível,
no deserto do
Existir comum.

Viver se confunde sempre
com o por vir,
com o intempestivo,
Com o que quase será.

Viver, definitivamente,
nos ultrapassa.


BIOSOFIA


Essa persona que me contém
tem pouco de mim.
É apenas a prisão de um rosto,
de uma biografia,
que me conforma aos outros.

Sou, fora dela,
indeterminada forma de vida
Composta por certos afetos,
Encontros e desencontros.

domingo, 26 de janeiro de 2020

AURORA


A banalidade mágica do dia que amanhece
Encanta a paisagem.
Tudo participa do espetáculo da manhã surgente. 

A aurora está em cada detalhe .
Posso senti-la no cheiro de café  fresco que perfuma a casa
Ou no meu corpo recém desperto 
Ainda pesado de preguiça
A enfrentar o banho. 

Estar novamente desperto e ativo
É me render a roupa que me espera
Para me acompanhar pelo resto do dia.
Ela me diz que o amanhecer é  livre,
Mas não há liberdade na rotina e nas horas. 

Mas isso pouco importa agora.
Nada parece definido, previsível,
No rito de despertar,
onde o futuro encontra o presente 
No brilho do sol
Através do infinito do céu e do mar.

Lá fora, hoje talvez,
Permaneça dentro de mim
um gosto de aurora.





segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

A INCERTEZA DO EU


É  como memória que o eu existe.
Mas o que é  a memória
Além do efeito de uma ausência ?

O eu resiste a um presente
Que constantemente lhe escapa
Produzindo lembranças,
Acumulando existência,
descartando presenças.

O eu é apenas marca, vestígio,
Mutação constante
Contra o precário da identidade.
O eu não tem substância.

O tempo para ele não  existe.
enquanto persiste contra o perde-se do agora,
Contra o vazio do passado e do futuro,
Surpreendendo-se sempre um outro
Na afirmação de si mesmo.


domingo, 19 de janeiro de 2020

O ENIGMA DA ESCRITA



Escrevo para escapar a mim  mesmo,
Para desacontecer  o mundo
Na intimidade da natureza.

Minha escrita não diz a vida,
Ela inventa um segredo,
Um desafio.

Escrever é saber paradoxos,
Desaparecer na linguagem,
Apagando  bibliotecas 
No porvir do livro.

Escrevo a morte no registro da consciência,
Fugindo a toda tradição, 
Escapando a forma homem,
Na intuição de um futuro sem tempo
Correndo dentro do meu próprio corpo.

Escrever é perder -se,
saber -se outro.


sábado, 18 de janeiro de 2020

A FLOR DA PELE


A pele nossa de cada dia nos abriga e forma.
Ela é   superfície,  atrito e encontro profundo
Entre o corpo e o mundo.

É carne, sangue e impressão,
Uma roupa viva que por nós  existe.
A pele é alma além da forma.

Nada é profundo.
Tudo é  pele e profano
em vital Sensualismo.


quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

DO CORPO, DA LIBERDADE


É no corpo que o mundo existe,
que o pensamento vira comportamento
através do dizível e do visível.
É também no corpo
que o poder se inscreve,
que a norma desenha a opressão do gesto.

Mas o mesmo corpo produz, ainda,
o  espontâneo e o novo,
na medida em que cria,
que deseja,
que inventa o inesperado
Na intuição do indizível,
para dar forma a liberdade
que ele próprio exige
como uma grande dança
De celebração do sensível.

A VIDA DOS ENUNCIADOS


Hoje não passamos de um lugar enunciativo,
onde as palavras convulsionam
e o falar engasga na garganta.

Expressar-se é um ato de criação
do qual já não somos capazes.

 As palavras circulam,
somos habitados por signos e símbolos,
afogados em sentidos,
até o limite da compreensão,
Mas a linguagem nos cala
No dizer que se impõe. 
 É  nosso silêncio que anima
tudo aquilo que é dito.

TEMPORALIDADE MÓRBIDA




O futuro tornou-se uma lembrança triste,
reminiscência de um tempo
onde eramos jovens
e o amanhã parecia possível.
Somos contemporâneos de passados
que nunca existiram
na ficção de um presente
desde sempre defasado
e carente de agora.

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

TEMPO E REVOLUÇÃO


Depois de maio de 1968
o tempo abandonou a história.

O devir acordou o absurdo
no pesadelo da eternidade
enquanto o instante explodia o século
derrubando a ditadura do  calendário.

Já não há mais antes,
nem depois.
A Historia perdeu a Razão.
Hegel foi decapitado!
Tudo transborda
No eterno retorno do  agora!

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

PALAVRAS AVULSAS




Palavras avulsas decoram o quarto.
Sei o ritmo da escrita fácil,
As velocidades das letras em combinado
E a harmonia do sentido
que suja o espaço em branco.

Tais palavras nunca são  profundas.
Apenas beliscam a consciência 
Tentando provocar um sorriso,
Desdizer a realidade,
No mais que  real 
Da imaginação e do risco
De transmitir o silêncio de ser
simulando melodias.







A POTÊNCIA DE QUASE SER




“Os homens, dizia em essência Kant, não são feitos destas madeiras duras e retilínias, com as quais fazemos mastros. Se as vezes, para alguns, existe ao longo da vida uma espécie de fidelidade a si mesmo, uma coerência, outros conhecem rupturas improváveis. Estes tornam-se irreconhecíveis a si mesmos e aos outros, cabendo-lhes varias vidas diferentes. Mas, em princípio, cada existência, mesmo a mais tranquila, contem um numero infinito de possibilidades que a cada instante reorganiza suas virtualidades.”

David Le Breton in Desaparecer de si: Uma tentação contemporânea

O ego, enquanto complexo psicológico que opera como centro da consciência, esta longe de  ser uma realidade continua, unitária. Constitui, ao contrário, um campo instável, sujeito a permanentes rearranjos e rupturas cujo desenrolar quase não percebemos.

Nunca permanecemos os mesmos.  Há em nós  um virtus (força ou potência) que nos impõe o possível como uma sombra de incerteza e transformação projetada em um porvir sempre renovado. 

O ego segue sempre a frente de sua auto manifestação concreta. É como uma miragem, como um duplo de si mesmo. Nunca se apresenta como identidade fixa. Manifesta-se,  ao contrario, como virtualidade e inacabamento que  nunca  se adéqua ao rosto.

A criança que fui um dia, por exemplo,  não esta contida naquele que sou hoje. Ela simplesmente desapareceu como manifestação circunstancial de um eu no qual nunca me reconheci por inteiro.

O eu, portanto, só existe como possibilidade, só é em si no movimento de tornar-se. Existe, portanto, na indeterminação de um quase ser, no complexo deslocamento de coisas dentro de coisas, através do movimento de corpos dentro de corpos, que não cabem na ilusão da homogeneidade e continuidade de um pensante e sensível eu que faz do mundo espelho da sua auto ilusão .





quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

A SOMBRA DO FUTURO



Busco um futuro livre de qualquer passado,
limpo do peso morto das humanidades,
das ilusões da razão na história.

Um futuro que  transborda sempre o presente
através da potência do virtual,
da indeterminação do inatual,
que recusa toda teleologia racional,
todo pragmatismo.

Busco um futuro onde a vida
evite o agora
e se faça sempre presente
através do inatingível,
do inacabamento  de viver na margem
de qualquer miragem de posteridade.


MEU NÃO SER



Meu não ser
é saber terra,
viver animal,
desfeito em natureza
e afeto.

Meu não ser
é devir
contra a história,
eterno retorno,
cosmovisão redentora,
impessoal.

Meu não ser
é um existir natural.

A PALAVRA MOVENTE


Sou escravo desta palavra torta que me liberta de mim mesmo, que nega o mundo e  se escreve no corpo, como afeto, movência, que alimenta imaginações profundas na superfície da consciência que rasga livros. 

Esta palavra que não respeita a gramática de qualquer moral ou verdade, é  expressão radical da vida impossível latente no vento de enunciados aberrantes. Ela é a intimidade de um niilismo que não  reconhece qualquer autoridade e nasce no ventre das agonias mais cotidianas e urgentes como abstrata e existencial paisagem.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

O BÁRBARO



O bárbaro é por definição o estrangeiro,
O outro que recusa o jogo de nossa gramática, do nosso sistema de signos, colocando-se do lado de fora do nosso mundo, da história, e da significação corrente das coisas. 

Ele é o avesso de nossa identidade,  aquele que nega o sentido,  o verdadeiro e o falso.

O bárbaro é  quem nos ignora, quem não  nos reconhece como destino, quem expressa o informe da natureza primordial de uma existência nua.


segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

PALAVRAS EM MOVIMENTO



Palavras espalham vertigens,
organizam verdades, certezas,
ilusões e duvidas.
Criam divindades, autoridades,
inventam seus próprios sujeitos.

Algumas palavras invocam respeito,
outras debocham, ensinam,
ou, simplesmente, informam.
A palavra é signo, símbolo e simulacro.

Mais do que qualquer outra coisa,
entretanto,
palavras alimentam o silêncio,
transbordam significados,
moldam nosso comportamento
revelando tudo que existe
como simulacro.

Palavras dizem sempre prisões.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

NÃO HÁ TEMPO

Não há tempo.
Apenas extensão, 
Corpos em movimento,
Corpos dentro de corpos,
Espaço vivo concreto e abstrato,
Pleno de afetos, vazios
E metamorfoses. 

NÃO 
há  tempo.
Tudo é  movimento,
Encontros.

É sempre o mesmo momento
Transfigurado
Desde o início dos tempos.

Partículas dançam dentro de tudo
Através do mundo.
Só não  escutamos a música
Que nos desfaz no movimento.