sexta-feira, 12 de abril de 2013

O TEMPO QUE CORROE O TEMPO



 Mary Werther acordou aquela manhã profundamente indisposta.
Um intenso mal estar a fazia pensar seriamente na hipótese de permanecer na cama e ignorar a maçante rotina. Talvez não fosse má ideia perder um dia de trabalho. Daria qualquer desculpa e, no final das contas, seu mal estar era bastante real. No fundo não seria uma desculpa, estava de fato inapta ao cotidiano.
Consolidada a decisão, espreguiçou-se  e voltou a dormir.
Despertou novamente um pouco depois do meio dia. Levantou-se, escovou os dentes e de repente sentiu  certo estranhamento das coisas. Havia definitivamente algo errado...
Quando saiu do banheiro em direção à sala, surpreendeu-se em outro lugar, em um cômodo estranho e irreconhecível. A sala não estava lá... 
Deu-se conta de que tudo a sua volta estava fora do lugar. Mais precisamente: Nada estava onde deveria estar, nada era como deveria ser. Todas as suas referencias de realidade não correspondiam ás coisas.
De repente, não estava mais em seu apartamento. Encontrava-se em uma sala vazia e de paredes vermelhas.  Ouvia vozes sussurrando ao fundo, mas não compreendia o que diziam e muito menos conseguia identificar sua origem.
No momento seguinte a sala não estava mais vazia. Diversas pessoas vestidas de preto conversavam descontraidamente entre si. Todas pareciam ignorar a presença de Mary.
Palavras surgiram em uma das paredes vermelhas da sala:
“O TEMPO QUE CORROI O TEMPO 
DOMA O DESTINO DO VENTO 
E DORME SEM MUNDO EM ALGUM SILÊNCIO”
Mary não fazia a menor ideia do que aquelas palavras significavam.
Mas agora ela já não estava mais na sala de paredes vermelhas. Corria por uma estrada aberta e deserta que parecia não ter fim. Corria como se sua própria vida dependesse disso, como se alguém lhe perseguisse, ou como se buscasse alcançar... quem sabe o que? Seus pensamentos, seus sentimentos, eram confusos.  Lembrava-se de diversos momentos da sua vida. Todo seu passado subia a garganta.
Via-se criança no aconchego do colo materno. Sentia-se protegida. Mirava um céu azul profundo que quase lhe engolia o olhar.
Agora lembrava a ingenuidade da adolescência, o encanto e a decepção do primeiro beijo. O amor lhe fora sempre uma ilusão estupida. Nunca seria a mulher eterna de qualquer homem ou de outra mulher. Não servia para isso. Ninguém a esperava na porta do baile da vida  com um convite para um bailado entre os lábios.
Lembrou-se das palavras na parede vermelha:
“O TEMPO QUE CORROI O TEMPO 
DOMA O DESTINO DO VENTO 
E DORME SEM MUNDO EM ALGUM SILÊNCIO.”
Revivia agora a morte estupida dos pais. Um motorista bêbado atropelou-os na noite de natal de 1990. Justo quando mais precisava deles ela os perdeu. Desde então sua vida nunca mais fora a mesma. Nunca superou a perda. Como poderia? 
Todos esses anos buscara aprender a ser sozinha no mundo, a viver do pouco que lhe restara na vida.  Mas sua vida era tão pouco, tão vazia, que se quer sentia-se de fato existindo nela. A realidade lhe parecia algum sonho estranho ou o delírio de uma consciência objetiva. O que chamamos de realidade seria sua doentia imaginação onírica. Em outras palavras, a existência era uma ilusão absurda.
E Mary corria por uma estrada aberta. Quanto mais corria mais estrada surgia. Estava exausta, molhada de suor. Mas não podia parar. Precisava continuar correndo. Continuar buscando, fugindo... O tempo lhe escorria dos olhos.
Lembrou-se de seus planos de desfuturos, de seus tantos pós objetivos. A vida lhe era a ato constante de desistir das coisas, de se perder em tudo. Tropeçava em suas próprias pernas.
Estava caída agora, perdida  e com o coração apertado no peito.
Invejava toda mulher que conhecia pelo simples fato de não ser como ela. Achava que todas tinham uma vida melhor do que a sua, ou então, simplesmente eram mais bonitas e atraentes.  Talvez por isso não conseguisse contrair amizades duradouras.
Como as pessoas não conseguiam perceber o quanto o mundo era absurdo e perverso? Mary não conseguia entender como todo mundo a sua volta lidava tão serenamente com a realidade. Sentia-se só; profundamente só.
Esvaziava-se de si mesma, esvaziava-se de tudo.  Pela primeira vez  sentia-se inteiramente ausente, inexistente.
Definitivamente, o suicídio era o modo mais digno de se morrer, de construir seu próprio destino. Jamais morreria em um acidente sem sentido como seus pais.  Decidiria o dia e a hora de deixar o mundo no mais radical exercício de sua liberdade e vontade.
Repentinamente uma luz agrediu seus olhos. Acordara... Estava na mesa de operações de algum hospital. Uma equipe medica  a sua volta.  Sim... estava sendo operada. Começou a lembrar de tudo que realmente havia acontecido.
A última coisa que  lembrava era de ter se jogado da janela de seu apartamento...
Então era isso: “O tempo que corrói  o   tempo” é a morte....
Gosto de sangue na garganta... 
sentiu frio... 
Uma sensação de prazer que nunca sentira antes apoderou-se de todo o seu ser.
Depois.....................................................................................................................................................................................................................................................................................
FIM

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