Organizada por Legs McNeil e Gillian McCain, Mate-me por Favor (Please, Kill me), é uma preciosa história oral do movimento punk composta pela compilação de uma centena de entrevistas realizadas pelos autores com os protagonistas do movimento acrescidas, ainda, de outras fontes.
Como ressaltam os editores da edição brasileira na apresentação que fazem a obra:
“Mate-me, por Favor celebra o autêntico sexo, drogas e rock & roll que dominou o que provavelmente será visto como a última era em que tantas pessoas se divertiram tanto matando a si mesmas.”
Trata-se de fato de um dos mais autênticos e fecundos registros do movimento, uma fonte indispensável aqueles que buscam compreender o Punk em sua mais crua essência e, por tabela, entender uma das principais faces da efervescência cultural que definiu os anos 70 do último século.
Nos dois volumes que compõe a obra nos deparamos com relatos realmente surpreendentes, alguns no mínimo desconcertantes, sobre o cotidiano punk, que expõe em toda sua radicalidade seu absoluto niilismo e explosiva cultura social (ou marginal). Alguns fatos da época são apresentados em diferentes versões, mas pode-se dizer que os dois volumes formam um todo coerente apesar de sua narrativa fragmentar e plural.
Um dos depoimentos que muito bem sintetizam os anos loucos do Punk é o do ex- empresário e “inventor” dos Sex Pistols, Malcolm McLaren:
“Eu era pelo menos uma geração mais velho do que a geração dos Sex Pistols, era da geração dos anos sessenta. Por isso minha relação com os Sex Pistols era uma ligação direta com aquela opressiva angustia existencial, motivo primordial pra fazer qualquer coisa no rock & roll – abandonando a noção de carreira-, e com aquele espírito amador de faça você mesmo típico do rock & roll. Foi assim que cresci, com a idéia de que você podia fazer as coisas.
Lá pelo começo dos anos setenta, a filosofia era de que você não podia fazer nada sem um monte de dinheiro. Então minha filosofia se voltou para “Foda-se a gente não se importa se não sabe tocar e não tem instrumentos realmente bons, a gente ainda está fazendo porque acha que vocês são um bando de escrotos.”
No fundo, acho que foi isso que criou a raiva – a raiva era simplesmente por causa do dinheiro. Porque a cultura tinha se tornado corporativa, porque a gente não a possuía mais, e todo mundo estava desesperado pra tê-la de volta. Essa era uma geração tentando fazer isso.”
(Legs McNeil e Gillian McCain; tradução de Lucia Brito. Mate-me Por Favor Volume II. Porto Alegre: L&PM, 2007, p.28 e 29)
Outro depoimento significativo é o de Mary Harron, escritora independente que colaborara com a revista Punk:
“Na verdade não tínhamos nenhum motivo pra sermos idealistas, e eu estava farta da cultura hippie. As pessoas estavam tentando manter aqueles ideais de paz e amor, mas eles estavam muito desvalorizados. Além disso, era época em que era bacana ser capitalista, e você não entrava mais naquela. Estava esgotado, mas, como os hippies defendiam o que era bom, ninguém podia deixar pra lá e dizer “isso acabou”.
Era como se você fosse forçado a ser otimista, interessado e bom. E a acreditar em paz e amor. E embora eu talvez acreditasse, me ressenti por todo mundo me dizer no que acreditar. Eu não gostava da cultura hippie, achava nauseante, afetada, sentimental e com carinha de smiley. Aí Richard Hell chegou e disse: “É isso que somos, somos a geração vazia. Acabou.
Foi muito excitante. O que foi tão emocionante nisso é que a gente estava indo em direção ao futuro e não fazia idéia de que futuro era. Senti como se fosse tudo novo- não havia definições, ou limites, era ir em frente, em direção à luz, era o futuro, tudo novo, sem regras, sem nada, sem definições.”O que somos? Não sabemos’
Levou anos pra eu perceber que era niilismo. Ou coisa que o valha. ”
( Idem p. 77, 78)
Por último cabe invocar o testemunho de Bob Gruen, fotografo e cineasta que dirigiu Looking for a Kiss, vídeo dos New York Dolls, que remete ao titulo do livro:
“ A primeira vez que vi Richard Hell, ele entrou no GBGB’s usando uma camiseta com um alvo e as palavras Please Kill Me ( Mate-me por Favor).
Aquilo era uma das coisas mais chocantes que eu já tinha visto. As pessoas tinham um monte de idéias extravagantes naquele tempo, mas andar pelas ruas de Nova York com um alvo no peito, com um convite para ser morto, foi um verdadeiro marco”.
( idem p. 226)
Contrariada por um depoimento do próprio Richard Hell:
“Nem me lembro de usar a camiseta Please Kill Me, embora lembre de ter forçado Richard Lloyd a usá-la. Eu era um tremendo de um covarde.”
(idem)
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