domingo, 5 de setembro de 2010

NECESSIDADE E EXISTÊNCIA OU VARIAÇÕES LIVRES SOBRE AS DORES DO MUNDO

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Imerso em minhas necessidades, percorro vazio a existência nos labirintos do tempo, não busco saídas, apenas caminhos e destinos que de antemão sei que não me conduzem a qualquer nomeada.
Qual sentido, afinal, poderia ter tudo aquilo que me acontece, os tantos rostos espalhados no espelho do mundo cotidianamente vivido ?
Apenas o acaso me diz a soma do acontecer das coisas, o querer que me queima no se fazer  dos destinos que me rasgam violentamente  eus e  pensamentos no simples ocorrer da existência...

A vida de cada homem, vista de longe e de alto, no seu conjunto e nas fases mais sa­lientes, apresenta-nos sempre um espetá­culo trágico; mas se a analisarmos nas suas minúcias, tem o caráter de uma comédia o decurso e o tormento do dia, a incessante inquietação do momento, os desejos e os receios da semana, as desgraças de cada hora, sob a ação do acaso que procura sempre mistificar-nos, são outras tantas ce­nas de comédia. Mas as aspirações iludidas, os esforços baldados, as esperanças que o destino esmaga implacavelmente, os erros funestos da vida inteira, com os sofrimentos que se acumulam e a morte no último ato, eis a eterna tragédia. Parece que o destino quis juntar a irrisão ao desespero da nossa existência, quando encheu a nossa vida com todos os infortúnios da tragédia, sem que possamos sequer sustentar a dignidade das personagens trágicas. Longe disso, na ampla particularidade da vida, representa­mos inevitavelmente o mesquinho papel de cômicos.
É verdadeiramente incrível como a existência da maior parte dos homens é insignificante e destituída de interesse vista exteriormente, e como é surda e obscura sentida interiormente. Consta apenas de tormentos, aspirações impossíveis, é o andar cambaleante de um homem que sonha através as quatro épocas da vida até à morte, com um cortejo de pensamentos triviais. Os homens assemelham-se relógios a que se dá corda e trabalham sem saber por que; e sempre que vem um homem a este mundo, o relógio da vida humana recebe corda de novo para repetir mais uma vez o velho e gasto estribilho da eterna caixa de música, frase por frase, compasso por compasso, com variações quase insensíveis.
Cada indivíduo, cada rosto humano e cada existência humana são um sonho, um sonho efêmero do espírito infinito da natu­reza, da vontade de viver persistente e tei­mosa, são uma imagem fugitiva que dese­nha na página infinita do espaço e do tem­po, que deixa subsistir alguns instantes de uma rapidez vertiginosa, e que logo apaga para dar lugar a outras. Contudo, e é esse o lado da vida que faz pensar e refletir, urge que a vontade de viver, violenta e impetuo­sa, pague cada uma dessas imagens fugiti­vas, cada uma dessas fantasias vãs ao preço de dores profundas e sem número, e de uma morte amarga por muito tempo temida e que afinal chega. Eis por que o aspecto de um cadáver nos torna subitamente sérios.
In As  Dores do Mundo by Arthur schopenhauer

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