“ Uma pintura de Klee intitulada “Angelus Novus” mostra um anjo que parece estar prestes a se afastar de alguma coisa que encara fixamente. Seus olhos estão arregalados, sua boca está aberta, suas asas estendidas. O anjo da história deve ter o mesmo aspecto. O seu rosto está voltado para o passado. Onde percebemos um desencadear de acontecimentos, ele vê apenas uma única catástrofe, que não para de acumular destroços sobre destroços, e depois os atira a seus pés. O anjo gostaria de ficar , despertar os mortos, e reconstruir o que foi destruído. Mas uma tempestade sopra do Paraíso ; e o vento bate em suas asas com tamanha violência , que o anjo não consegue mais fecha-las. Essa tempestade o empurra inexoravelmente em direção ao futuro, para o qual as suas costas estão voltadas, enquanto a pilha de destroços sobe ao céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso.”
Walter Benjamim in, Teses sobre o conceito de história .
A 9º tese sobre o conceito de história de Walter Benjamim, inspirada pelo Angelus Novus de Paul Klee, e influenciada por um poema do seu amigo, o historiador Gerson Scholem, pode ser definida, em linhas gerais, como uma breve narrativa alegórica sobre a tensão entre o passado e o futuro que condiciona toda consciência do presente.
Trata-se de uma crítica a noção de progresso, tão cara a cultura pós-iluminista, e uma original “leitura negativa” do processo histórico. Tal constatação não escapa, naturalmente, nem mesmo ao leitor mais desatento e desenformado, que ignore o contexto em que o texto foi concebido: a caótica Europa de 1940,ano de guerra no qual o nefasto pacto Hitler/Stalin atentava contra as mais sinceras esperanças da civilização ocidental frente o espectro concreto da barbárie. Estou inteiramente de acordo com Robert Alter quando diz que:
Walter Benjamim in, Teses sobre o conceito de história .
A 9º tese sobre o conceito de história de Walter Benjamim, inspirada pelo Angelus Novus de Paul Klee, e influenciada por um poema do seu amigo, o historiador Gerson Scholem, pode ser definida, em linhas gerais, como uma breve narrativa alegórica sobre a tensão entre o passado e o futuro que condiciona toda consciência do presente.
Trata-se de uma crítica a noção de progresso, tão cara a cultura pós-iluminista, e uma original “leitura negativa” do processo histórico. Tal constatação não escapa, naturalmente, nem mesmo ao leitor mais desatento e desenformado, que ignore o contexto em que o texto foi concebido: a caótica Europa de 1940,ano de guerra no qual o nefasto pacto Hitler/Stalin atentava contra as mais sinceras esperanças da civilização ocidental frente o espectro concreto da barbárie. Estou inteiramente de acordo com Robert Alter quando diz que:
“ Não faz diferença se tomamos o anjo da maneira que Benjamim o apresenta, como uma alegoria geral da inflexibilidade com que se deve acompanhar o desenvolvimento da história- “Onde percebemos um desencadear de acontecimentos, ele vê apenas uma única catástrofe”- ou se vemos nele, como sugeriu Rolf Tiedemann num ensaio circunspecto, uma representação do materialismo histórico. O que importa é que a tensão entre o passado e o futuro, que, como já vimos, ocupa um lugar fundamental no pensamento de Benjamim, atinge o seu clímax aqui, ameaçando desmantelar todo o raciocínio que ele estava tentando montar sobre o objeto e o caráter do processo histórico. Esta imagem da história como uma pilha de destroços que atinge o céu e como uma catástrofe contínua reflete, obviamente, o momento que Benjamim vivia: a primavera de 1940, quando a maior parte da Europa estava sob a sombra da suástica, e Stalin e Hitler tinham se unido num pacto assassino. No entanto, o terrível estranhamento em relação a um passado harmonioso, que tinha suas bases , em última análise, na velha história hebraica da expulsão do Éden, era um componente importante do pensamento de Benjamim desde a década de 1920.É difícil deixar de entender a última frase , “ Essa tempestade é o que chamamos de progresso” , como uma amarga ironia, apesar do lado marxista e messiânico de Benjamim provavelmente procurar ver nela um sentido mais positivo. De qualquer maneira, o anjo, uma espécie de refugiado atônico do mundo do simbolismo religioso, não se encontra em um eixo vertical entre o celestial e o terrestre, como no poema de Scholem, mas sim num eixo temporal entre o sonho da origem paradisíaca e o prospecto inconcebível – ou seria ele um pesadelo? – daquilo que se encontra no fim da longa catástrofe da história.”(Robert Alter, Anjos necessários: tradição e modernidade em Kafka, Benjamim e Scholem; pg.149-150. )
O passado, como construção e apropriação contínua de um presente, como rememoração e “relâmpago”, sugerido pela 5º tese, parece desfazer-se na 9°, onde o anjo, enquanto alter ego mítico do historiador, denuncia a impossibilidade trágica de qualquer leitura “positiva” da história, pois enxerga apenas um tempo sem nenhum “agora” ou qualquer outra possibilidade que transcenda a inexorável tragicidade do progresso, do devir, contra toda permanença e realidade dada. Já não é possível despertar os mortos ou reconstruir o que foi destruído. A tempestade do progresso nos afasta cada vez mais da origem, do “paraíso”, nos esvaziando de todo significado, de toda tradição. Desta forma, o anjo da história de Benjamim, “este refugiado atônico do mundo dos símbolos”, é um mito moderno que anuncia a barbárie, um desenraizamento radical, que nos obriga a uma ruptura nunca antes possível, a um reinicio absoluto, frente ao pesadelo da razão e da própria vida contemporânea, cada vez mais esvaziada de significados.
Todo o universo de imagens, crenças e experiências que correspondem ao mundo pré- moderno da tradição, permanecem, entretanto, vivos como forças subterrâneas no imaginário contemporâneo. Apenas nossa consciência diferenciada do inconsciente já não é mais capaz de percebe-las ou vivência-las como antigamente.
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