terça-feira, 11 de setembro de 2007

MARIE LOUISE von FRANZ E O ESTUDO DOS CONTOS DE FADA

A investigação científica dos processos psíquicos autônomos ou inconscientes, as interconexões e sobreposições dos significados das imagens arquétipicas, é uma tarefa irrealizável sem a devida consideração de nossas reações pessoais e afetivas.

Não podemos absolutamente excluir arbitrariamente do campo do entendimento nossos condicionamentos e pré disposições subjetivas sob o pretexto de sermos “acadêmicos” ou “objetivos” em nossas formulações.

Parafraseando MARIE LOUISE VON FRANZ, colaboradora de C.G.Jung durante longas décadas, assim como não se pode estudar as plantas sem situar o solo onde elas crescem e um bom jardineiro possui necessariamente um conhecimento do solo tão bom quanto as plantas, em mitologia, nós somos o solo dos temas simbólicos e não podemos ignorar, portanto, a base humana a partir da qual estes temas florescem.
Quero, neste capítulo, ocupar-me especificamente da interpretação dos contos de fada, assunto que mereceu de VON FRANZ uma atenção muito especial dentro do conjunto de suas pesquisas. Para ela os contos de fadas são

“...a expressão mais pura e mais simples dos processos psíquicos do Inconsciente Coletivo. (...) Eles representam os arquétipos na sua forma mais simples, plena e concisa. Nesta forma pura, as imagens arquétipas fornecem-nos as melhores pistas para compreensão dos processos que se passam na psique coletiva. Nos mitos, lendas ou qualquer outro material mitológico mais elaborado , atingimos as estruturas básicas da psique humana através de uma exposição do material cultural. Mas nos contos de fada existe um material cultural consciente muito menos específico e, consequentemente, eles espelham mais claramente as estruturas básicas da psique.”
FRANZ, Marie Louise von A Interpretação dos contos de Fada. SP: Ed Paulinas, 1990. pg.9)

A simplicidade dos contos de fadas, seu caráter intelectualmente elementar, proporcionam uma exposição singularmente clara e precisa dos fatos psíquicos. Tal material é encontrado nas sociedades de todo o mundo justamente entre as pessoas simples, como camponeses e índios, constituindo uma parcela significativa daquilo que denominamos como o folclore de um país ou de uma região. Seja sob a forma de sagas locais ou de contos de fadas genuínos como os que encantam a imaginação de nossas crianças, certas histórias ou relatos são incorporados ao patrimônio cultural de uma coletividade e se convertem em expressão de sua identidade e memória social. As imagens e símbolos estruturantes destas narrativas apresentam padrões elementares e arcaicos que permitem sua leitura como expressão de um “pensamento simbólico” ou de fantasia. Diante dele o intelecto acadêmico mostra-se medíocre em seu estilo de formulação destinado quase sempre a sustentar verdades absolutas motivado pela sede de prestígio, vontade de poder ou insegurança.

O estudo dos mitos e, especialmente dos contos de fadas, exige certo desprendimento mental ou sensibilidade para o objeto, ele pressupõe uma renuncia a necessidade de compreender e explicar do complexo egoico. O intelecto, quando indiferenciado de suas raízes instintivas torna-se destrutivo ao cristalizar uma atitude segundo a qual “isso é apenas isso” ou “esta é a verdade” inibindo assim outras possibilidades de expressão e percepção. Em outros termos, no meio acadêmico tradicionalmente o intelecto transcende seu próprio domínio de operações convertendo-se em um monstruoso impulso de maquinação arguta que se impõe unilateralmente a consciência e a matéria observada.

No estudo dos mitos e símbolos defrontamo-nos com um material que não comporta opiniões e interpretações unívocas, que não pode ser esgotado por nenhuma leitura ou significação possível. Neste sentido, o método analógico associativo, originário do campo da psicologia profunda, é apenas uma referência que me permite construir um determinado discurso sobre a natureza da matéria mitológica da qual participo tanto intelectualmente quanto emocionalmente.

Tomar a psique como objeto é, entre outras coisas, saber que uma parte dos conteúdos inconscientes permanece irremediavelmente inconsciente enquanto outra submete-se a capacidade discriminadora ou diferenciadora da consciência. Os vários motivos e figuras de um conto de fadas são um testemunho da realidade humana em sua forma mais elementar. Muitos conteúdos que hoje tomamos como parte integrante da personalidade consciente nestas antigas histórias apresentam-se ainda vinculados ao inconsciente estando projetados de modo autônomo através de certas situações ou personagens. A figura do herói nos contos de fadas, por exemplo, representa geralmente, um modelo ou padrão arquétipo que visa uma dada modalidade comportamental associada a algum aspecto do Si-mesmo psicológico associado a construção do ego humano.

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