domingo, 21 de novembro de 2021

A ARTE DE ESPANTAR

Espantar é nosso modo de esperançar,
de superar o quebranto,
de sonhar um mar,
para perder de vista a terra firme e seca
que hoje nos rouba os pés.

O Espanto é um afeto que nos arranca do agora,
que nos faz fugir,
buscar, qualquer outro lugar ou forma,
de viver e fazer viver.

Existir é constantemente
Espantar, assombrar, afetar, e
afastar, tudo que impaca,
que inventa  inércias,
e regras, 
nos impedindo de criar.

Espantar é o melhor modo de protestar, lutar, tentar avançar
e estranhar o mais intimo de nós nos outros.

Espantar é ser estranho 
ao que é distante
e paradoxalmente familiar.




sexta-feira, 19 de novembro de 2021

DETERMINAÇÃO

Ainda que eu seja finito,
que meus dias sejam de pedra,
e minha vontade fragil e incerta,
quero provar tempestades,
perder o pé na beirada de abismos,
inventar outra realidade.

Quero provar o sabor de uma estrela,
pintar a noite de vermelho,
e correr com lobos pelo labirinto de uma antiga floresta.

Quero ter a saúde dos lunáticos,
o desejo livre dos desatinados.

Ainda que eu morra amanhã
ou que o mundo termine ao ritmo de um tango argentino.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

A PALAVRA COMO TERRITÓRIO EXISTENCIAL

A palavra como acontecimento é inerente ao corpo que percebe, que se movimenta, mesmo estando inerte.

A palavra não  representa o mundo,
ela inventa mundos, 
cria realidades, signifacados,
reconhecimento do fora 
como uma dobra do dentro.
Escrever é um modo de caminhar,
de passear pela imateriaridade de territórios artificiais ao sabor de intensidades e afetos.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

TRANS ANIMAL

Meu segredo é ser 
um organismo vivo
que guarda a memória de diversas naturezas.
Existo entre o orgânico e o inorgânico,
entre o humano e inumano.

Sou um animal estranho
que tenta viver como as árvores
reinventando a terra e o tempo
indiferente a paisagem.

Sou uma fera transfiguada,
indeterminada e inclassificável.
Não tentem me compreender
 pelo abecedário de qualquer saber ou ciência. 

domingo, 7 de novembro de 2021

PALAVRA VIVA

É urgente
Corporificar o texto
até que não haja fronteira 
entre a palavra e a vida,
ficção e realidade,
na contramão de todo falso realismo racional.

O pensamento é um afeto
que transfigura a palavra,
reinventa o som,
absolutizando a musicalidade,
como caminho do eu ao outro.


A palavra é carne,
vida sem espírito,
que transforma a matéria 
em mundo.

Somos sígnos e símbolos
na trama do sentido
que nos transfigura os sentidos,
que nos refaz no indeterminado
da natureza em infinito.

A palavra é corpo,
poesia viva,
ou natureza em ato  físico e metafísico.


sábado, 6 de novembro de 2021

ATEMPORALIDADE E ESPANTO

Da morte da história nasceu o não tempo do espanto, do inumano contra o antropoceno, reafirmando  a morte do homem, a reviravolta das subjetividades, através  dos corpos que germinam da terra, contra as vertigens do céu e da razão luminosa.
Desvelamos a animalidade e seus afetos, as profundezas do caos da existência, a pobreza do progresso, na redescoberta de um mundo, intenso e  arcaico, entre o mito e a imanência.
Nosso passado nunca foi moderno e nosso futuro é a potência do espanto da vida substantiva.
O atemporal da existência nos surpreende antigos e dissassossegados na falência de todas as épocas.

O DIA SATURADO

Saturado de signos,
significados,
saberes e mercadorias,
o dia era quase ilegível
na praça do mercado.

A vida não vivia.
O tédio nos adoecia,
e as horas apodreciam
a céu aberto.

Todos estavam cansados
de tanta informação 
contra os fatos
E era inútil qualquer interpretação 
daquele dia.
Mas nada que sentiámos
deixaria vestígio. 
O mundo era um cadáver
dentro de um livro.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

O ENÍGMA DA LINGUAGEM



O grande esoterismo da linguagem é a invenção da realidade como acontecimento verbal, como devir do corpo, além da confissão de verdade, de toda mimese e representação. 

A linguagem é como um organismo vivo que nos transforma, uma imaginação-máquina, que no inventar-se das palavras, nos lança as intensidades do inumano. 

COMUNICAÇÃO HOJE

O grande paradoxo da comunicação é que sempre há mais vozes do que ouvidos no mundo para poucos discursos.
Isso proporciona ao silêncio  a grandiosidade de um evento invisível. 

terça-feira, 2 de novembro de 2021

ADIVINHAÇÃO

Desaprendi a escrever 
no naufrágio das palavras,
e tropeços do pensamento.
Agora exploro a grafia do ilegível,
os sinais rabiscados em cavernas,
a magia de letras esculpidas em pedras.

Há muito hermetismo na escrita dos loucos
e nos garranchos de uma criança.
 Nada é figurativo.
Tudo é enigma pré discursivo.

Sou avesso a qualquer realismo.
sei que um risco diz mais do que um signo.
Por isso não leio.
Adivinho,
como quem interpreta
cartas de tarô.